A parapsicóloga forense americana ganha popularidade na tevê ao mostrar como ajuda a polícia na solução de crimes hediondos
por Suzane Frutuoso
Em uma noite, mais de 30 anos atrás, a americana Sally Headding preparava o jantar, enquanto ouvia o noticiário na tevê em sua casa, na Califórnia. A reportagem falava de uma menina que estava desaparecida. “Quando escutei a história, imagens da criança e flashes de seu corpo já morto apareceram diante dos meus olhos, como se fosse um slide de fotos”, lembra. O marido de Sally, um médico que vinha do plantão no hospital, a encontrou tremendo e chorando. Após ouvir suas explicações, ele quis que ela contasse à polícia qual era a área onde a garota estaria. “Recusei. Estava certa de que me achariam maluca. Meu marido chamou os policiais e repetiu tudo o que senti”, contou. Às 6 h da manhã seguinte, policiais chegaram à casa dos Headding. Achavam que Sally sequestrara a criança. O malentendido foi logo desfeito. Desde então, a polícia passou a contatar a parapsicóloga forense, que ajudou a desvendar mais de mil crimes em diferentes países, para auxiliar em investigações. Sally, 65 anos, se tornou conhecida graças à série Investigadores psíquicos, exibida no Brasil pelo canal Discovery Chanel. Formada em psicologia e doutora em parapsicologia pela Universidade de Berkeley, ela prepara um livro sobre seu dom – ou fardo. Hoje viúva, mãe de uma moça e avó de duas meninas, que acabou de levar à Disney, Sally conversou com ISTOÉ:
ISTOÉ – Programas como Investigadores psíquicos mostram dons que algumas pes soas têm, como enxergar situações in comuns. Divulgar esses fe nô menos é bom?
Sally Headding – Depende. Se ajudar mais pessoas a conhecer esses recursos, sim. Mas há um problema na popularidade dos investigadores psíquicos, por exemplo. É o surgimento de uma série de falsos médiuns que se apresentam para ajudar a polícia em casos de grande repercussão. Os verdadeiros sensitivos dificilmente procuram a polícia. São, na verdade, convidados por ela a colaborar nas investigações.
ISTOÉ – A sra. é sempre convidada?
Sally – Sim. Nunca decidi trabalhar na solução de crimes como uma intuitiva forense. Nunca chamei a mídia para cobrir um caso. Se os investigadores precisam da minha ajuda, são eles que entram em contato comigo. E nunca cobrei por meus serviços. Uso minha intuição a favor da lei. É verdade que muitas vezes é a família de alguém desaparecido que pede à polícia para me ligar, especialmente quando as investigações parecem se encaminhar para o encontro com a morte.
ISTOÉ – Sua capacidade psíquica é um dom incrível. Como é lidar com um poder possível a tão poucos?
Sally – Sempre acreditei que meu papel é apenas mais um pedaço de um quebra-cabeça. Se permitir que meu ego se envolva, que eu me sinta poderosa, me renderia à vaidade humana, atrapalhando o que o outro lado está querendo me dizer.
ISTOÉ – A sra. afirma que “o outro lado” lhe diz algo, mas parapsicólogos costumam creditar esse dom a uma capacidade do cérebro.
Sally – Acredito que o fenômeno psíquico está ligado a uma força superior tentando nos guiar quando há incertezas de que caminho tomar. Trata-se da energia do outro lado rodando tão rápido que possibilita ao lado de cá receber informações, mas graças a uma capacidade do nosso cérebro. Todos nós vivemos com essa habilidade de ouvir nossa voz interior. O dom só vem à tona, porém, quando aprendemos a acalmar a mente o bastante para ter fé naquilo que estamos ouvindo. Quando eu digo acalmar, estou falando de entrar em contato com as mesmas ondas cerebrais que surgem no estado de relaxamento um pouco antes de dormir. Essas ondas cerebrais incluem nossos pensamentos diários, preocupações. Enquanto permanecemos nesse estado ficamos mais suscetíveis a receber energias que acredito serem uma conexão com Deus.
ISTOÉ – E como ter certeza de que as visões que a sra. tem são confiáveis?
Sally – De acordo com estudos científicos, é durante esse estado de relaxamento que meu cérebro dispara as visões ou me guia na procura por algo que possa ser uma resposta psíquica. Minhas habilidades foram testadas clinicamente por pesquisadores na Universidade da Califórnia, em 1994. Exames com detectores de mentira e testes psicológicos confirmaram minhas habilidades.
ISTOÉ – A sra. sempre acerta?
Sally – Não. Quando recebo os avisos, nunca tenho certeza se estou certa. Admito que já trabalhei em alguns casos em que estava completamente errada. Mas as leis espirituais não são exatas. Já cometi erros, o que é bom. Não acertar sempre me faz manter a fé e o ego em observação contínua. O fenômeno psíquico é a ciência do amanhã. Não temos ainda os equipamentos certos para testar essa habilidade e garantir que ela é segura. Por enquanto, a investigação psíquica é apenas mais um meio que a lei tem para elucidar crimes e injustiças que deve ser usado com cuidado assim como todos os métodos de investigação.
ISTOÉ – O que a sra. acha de manifestações espíritas como a psicografia, na qual o médium escreve o que um espírito estaria ditando?
Sally – Sou muito conservadora em relação a isso. O que não me agrada na maior parte das pessoas que têm algum tipo de poder psíquico é que elas diminuem a responsabilidade do outro, dizendo o que ele deve ou não fazer. É errado. Nunca disse a ninguém o que se deveria fazer, mas mostro diferentes possibilidades para que se possam escolher caminhos. Nada é pior do que fracassar porque alguém disse onde você deveria pisar, sendo que esse conselho estava incorreto. Se devemos cair, que seja sempre por nossa própria má escolha.
ISTOÉ – Mas a sra. é contra o auxílio que médiuns oferecem em instituições espíritas para aliviar a dor causada pela morte?
Sally – Não. Um médium, porém, deveria ser apenas um guia, não uma dependência, que é o que acontece muito. E também não acredito que Deus tenha presenteado algumas pessoas no mundo com um poder de ultimato. Nunca. Meus clientes e a polícia são levados a procurar algo mais graças às minhas palavras, o que não significa que eu esteja 100% correta. Há muitos charlatões dizendo que têm dons especiais e que usam isso para manipular as pessoas. A coisa mais importante na vida é nos responsabilizarmos por nós mesmos. O presidente Barack Obama é um bom exemplo de autorresponsabilidade, tendo tantas coisas contra seu sucesso e superando tudo ao se responsabilizar por seus atos, buscando uma boa educação, trabalhando com dedicação e sem nunca desistir.
ISTOÉ – Como funciona seu trabalho?
Sally – Uma vez no lugar do crime, as imagens começam a surgir na minha mente. Mas tenho regras rígidas que sigo em cada caso no qual concordo em ser consultora. Trabalho apenas com a equipe da polícia responsável pelas investigações. Isso me dá uma sensação de proteção e garante que as evidências não serão afetadas. Não compareço caso sinta que no local onde está o corpo de uma vítima existem pessoas que não são bem treinadas. Elas podem fazer mais mal do que bem porque a maioria das evidências de um assassinato deve ser preservada cerca de um metro ao redor do corpo e apenas oficiais treinados podem manejar a cena do crime.
ISTOÉ – De que maneira as famílias envolvidas recebem sua presença nas investigações?
Sally – Nunca tive problemas. Quando falo com os membros de uma família, percebo que eles alcançam uma paz de espírito só de saber que tudo o que é possível está sendo feito para solucionar o caso. Isso também ajuda a aceitar melhor minha presença. Quanto mais mal explicado um crime, mais difícil de aceitar o resultado. Encontrar o corpo permite essa sensação de término. É difícil sustentar a fé quando coisas ruins acontecem a pessoas boas, inocentes. Mas quando elas aprendem que eu posso lhes dar respostas que vêm do outro lado, sabendo coisas que podem vir apenas do plano espiritual, recuperam a fé.
ISTOÉ – Em alguma ocasião encontrou o corpo de uma pessoa querida?
Sally – Não trabalho em situações que envolvam amigos ou familiares. Encontrar o corpo de alguém que amo seria traumático demais. Com a polícia estou treinada para ser objetiva e não me envolver emocionalmente.
ISTOÉ – E é possível nunca se envolver emocionalmente?
Sally – Quase sempre consigo. Sinto pela dor das famílias, mas mantenho uma distância. Exceto quando são casos envolvendo crianças, que são os mais dolorosos. Nunca vou entender como alguém pode machucar uma criança. Para mim é um crime tão horrendo que não há punição suficiente.
ISTOÉ – A sra. lembra de algum caso em especial?
Sally – Sim. Amanda Kay Caldwell era uma criança de três anos, que sofreu por ter pais negligentes, envolvidos com o uso de drogas. Mas tinha uma avó que lhe dava um amor incondicional. A dor de sua curta vida me chocou, assim como sua morte brutal. Mesmo com um alarme de que haveria uma enchente no local onde moravam, os pais de Amanda decidiram ignorar as ordens das auto ri dades e permanecer no local, usando drogas. A força das águas chegou no meio da noite, arrastando tudo, e levando essa criança a uma morte terrível por afogamento. O pai colocou a família dentro do carro. A mãe e o filho menor na frente. Amanda estava sozinha no banco de trás. Nenhum dos pais lembrou da menina quando a água invadiu o carro. O pai se salvou nadando, assim como a mãe com o bebê. Durante sete dias centenas de voluntários e militares procuraram por Amanda. Fui chamada no sétimo dia, um sábado, para ajudar a encontrar seu corpo. Com as informações e detalhes que passei ao delegado, previ que o corpo seria encontrado às 15 h de domingo, o oitavo dia de buscas. Nesse dia, às 14h57, o corpo de Amanda emergiu do rio. Além da grande perda que é a morte de uma criança, o fato aconteceu no dia do aniversário dela, três anos atrás. Carregarei a história dessa alma inocente e sofrida comigo para sempre.
ISTOÉ – Qual sua opinião sobre o caso da menina inglesa Madeleine, que desapareceu em 2007, em Portugal, e nunca foi encontrada?
Sally – Cheguei a ser contatada pelo coronel responsável pelo caso, mas a conversa não foi adiante. Tenho um forte pressentimento de que os pais não têm realmente nada a ver com o crime e que a criança foi levada por um pedófilo. Permanece uma forte possibilidade de que essa criança inocente tenha sido vendida no mercado negro no Oriente Médio. Infelizmente, sinto que sua alma não está mais na Terra. Mas, considerando quem a roubou e o que planejava para ela, a morte foi um alívio misericordioso. Este é um crime que cresce gradativamente com os anos, ao mesmo tempo que valores morais sofrem declínios, a pobreza aumenta e as drogas fazem uma escalada pelo mundo. Tempos piores se aproximam para a humanidade. Já dei consultoria a crimes horríveis pelo mundo: Rússia, Mongólia, Emirados Árabes, Inglaterra, França, Portugal, Austrália, Jamaica, Irlanda, México, Canadá, Bélgica... Infelizmente, a lista parece não ter fim.
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