31 janeiro 2009

ANÁLIA FRANCO:caminho de caridade

Na prática, Anália Franco foi uma das mais destacadas figuras de educadora integrada no movimento espírita brasileiro. A projeção do seu trabalho pioneiro até hoje se faz sentir e, cada ano transcorre, mais aumenta o respeito e a admiração que todos lhe devotam.
Ela foi uma educadora, na legítima expressão da palavra, pois foi gigantesco o seu esforço em favor da educação das crianças e do soerguimento moral de moças que se desencaminharam na vida, conseguindo fundar mais de setenta instituições destinadas ao amparo de crianças e moças.Nos dias atuais, quando a questão do menor abandonado se tornou um dos mais angustiantes problemas sociais do Brasil, o trabalho de Anália Franco é lembrado como uma demostração viva do quanto uma mulher animada do próposito de servir à humanidade, cercada de um pequeno pugilo de mulheres abnegadas que lhe serviram de assessoras, conseguiu fazer em prol dos menores abandonados e da elevação moral de moças que, por uma razão ou outra, se desviaram do caminho, nas tortuosas veredas da vida terrena.Seu nome de solteira era Anália Emília Franco. Após conserciar-se em matrimônio com Francisco Antonio Bastos, seu nome passou a ser Anália Franco Bastos; entretanto, é mais conhecida por Anália Franco.Com 16 anos de idade, entrou num concurso da Câmara e logrou aprovação para exercer o cergo de professora primária.Trabalhou como assistente de sua própria mãe, durante algum tempo. Anteriormente a 1875, diplomou-se Normalista, em São Paulo.Anália Franco nasceu na cidade de Resende, Estado do Rio de Janeiro, no dia 1º de fevereiro de 1856 e desencarnou em São Paulo, no dia 13 de Janeiro de 1919.Foi após a Lei do Ventre Livre que sua verdadeira vocação se exteriorizou: a vocação literária. Já era, por esse tempo, notável como literata, jornalista e poetisa; entretanto, chegou ao seu conhecimento que os nascituros (aquele que foi gerado, mas ainda não nasceu) de escravas estavam previamente destinados à "Roda" da Santa Casa de Misericórdia. Já perambulavam mendicantes pelas estradas e pelas ruas, os negrinhos expulsos das fazendas por serem impróprios para o trabalho. Não eram, como até então, negociáveis como seus pais, e os adquirentes de cativos davam preferência às escravas que não tinham filhos no ventre. Anália escreveu. apelando para as mulheres fazendeiras. Trocou seu cargo na Capital de São Paulo por outro, no Interior, a fim de socorrer as criancinhas necessitadas. Num bairro, duma cidade no norte do estado de São Paulo, conseguindo uma casa para instalar uma escola primária.Uma fazendeira rica lhe cedeu a casa escolar, mas com uma condição, que foi frontalmente repelida por anália - não deveria haver promiscuidade de crianças brancas e negras. Diante dessa situação humilhante, foi recusada a gratuidade do uso da casa, passando Anália a pagar um aluguel. A fazendeira guardou ressentimento à altivez da professora, porém, naquele local, Anália inaugurou a sua primeira e original casa Maternal. Começou a receber todas as crianças que lhe batiam à porta, levada por parentes ou apanhadas nas moitas e desvios dos caminhos. A fazendeira, abusando do prestígio político do marido, vendo que sua casa, embora aligada, se transformou num albergue de negrinhos, resolveu acabar com aquilo que chamava de escândalo em sua fazenda. Promoveu diligências junto ao coronel e este conseguiu facilmente, a remoção da professora. Por esse motivo, Anália foi para a cidade e alugou uma casa velha, pagando do seu bolso o aluguel correspondente à metade do seu ordenado. Como o restante era insuficiente para a alimentação das crianças, não se negou em ir, pessoalmente, pedi esmolas para a meninada. Partiu de manhã, a pé, levando consigo o grupinho escuro que ela chamava, em seus escritos, de meus alunos sem mães, numa folha local anunciou que, ao lado da escola pública, havia um pequeno abrigo, para as crianças desamparadas. A fama, nem sempre favorável de novel (inexperiente) professora, encheu a cidade. A curiosidade popular tomou-se de espanto, num domingo de festa religiosa. Ela apareceu, nas ruas, com seus alunos sem mães, em bando precatório. Moça e magra, modesta e altiva, aquela impressionante figura de mulher que mendigava para filhos de escravas, tornou-se o escândalo do dia. Era uma mulher perigosa, na opinião de muitos. Seu afastamento da cidade principiou a ser objeto de consideração em rodas políticas, nas farmácias. Mas rugiu a seu favor um grupo de abolicionistas e republicanos, contra o grande número de católicos, escravocratas e monarquistas.Com o decorrer do tempo, deixando algumas escolas maternais no Interior, voltou para São Paulo. Nessa cidade, entrou resoluta para o grupo abolicionista e republicano. Sua missão, porém, não era política. Sua preocupação maior era com as crianças desamparadas, o que a levou a fundar uma revista própria, intitulada "Álbum das Meninas", cujo primeiro número veio a lume a 30 de abril de 1898. O artigo de fundo tinha o título "As mães e Educadoras". Seu prestígio no seio do professorado já era grande, quando surgiu a abolição da escravatura e a republica. O advento dessa nova era encontrou Anália com dois grandes colégios gratuitos para meninas e meninos. E logo que as leis o permitiram, ela, secundada por vinte senhoras amigas, fundou o instituto educacional que se denominou "Associação Feminina Beneficente e Instrutiva", no dia 17 de novembro de 1901, com sede no largo do Arouche, em São Paulo.Em seguida, criou várias "Escolas Meternais" e "Escolas Elementares".Anália Franco publicou nemerosos folhetos e opúsculos (pequeno livro) referentes aos cursos ministrados em suas escolas, tratados especiais sobre a infância, nos quais as professoras encontraram meios de desenvolver as faculdades afetivas e morais das crianças, instruindo-as ao mesmo tempo. O seu opúsculo "O Novo Manual Educativo" era dividido em três partes: Infância, Adolescência e Juventude.Em 1º de Dezembro de 1903, passou a publicar "A voz Maternal", revista mensal, com a apreciável tiragem de 6.000 exemplares, impressos em oficinas próprias.A Associação Feminina mantinha um bazar, na Rua do Rosário nº 18, em São Paulo, para a venda dos artefatos das suas oficinas, e uma sucursal desse estabelecimento na Ladeira do Piques nº 23.Anália Franco mantinha Escola Reunidas na Capital e Escola Isoladas no Interior. Escolas Maternais, Creches na Capital e no Interior, Bibliotecas anexas às Escolas Profissionais, Arte Tipográficas, Curso de Escrituração Mercantil, Prática de Enfermagem e Arte Dentária, Ensino de Línguas (francesa, Italiana, Inglesa e alemã), Música, Desenho, Pintura, Pedagogia, Costura, Bordados, Flores Artificiais e Chapéus, num total de 37 instituições.Era romancista, escritora, teatróloga e poetisa. Escreveu uma infinidade de livretos para a educação das crianças e para as Escolas, os quais são dignos de serem adotados nas Escolas públicas. Espírita fervorosa. revelava sempre inusitado interesse pelas coisas pertinentes à Doutrina Espírita.Produziu a sua vasta cultura três ótimos romances: A Égide Materna, A Filha do Artista e A filha Adotiva. Foi autora de numerosas peças teatrais, de diálogos e de várias poesias, destacando-se Hino a Deus, Hino a Ana Nery, Minha Terra, Hino a Jesus e outros.Em 1911, conseguiu, sem qualquer recurso financeiro, adquirir a chácara Paraíso, Eram 75 alqueires de terra, parte em matas e capoeiras, e o restante ocupado com benfeitorias diversas, entre as quais um velho Solar, ocupado, durante longos anos, por uma mas mais notáveis figuras da História do Brasil: Diogo Antonio Feijó.Nessa chácara, fundou a "Colônia Regeneradora D. Romualdo", aproveitando o casarão, a estrebaria e a antiga senzala, internando ali, sob direção feminina, os garotos mais aptos para a lavoura, a horticultura e outras atividades agropastoris, recolhendo, ainda, moças desviadas, e conseguindo, assim, regenerar centenas de mulheres.A vasta sementeira de Anália Franco consistiu em 71 Escolas, 2 albergues, 1 colônia regeneradora para mulheres, 23 asilos para crianças órfãs, 1 banda musical feminina, 1 orquestra, 1 Grupo Dramático, além de oficinas para manufatura de chapéus, flores artificiais etc., em 24 cidades do Interior e na Capital.A sua desencarnação aconteceu precisamente quando havia tomado a decisão de ir ao Rio de Janeiro fundar mais uma instituição, idéia essa posteriormente concretizada pelo seu esposo, que ali fundou o "Asilo Anália Franco".A obra de Anália Franco foi incontestavelmente, uma das mais salientes e meritórias da História do Espiritismo.

29 janeiro 2009

GUSTAVE GELEY:o mais "espírita" dos pesquisadores metapsíquicos

Um dos principais filósofos e cientistas de tendência claramente espírita do século 20 foi, sem dúvida, Gustave Geley. Pouco conhecido no Brasil, onde temos apenas duas de suas obras traduzidas (O Ser Subconsciente, ed. FEB e Resumo da Doutrina Espírita, Lake), Gustave Geley, francês nascido em 1868, em Monceau-Les-Mines, doutor em medicina por Lyon, desde jovem se viu atraído pelo inquietante problema da sobrevivência e da evolução humana. Homem de ação e cientista por natureza decidiu dedicar sua vida e prestígio ao crescimento da Metapsíquica.
Em 1919, convidado por J. Myers, abandonou a prática médica e passou a dedicar-se integralmente as pesquisas metapsíquicas, tornando-se o primeiro presidente do Instituto de Metapsíquica Internacional – I.M.I.
Geley foi um dos mais notáveis pesquisadores no campo das materializações, tornando-se referência obrigatória no estudo do ectoplasma e seus fenômenos. Estão entre suas contribuições os estudos e pesquisas extensivas com os médiuns de efeitos físicos Franek Kluski, Jean Guzik e Eva Carriére.
Com Franek Kluski conseguiu obter moldes em parafina de mão e braços de espíritos materializados, ainda hoje em exposição no IMI em Paris. Seu trabalho com Eva Carriére, a quem submeteu aos mais rigorosos testes e provas afim de evitar qualquer possibilidade de fraude, foram assistidos por mais de 150 homens de ciência comprovando a veracidade das materializações ali obtidas. Em 1920 fundou o Bulletin de IMI (mais tarde Revue Metapsychiquee) onde publicou grande parte de suas pesquisas e experimentos acerca da ideoplastia, clarividência, telepatia, correspondência cruzada entre outros.
Dentre suas obras destacamos: O Ser Subconsciente (1899); Essai de revue generale et l’interpretation syntehetique du Spiritisme (1898); L’ectoplasmie et la Clairvoyance (1924) e Del Inconsciente al Consciente (1918).
Del Inconsciente al Consciente, sua obra magistral demonstra toda a grandeza de Geley como pensador e como pesquisador metapsíquico. Nela expõe uma teoria evolutiva baseada tanto nos princípios de Darwin como na reencarnação (por ele chamada de palingenesia), na sobrevivência da alma (por ele chamada de dinamopsiquismo) culminando, num processo de ascensão do inconsciente para o consciente, com a realização da soberana justiça, do bem e do belo. Esta é uma obra que necessita de um amplo e profundo estudo, visto que tem inúmeras contribuições ao pensamento espírita. Trata-se da mais importante obra filosófica da Metapsíquica.
Podemos considerar Geley espírita (apesar de o mesmo não ter-se declarado formalmente como tal), pois aceitava a sobrevivência da alma, a reencarnação e a comunicação com os mortos. Sobre o Espiritismo ele assim se expressa em seu Essay de revue generale d’interpretation syntehetique du Spiritisme (lançado no Brasil com o título Resumo da Doutrina Espírita):
“A Doutrina espírita é muito grandiosa para não impor aos pensadores uma discussão profunda. Bom número deles concluíram, seguramente, considerando que uma doutrina baseada sobre fatos experimentais tão numerosos e tão precisos, e acordes com todos os conhecimentos científicos nos diversos ramos de atividade humana, dando solução muito clara e muito satisfatória aos grandes problemas psicológicos e metafísicos, é verossímil; muito mais verdadeira; é muito provavelmente verdadeira”. (Del Incosnciente al Consciente, G. Geley, pag. 9 , Casa Editorial Maucci- Barcelona).
Em resposta a uma pesquisa feita pela revista Filosofia della Scienza em 1913 expressou assim sua posição quanto à reencarnação:
“Eu sou um reencarnacionista por três razões: (1) porque a doutrina me parece totalmente satisfatória do ponto de vista moral, (2) absolutamente racional do ponto de vista filosófico e (3) do ponto de vista científico aceitável, ou melhor ainda, provavelmente verdadeira.
Sua contribuição ao avanço da Metapsíquica é tão relevante que mesmo o evento se sua morte é significativo e contribuiu para a comprovação dos fenômenos metapsíquicos. Dois casos de premonição vaticinaram as circunstâncias da morte de Geley. O primeiro ocorreu nas experiência levadas a cabo pelo Dr. Eugênio Osty. Iniciando-se 31 meses antes do fato e durante 14 sessões, o sensitivo insistiu na morte acidental, por queda, de um médico francês, homem de ciência, durante uma viagem a um país distante. Além disso relatou que tal morte afetaria em muito na vida do Dr. Osty (após a morte de Geley, Osty se tornaria presidente do IMI).
O segundo caso é mais impressionante ainda. Em abril de 1924 o sensitivo-clarividente francês Pascal Forthuny obteve um “aviso” auditivo que o ordenava a procurar o Dr. Geley no IMI sem demora. Pascal devia comunicar que fora prevenido da morte próxima de um médico francês na Polônia, vítima de um desastre de aviação. Pascal procurou Geley imediatamente e lhe contou a premonição. Geley perguntou então quem seria tal médico, pergunta que Pascal não soube responder. Geley como homem de ciência anotou detalhadamente esse fato para posterior pesquisa e comprovação. Porém a comprovação veio, tragicamente, apenas alguns meses depois. Em 14 de julho de 1924, após encerrar uma série de sessões na Polônia com o médium Franek Kluski, o médico e pesquisador Gustave Geley, tentou retornar à França. A principio teve dificuldades em encontrar piloto que o acompanhasse, devido aos festejos da Revolução Francesa em Varsóvia. Porém, sem recordar da premonição à ele revelada por Pascal Forthuny, Geley tanto insistiu até que encontrou, finalmente, um piloto disposto a empreender a viagem.
Tão logo levantou vôo sobre Varsóvia o avião, por causas desconhecidas, caiu matando Geley e o piloto.
Geley merece de todos nós a admiração e o reconhecimento por sua dedicação, seu espírito cientifico e acima de tudo por suas preocupações éticas e morais, na busca de um mundo mais belo e melhor. Gostaria de terminar esse artigo com um pequeno extrato do pensamento filosófico de Geley, transcrito, em tradução livre, de sua obra: Del Inconsciente al Consciente:
“O mal não é resultado da vontade, da impotência ou imprevidência de um Criador responsável.
O mal não é tampouco o resultado de uma queda. O mal é companheiro inevitável do despertar da consciência. O esforço necessário para o passo do inconsciente ao consciente não pode deixar de ser doloroso. Caos, tentativas, lutas, sofrimentos; tudo isso é conseqüência da ignorância primitiva e do esforço por sair dela.
...O mal, em uma palavra, não é mais que a medida da inferioridade dos seres e dos mundos. E nas fases inferiores de sua evolução está a razão suprema deste bem supremo: a aquisição da consciência”. (Geley, G. – Del Inconsciente al Consciente, pág. 375, Casa Editorial Maucci – Barcelona – Espanha)

27 janeiro 2009

A CAVERNA:você está dentro ou fora?

Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas a frente, não podendo girar a cabaça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa a alta fogueira externa. Entre ele e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela os prisioneiros enxergam na parede no fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginavam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombra de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? Que são as sombras das estatuetas? Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O que é a luz exterior do sol? O que é o mundo exterior? Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? O que é a visão do mundo real iluminado? Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)?

ANÁLISE

A metáfora de Platão define a realidade como sendo composta de dois domínios, os quais são o domínio das coisas sensíveis e o domínio das idéias. Para ele a maioria da humanidade vive na infeliz condição da ignorância, ou seja, vive no mundo ilusório das coisas sensíveis as quais são mutáveis, não são universais e nem necessárias e, por isso, não são objetos de conhecimento. Este mundo das idéias, percebido pela razão, está acima do sensível (dominado pela subjetividade) que só existe na medida em que participa do primeiro, sendo apenas sombra dele. Mais tarde Aristóteles criticaria Platão dizendo que ele não havia questionado o que é participar. O filósofo é aquele que, através de um processo dialético, se liberta das correntes, saindo assim da ignorância para a opinião e, depois, para o conhecimento. Estabelece portanto, etapas bem definidas e dolorosas. É importante ressaltar que o autor faz uma analogia entre aptidão para ver e aptidão para conhecer, exercício da visão e exercício da razão e entre faculdade da visão e faculdade da razão. Há aí, também, uma relação entre o mundo visível e o mundo inteligível, sendo como já foi dito, o primeiro uma sombra do segundo. Feito isto, pode-se afirmar que, durante a descrição do mito, as fases pelas quais a visão do sujeito passa são as fases pelas quais passa a razão.A primeira etapa é chegar à opinião (doxa), ilustrada pela subida do fundo da caverna até às imagens exteriores, tentando superar a inércia da ignorância (agnosis). O sujeito é ofuscado pela luz da fogueira sendo esta (a luz) a representação da verdade a qual lhe causa dor aos olhos que representam o órgão do conhecimento. Neste primeiro instante, ele não consegue distinguir muito bem o que está a ver mas com persistência e olhar investigativo contempla as formas bem definidas dos objetos que geram as sombras do fundo da caverna. Então ele atinge o conhecimento (episteme). Mas a investigação não acaba por aí. A busca pelas idéias gerais, unas e imutáveis é ilustrada pela saída até à luz do Sol que simboliza o bem (alegoria do Sol) que está no topo da hierarquia das idéias universais das quais também fazem parte o belo e a justiça.Estas etapas são representadas também por outra metáfora em que o sujeito olha primeiro para a sombra dos objetos, depois para a imagem deles refletida na água e, por último, para os próprios. Note-se aí, a passagem da ignorância para a opinião e depois para o conhecimento. Então ele passa a ser capaz de contemplar o que há no céu e o próprio céu à noite representando a contemplação das idéias imutáveis. Finalmente ele torna-se apto a olhar para o Sol e o seu brilho de dia ilustrando o descobrimento da idéia do bem. Então Platão pergunta o que aconteceria a esse homem se ele descesse novamente à caverna e tentasse contar o que havia descoberto. Sua vista demoraria a acostumar-se às trevas novamente. Certamente ele seria ridicularizado, hostilizado e até morto pelos demais. Esta descida à caverna representa o dever do filósofo para com o Estado de compartilhar com os outros cidadãos o conhecimento a que chegou com o apoio deste Estado. Por mais que seja dolorosa esta atitude, para o homem sábio, de conviver com os demiurgos, o Estado deve preocupar-se com a felicidade de toda a cidade e não apenas de uma parte dela. Por isso o filósofo teria a função de orientador e educador nessa cidade, além da função de governante.E porque a função de governante? Justamente por ele ter sido o único a ter contemplado o belo, o bem e o justo. E, por ter o conhecimento do que é a justiça, governaria melhor a cidade. Também por ser mais indiferente ao poder, não estaria brigando por ele contra rivais e não governaria por interesses próprios. Agiria de acordo com o que é justo. Platão imaginou um estado ideal que é sustentado no conceito de justiça.Mas por que Platão precisou usar esta alegoria? Ele termina o livro VI (511 a-e) ordenando os modos de conhecimento da seguinte forma: o mais elevado, a inteligência; o segundo, o entendimento; o terceiro, a crença e a opinião; e o último, a imaginação ou a suposição. O terceiro e o quarto baseiam-se no mundo sensível e, portanto, não levam à verdade suprema. Os dois primeiros são do domínio do inteligível, mas o entendimento diferencia-se da inteligência porque não vai até ao princípio mas parte de hipóteses, o que o torna um intermédio entre a doxa e a episteme.O livro VII começa com o seguinte (514 a): “Em seguida – continuei - imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência”. Esta primeira fala de Sócrates neste capítulo mostra a sua intenção de tratar da educação ao utilizar-se de tal alegoria. Ele estava preocupado em ilustrar como deveria ser a formação dos habitantes da cidade, ou seja, eles deveriam ser orientados a buscar as idéias e os valores mais elevados. A idéia principal da pedagogia de Platão é formar o homem moral dentro do Estado justo. Para orientar os habitantes a tais idéias é necessário o filósofo como educador pois é ele quem tem o conhecimento das idéias unas e imutáveis.

22 janeiro 2009

CÁTAROS

Nos meados do século XII, iniciou-se na Itália um movimento religioso denominado Catarismo (Albigenses), a doutrina dos cátaros era nitidamente diferente da Igreja Católica, numa reação à Igreja Católica e suas práticas, como a venda de indulgências, e a soberba vida dos padres e bispos da época.Eles eram extremamente radicais e dualistas como os maniqueistas, acreditavam que a salvação vinha em seguir o exemplo da vida de Jesus, negavam que o mundo físico imperfeito pudesse ser obra de Deus, acreditavam ser o mundo criação do príncipe das trevas, rejeitavam a versão bíblica da criação do mundo e todo o antigo testamento, acreditavam na reencarnação, não aceitavam a cruz, a confissão e todos os ornamentos religiosos.Com medo da repressão da Igreja, os Cátaros mantiveram sua fé em segredo, porém em pouco tempo esta seita atraiu muitos seguidores. Cresceram bastante no sul da França e se estenderam a região do Flandres e da Catalunha, funcionaram abertamente com a proteção dos poderosos senhores feudais, capazes de desafiar até mesmo o Papa.O chamado "Pays Cathare" (País Cátaro) se extendia pela zona chamada Occitania , atual Languedoc, em uma extensão fronteiriça com Toulouse até o oeste, nos Pirineus até o sul, e no Mediterráneo até o leste. Em definitivo, uma área política que, durante o século XIII, limitava-se com a Coroa de Aragão, França e condados independentes como o de Foix e Toulouse. O mais curioso nesta cultura é a cautela por construir seus castelos e abadias em cima de precipícios e inacessiveis colinas, as mais elevadas possíveis, razão pela qual, na atualidade, os fazem muito atrativos por suas inabarcaveis vistas sobre o horizonte e pela observação de paisagens impressionantes.Realizavam cerimônias de iniciação, suas cerimônias eram muito simples, consistia basicamente em um sermão breve, uma benção e uma oração ao Senhor, essa simplicidade influenciou posteriormente uma gama de seguimentos protestantes. Possuíam duas classes ou graus.Os leigos eram conhecidos como crentes, e a esses não eram exigidos seguir suas regras de abstinência reservada aos perfecti, ou bonhomes eleitos, que formavam a mais alta hierarquia do catarismo. Para ser um perfecti tinham que tanto homem quanto mulher, passar por um período de provas nunca inferior a 2 anos, e durante esse tempo, faziam a renúncia de todos os bens terrenos, abstinham de carne e vinho, não poderiam Ter contato com o sexo oposto, e nem dormirem nus.Depois deste período o candidato recebia sua iniciação conhecida com o nome de Consolamentum que era realizada em público. Essa cerimônia parecia com o batismo e continha também uma confirmação e uma ordenação.Na idade média, marcada pela violencia e pela sede de poder da igreja Católica Romana, o Catarismo chocou-se frontalmente com o dogmatismo da Igreja. A religião cátara propunha, como aspectos básicos, a reencarnação do espírito, a concepção da terra como materialização do Mal, por encher a alma de desejos e prende-la às coisas efêmeras do mundo, e do céu como a do Bem, numa concepção dualista do mundo.Mas o principal ponto de discordância, e talvez o mais original, tenha sido a de que os cátaros não admitiam qualquer tipo de intemediação entre o homem e Deus.Esta crença chocou-se frontalmente com a religião hegemônica em toda Europa, a base da estrutura social, cultural econômica e religiosa do Feudalismo. Durante muito tempo os cátaros foram relativamente poucos, com o tempo, començou a extender-se pela Occitania, até chegar a um ponto cujo resultado era demasiado incômodo tanto para Roma como para a França.Um bastião religioso no centro da Europa não fazia mais que estorvar a cristalização do cristianismo de Roma no continente, e um território não católico era um pretexto ideal da Coroa da França para anexar as terras do Languedoc e expandir-se.Por esta razão, e também pela força que assumiu o catarismo, a Igreja Católica fez tudo para combater sua expansão, clasificando o movimento como heresia, em 1209, o infalível Papa Inocêncio II estimulou os fiéis a ir para as cruzadas contra os hereges, com cerca de 20.000 cavaleiros os cruzados massacraram o povo, muitos morreram torturados ou na fogueira, sendo esta a primeira cruzada feita contra cristãos e em território franco.O presente que o santo Papa prometeu em compensação para aqueles que participaram da campanha era a partilha e doação das terras aos barões que as conquistassem, ou seja, converter-se-iam em senhores feudais.A Cruzada Albigesa (devido à cidade de Albi), comandadada por Simon de Montfort (1209 - 1224) e pelo Rei Luis VIII (1226-1229) durou 40 anos. A perseguição arrasou a região dos Cátaros, a resistência teve que enfrentar-se com duas forças enormes, o poder militar do Rei de França e o poder espiritual da Igreja Católica.Na primeira fase da cruzada, foi destruída a cidades de Béziers (1209), onde 60.000 pessoas morreram. Destruída a cidade, os cruzados marcham para Carcassone, onde Simon de Montfort se apossa dos condados de Trencavel (carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi.Em 1216, ouve outra investida contra os cátaros. Simon morre em 1218, acabando também a cruzada, sem, entretanto, extinguir a heresia. Amaury, filho de Montfort, oferece as terras conquistadas por seu pai a Felipe Augusto, rei da França que as recusa, seu filho Luís VIII acabará aceitando as terras.Em 1224 Luís VIII liderando os barões do norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges. O resultado dessa disputa foi um acordo imposto pelo rei da França aos Senhores feudais das áreas conquistadas e conseqüentemente os domínios disputados passariam para a coroa da França (Tratado de Meaux, 1229).Militarmente, apesar de terem o apóio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir ao genocidio das cruzadas, mas elas não conseguiram erradicar o Catarismo de forma definitiva. Foi a Inquisição, a instituição que realmente conseguiu exterminar definitivamente o catarismo.No chamado País Cátaro viviam outras pessoas cuja religião era o catolicismo, Perguntado sobre como distinguir entre os hereges e os outros, o legado papal (inquisidor) respondeu: "Matem-nos a todos. Deus se encarregará dos seus".

HEREGES

IMPENITENTES, PENITENTES E RELAPSOS
Chamam-se hereges impenitentes aqueles que foram interpelados pelos juízes, intimados a confessar e abjurar, mesmo assim não querem aceitar e preferem se agarrar obstinadamente a suas convicções. Estes devem ser entregues para serem executados.Chamam-se hereges penitentes aqueles que, depois de cometerem a heresia, arrepende-se e abjura dos seus erros e prossedimento, aceitando as penas aplicadas pelo bispo ou inquisidor.Denominam-se hereges relapsos aqueles que, abjuram a heresia e tornando-se penitentes reincidem na heresia. Estes, são entregues para serem executados, sem novo julgamento. Entretanto, ao confessarem e arrependerem-se, a Igreja lhes concede os sacramentos da penitência e da Eucaristia sem o cancelamento da pena.De acordo com a Determinada dos Papas ( Inocêncio IV, Alexandre IV e Clemente IV ) todos os hereges impenitentes ou relápsos deveriam ser queimados vivos em praça pública, era de fundamental importância prender a língua e amordaçár antes de acender o fogo, para impedir o condenado de falar, e poder ferir a devoção dos que assistissem a execução.Segundo a lei era herege quem:Disser coisas que se oponham às verdades essenciais da fé;Praticar ações que justifiquem uma forte suspeita;For citado pelo inquisidor para comparecer, e faltar, recebendo a excomunhão;Sendo condenado pelo inquisidor, não cumprir a pena canônica;Recair numa determinada heresia tendo abjurado anteriormente;Tiver solicitado o "consolamento" , doente mental ou saudável, .Sacrificar aos ídolos, adorar ou venerar demônios, venerar o trovão, se relacionar com hereges, judeus, sarracenos ;Evitar o contato com fiéis, for menos à missa do que o normal, não receber a eucaristia nem se confessar nos períodos estabelecidos pela Igreja;Não fazer jejum nem observar a abstinênica nos dias e períodos determinados;Zombar dos religiosos e das instituições eclesiásticas, em geral;Ëra considerado um indício de heresia atitudes ou palavras em desacordo com os hábitos comuns.O veredicto de tortura:O réu indiciado por depoimentos idôneos, que não confessar durante o interrogatório, e não pesarem indícios suficientemente claros para que se possa exigir a abjuração, mas que vacila nas respostas, deve ir para a tortura. Igual procedimento, deve ser à pessoa contra quem houver indícios suficientes para se exigir a abjuração. Nós, inquisidores, considerando o processo que instauramos; contra ti, considerando que vacilas nas respostas e que há contra ti indícios suficientes para levar-te à tortura; para que a verdade saia da tua própria boca, declaramos, julgamos e decidimos que será levado à tortura.Quando parecer aos juízes e especialistas que o réu passou, sem confessar, por torturas de uma gravidade comparável à gravidade dos indícios. Entenderão, portanto, que expiou suficientemente os indícios através da tortura (ut ergo intelligatur quando per torturam indicia sint purgata).Caso o réu confirmar a confissão efetuada sob tortura, o escrivão pergunta-lhe depois da tortura: "Lembras-te do que confessaste ontem ou anteontem sob tortura? Então, repete tudo agora com total liberdade". E registra a resposta. Se o réu não confirmar, é por que não se lembrou e, então, é novamente submetido à tortura.O veredicto de Expiação:Fica definido como se deve concluir o processo de alguém que, na sua cidade ou região, tem fama de herege, mas de quem não se pôde provar suficientemente o delito, nem através da confissão, nem de provas materiais ou dos depoimentos das testemunhas. Um caso como esse só pode ser calúnia.Nestas situações, não pode pronunicar uma sentença definitiva, nem de absolvição, nem tampouco de condenação. Por isso, o inquisidor e o bispo, juntos, irão lavrar uma sentença nos seguites termos:Nós, pela misericórdia divina, bispo ou dominicano, inquisidor, considerando que a conclusão do processo que abrimos contra ti, , que foste denunciado como herege, e que não conseguimos obter a tua confissão, e que não pudemos indiciar-te no crime de que te acusam, nem de outros crimes, mas que, ao que parece, foste realmente 'difamado' como herege aos olhos dos bons como dos maus, nós te aplicaremos, como manda a lei, uma pena canônica como expiação da tua infâmia.Nós te intimamos a comparecer, pessoalmente, para fazeres a expiação. Os 'co-expiadores' que te acompanharem devem ter uma integridade navida e na fé notórias, devem conhecer os teus hábitos e a tua vida, e, sobretudo, o teu passado. Notificamos que, se fraquejares durante o cumprimento da pena, serás indiciado como herege, de acordo com o que está estabelecido nos cânones.Cabe explicar que a expiação é feita diante de sete, dez, vinte ou trinta "co-expiadores" que serão do mesmo nível do acusado: religioso, se ele for religioso; soldado, ser for soldado etc. Todos devem ser capazes de dar testemunho sobre a fé atual e pregressa do acusado.Se o "difamado" não puder cumprir a expiação, será excomungado. E, se ficar um ano nesta situação, será condenado como herege. Se cumprir a expiação mas não conseguir juntar o número de co-expiadores prescrito pelo inquisidor, será ipso facto considerado como herege e condenado como tal. No entanto, em alguns casos, os "co-expiadores" podem ser de posição inferior à do acusado: por exemplo, para um bispo "caluniado", os co-expiadores poderão ser abades; se o "caluniado" é um rei, os co-expiadores poderão ser nobres, cavaleiros, etc.A purgação canônica deve ser levada a efeito no local em que surgiu a calúnia. Deve ser repetida em todas as regiões ou países em que essa pessoa andou ou ainda é alvo de comentários.Todo caluniado que sofre "purgação", se cair mais tarde, na heresia que expiou, será considerado relapso, e como tal será considerado hereje.A abjuração de leviDeve ser feita pela pessoa contra quem o Tribunal só encontrou leves indícios de heresia. Esta deverá abjurar publicamente, na catedral, se for publicamente suspeita. Do contrário, pode abjurar no palácio episcopal ou no capítulo do convento dos dominicanos, onde reside o inquisidor, ou então na casa do bispo ou do inquisidorSe, por exemplo, é suspeito de não acreditar na pobreza absoluta de Cristo e seus apóstolos, irá dizer: "Juro que acredito de todo o coração, e minha boca proclama, que o Senhor Jesus Cristo e seus apóstolos, quando andavam pela terra,não possuíam bens. Que o digam as Escrituras. O abjurante promete nunca mais aderir a nenhuma heresia e, se o fizer, dispõe-se a sofrer todos os castigos que lhe forem impostos.Termina assim: "Que Deus e os Santos Evangelhos me ajudem!"A abjuração será feita em língua vulgar para que todos a compreendam. A Inquisição se pronunciará, depois, da seguinte maneira:"Meu filho, acabas de expiar, pela abjuração, a suspeita que pesava legitimamente sobre ti. Cuidado para não repeti-la no futuro: serias então relapso, mesmo por seres apenas levemente suspeito, iriam aplicar-te uma condenação extremamente grave. Toma cuidado também porque, de hoje em diante, por qualquer coisa, serás considerado gravemente suspeito, sendo forçado a abjurar, por causa disso. Se reincidires, dando ainda pretexto a suspeitas, serás visto como relapso e entregue seres executado."Abjuração (Suspeita Grave)Deve abjurar de uma suspeita grave, aquele contra quem o Tribunal não tendo nada para provar de concreto, seja através de depoimentos ou da análise dos fatos, tem em contrapartida, fortes indícios que levem a uma grave suspeita Tal suspeito deverá abjurar da heresia de que é acusado e por isso será tratado como relapso, caso recaia no erro, ou seja, será executado pela autoridade. Modelo de abjuração de heresia em caso de suspeita grave:"Eu, chamado pessoalmente diante do vosso Tribunal, tendo comparecido à vossa presença, Senhor Bispo ,juro sobre os Sagrados Evangelhos, com minha mão sobre eles, acreditar sinceramente e confessar tudo o que a santa fé católica e apostólica ensina, reconhece e professa. Juro, também, acreditar com sinceridade e confessar não ter feito a heresia de que sou é gravemente suspeito. Juro, também, e declaro que nunca disse ou fiz, digo ou faço, nem direi ou farei jamais nenhuma dessas coisas que vos levam a me tomarem por um grave suspeito de heresia.E, se eu - Deus me livre - quebrar o juramento, futuramente, submeto-me livremente, a partir de agora, aos castigos reservados, de pleno direito, aos relapsos. Declaro-me pronto a aceitar as punições merecidas em virtude das ações que me levaram a ser indiciado, hoje, como gravemente suspeito de heresia.Juro e me comprometo a enviar todos os meus esforços para cumprir a pena. Que Deus e os Sagrados Evangelhos me ajudem!"Após a abjuração, o inquisidor se dirige ao abjurante nestes termos:"Meu filho, com a abjuração que acabas de fazer, expiaste a suspeita que pesava sobre ti. Mas gostaria que te tornasses mais sério no futuro. Cuidado com o que fizeres daqui por diante, porque, se soubermos que reincidiste na heresia abjurada, serás entregue sem misericórdia ao braço secular para seres executado. Afasta-te, de hoje em diante, de quem puder fazer-te reincidir na heresia".Além da abjuração, para os que são levemente suspeitos ou gravemente suspeitos, há ainda a punição da pena de prisão, a qual normalmente não é perpétua. Serão obrigados ainda "a se colocar nos degraus da igreja ou do altar, aos domingos, durante a missa, em determinados momentos, com um círio aceso de determinado tamanho".Abjuração (Suspeita Violenta)Deve abjurar de uma suspeita violenta aquele contra quem o Tribunal não consegue provar nada de concreto, seja através de documentos, seja através da análise dos fatos, mas encontrando-se indícios gravíssimos que levam a uma suspeita violenta.É o caso, por exemplo, de uma pessoa que ficou, durante um ano ou mais, marcada pelo peso da excomunhão, em virtude da contumácia. Esta pessoa pode perfeitamente não ser herege. Mas deve ser condenada em decorrência da suspeita violenta, que não se pôde fundamentar com nenhuma prova (contra quam non est probatio admittenda). O herege que não abjurar e não quiser fazer expiação, será entregue ao braço secular para ser executado.Se abjurar e aceitar a expiação, será condenado à prisão perpétua No dia marcado, procede-se como de hábito: sermão do inquisidor, leitura das suspeitas violentas. A seguir, o inquisidor, ou bispo, declara:"Meu filho, estas são violentas suspeitas que pesam sobre ti. Por causa delas, deves ser condenado como herege. Presta bem atenção ao que vou dizer: se quiseres te afastar dessa heresia, abjurar publicamente e suportar com paciência a punição que a Igreja, e eu próprio, em nome do Vigário de Cristo, te imporemos, ser-te-á permitida a absolvição dos teus pecados. Aplicaremos um castigo que possas suportar e te libertaremos do peso da excomunhão que te matém prisioneiro; poderás te salvar e ter direito à glória eterna. Se não abjurares, não quiseres aceitar a punição, nós te entregaremos, agora, ao braço secular, e perderás o corpo e a alma. O que preferes: abjurar e salvar a alma ou não abjurar e ser condenado?"Se responder: "Não quero abjurar", deve ser entregue ao braço secular de acordo com o que prevê o décimo veredito. Se disser: "Sim, quero abjurar", apresentam-lhe os Sagrados Evangelhos, e ele abjura. Abjurando, o suspeito carregará o saco bento durante um ou dois anos. Estará vestido assim na porta da Igreja, ou nos degraus do altar, durante as missas de determinadas festas. Será punido com prisão perpétua.Condenação do Penitente Relapso:Será condenado como relapso o réu de que confessou e - depois de abjurar - fez realmente penitência e reincidiu. Trata-se de um relapso. É aquele que abjurou, judicialmente, arrependeu-se, voltando, depois, para a heresia;Os culpados desse tipo de delito não terão negados os sacramentos da penitência e da eucaristia, se os solicitarem com humildade. Mas, independentemente do arrependimento, serão entregues ao braço secular para passar pelo último castigo.O escrivão inquisitorial lerá, a seguir (já no cadafalso), a sentença na qual o réu será lembrado de que obteve o consolo dos sacramentos. E a seguir:"Porém, a Igreja de Deus não pode fazer mais nada por ti; já se mostrou misericordiosa, e tua abusaste. Por isso, nós, bispo e inquisidor declaramos que realmente reincidiste na heresia e, ainda que tenhas confessado, é na qualidade de relapso que te afastamos da esfera eclesiástica e te entregamos ao braço secular."Condenação de um Herege Impentitente e não Relapso:Trata-se de alguém que foi denunciado e confessa tudo, mas que não se considera culpado de heresia, e não abjura. É um herege impenitente, e não um relapso. É aquele que confessa sua crença , e que, informado pelo bispo e pelo inquisidor sobre o caráter herético de suas crenças, continua a defender suas próprias convicções: recusa-se a abjurá-las, negá-las e rejeitá-las. Se não se conseguir saber se, no passado, já abjurou outra heresia ou erro, trata-se de um herege impenitente, e não de um relapso.Este tipo de gente que é denunciada é mandada para uma prisão inviolável, com algemas nos pés, bem trancafiados, para que não possam fugir e contagiar outros fiéis. Não poderão receber visitas nem falar com ninguém, só com os guardas, que serão homens de uma grande idoneidade, acima de qualquer suspeita em matéria de fé, homens impossíveis de enganar. Se o réu se recusar, ainda, a se converter, não se terá pressa em entregá-lo ao braço secular, mesmo se o herege pedir para ser entregue:Porque, com frequência, este tipo de herege pede a fogueira, convencido de que, se for condenado à fogueira, morrerá como mártir e subirá logo aos céus.Trata-se de hereges fervorosíssimos, profundamente convictos da sua verdade. Então, não se deve ter pressa com eles. Não se trata, é claro, de ceder à sua insensata vontade. Ao contrário, serão trancafiados durante seis meses ou um ano, numa prisão horrivel e escura, pois o flagelo da cadeia e as humilhações constantes costumam acordar a inteligência.Porém, se o inquisidor mais o bispo nada conseguirem, nem com rigidez nem com delicadezas, quando passar um período de tempo razoável, irão se dispor a entregá-lo ao braço secular . O herege é excomungado e impedido do sacramento da penitência. A sentença termina assim:"Porque não quiseste, e não queres abandonar os teus erros, preferindo a condenação e a morte eternas à abjuração e ao retorno ao seio da Igreja e à salvação da alma, nós te excomungamos e te afastamos do rebanho do Senhor e te proibimos de qualquer participação na Igreja, nesta Igreja que tudo fez para te converter, e que não dispõe de nenhum outro meio para fazê-lo. Nós, bispo e inquisidor, na qualidade de juízes no que compete à fé, com assento neste Tribunal hoje, no horário e no local que te foram determinados para ouvires nossa sentença definitiva, condenamos-te e decretamos, judicialmente, que és realmente herege impenitente e, como tal, te entregamos e abandonamos ao braço secular.E da mesma maneira que através desta sentença te excluímos da esfera eclesiástica, e te entregamos ao braço secular e aos seus poderes, da mesma forma pedimos a esta Cúria Secular para não chegar, na sua própria sentença, ao derramamento de teu sangue e à pena de morte".Finalmente, por que esse pedido à Cúria Secular para evitar o derramamento de sangue e a pena de morte? Para que esta recomendação, em total desacordo com o conjunto de textos e com as advertências explícitas feitas ao herege impenitente que "corre o risco de perder a alma e o corpo"? Simplesmente, para que o inquisidor não caia numa irregularidade, caso não livre a Cúria Inquisidorial da própria execução da pena capital.

A SANTA INQUISIÇÃO

As origens da Inquisição remontam ao tempo do império Romano. No antigo Direito Romano, o juiz não empreendia a procura dos criminosos, só procedia ao julgamento depois que lhe fosse apresentada a denúncia. Até a Alta Idade Média, o mesmo se deu na Igreja; a autoridade eclesiástica não procedia contra os delitos se estes não lhe fossem previamente apresentados. No séc. XI apareceu na Europa nova forma de delito religioso, a pregação de dogmas diferentes da igreja, denominada heresia.Foram considerados heréticos o catarismo (do grego katharós, puro) movimento dos Cátaros e os albigenses (de Albi, cidade da França meridional), por rejeitar a face visível da Igreja e também instituições básicas da vida civil. Os cátaros foram considerados grave ameaça não somente para a fé cristã, mas também para a vida pública, por todo o decorrer do séc. XI até 1150 aproximadamente, na França, na Alemanha, nos Países-Baixos, o povo, e a autoridade civil se encarregavam de os reprimir com violência, não raro o poder régio da França, por iniciativa própria condenou à morte pregadores albigenses.Foi o que se deu, por exemplo, em Orleães (1017), onde o rei Roberto, informado de um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos hereges e os mandou lançar ao fogo; a causa da civilização e da ordem pública se identificava com a fé! Entrementes a autoridade eclesiástica limitava-se a impor penas espirituais (excomunhão, interdito, etc.) aos albigenses, pois até então nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física; Agostinho (†430) e antigos bispos, Bernardo (†1154), Norberto (†1134) e outros mestres medievais eram contrários ao uso da força (‘‘Sejam os hereges conquistados não pelas armas, mas pelos argumentos’’, admoestava Bernardo, (ln Cant, serm. 64).Não são casos isolados a defesa dos dissidentes por membros do clero, em 1144 na cidade de Lião o povo quis punir violentamente um grupo de inovadores que aí se introduzira, o bispo, porém, os salvou, desejando a sua conversão, e não a sua morte. Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo e Cambraia; a multidão de populares lançou-se então sobre ele, sem esperar o julgamento, encerrando-o numa cabana, à qual atearam o fogo! Contudo em meados do século XII a aparente indiferença do clero se mostrou insustentável: os magistrados e o povo exigiam colaboração mais direta na repressão do catarismo.Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território havia os cátaros :‘‘Mais vele absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes... A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza... Não queiras ser justo demais’’ (noli nimium esse iustus) Informado desta admoestação pontifícia, o rei LuísVII de França, irmão do referido arcebispo, enviou ao Papa um documento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultaneamente: ‘‘Que vossa prudência dê atenção toda particular a essa peste (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem da fé cristã: concedei todos os poderes neste campo ao arcebispo (de Reims); ele destruirá os que assim se insurgirem contra Deus; sua justa severidade será louvada por todos aqueles que nesta terra são animados de verdadeira piedade. Se procederdes de outro modo, as queixas não se acalmarão facilmente e desencadeareis contra a Igreja Romana as violentas recriminações da opinião pública’’ (Martene, Amplissima Collectio II 683s). As conseqüências deste intercâmbio epistolar não se fizeram esperar muito: o concílio regional de Tours em 1163 tomando medidas repressivas à heresia, mandava inquirir (procurar) os seus agrupamentos secretos. Por fim, a assembléia de Verona (Itália), à qual compareceram o Papa Lúcio III, o Imperador Frederico Barba-roxa, numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou em 1184 um decreto de grande importância: o poder eclesiástico e o civil, que até então haviam agido independentemente um do outro (aquele impondo penas espirituais, este recorrendo à força física), deveriam combinar seus esforços em vista de mais eficientes resultados: Os hereges seriam doravante não somente punidos, mas também procurados (inquiridos); cada bispo inspecionaria, por si ou por pessoas de confiança, uma ou duas vezes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, barões e as demais autoridades civis os deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito lançado sobre as suas terras; os hereges depreendidos ou abjurariam seus erros ou seriam entregues ao braço secular, que lhes imporia a sanção devida.Assim era instituída a chamada ‘‘lnquisição Episcopal’’, a qual, como mostram os precedentes, atendia a necessidades reais e a clamores exigentes tanto dos monarcas e magistrados civis como da autoridade da Igreja, já estava sendo praticada a repressão física das heresias.No decorrer do tempo, porém, percebeu-se que a ‘‘Inquisição episcopal’’ ainda era insuficiente para deter os inovadores; alguns bispos, principalmente no sul da França, eram tolerantes; além disto, tinham seu raio de ação limitado às respectivas dioceses, o que lhes vedava uma campanha eficiente. A vista disto, os Papas, já em fins do século XII, começaram a nomear legados especiais, munidos de plenos poderes para proceder contra a heresia onde quer que fosse.Surgiu a ‘‘Inquisição pontifícia’’ ou ‘‘legatina’’, que a princípio ainda funcionava ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou desnecessária. A Inquisição papal recebeu seu caráter definitivo e sua organização básica em 1233, quando o Papa Gregório IX confiou aos dominicanos a missão de lnquisidores;Havia doravante, para cada nação ou distrito inquisitorial, um Inquisidor-Mor, que trabalharia com a assistência de numerosos oficiais subalternos (consultores, jurados, notários...) em geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do procedimento inquisitorial foram sendo sucessivamente ditadas por Bulas pontifícias e decisões de Concílios.Entrementes a autoridade civil continuava a agir. Chama a atenção, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos mais perigosos adversários que o Papado teve no séc. XIII. Em 1220 este monarca exigiu de todos os oficiais de seu governo, prometessem expulsar de suas terras os hereges reconhecidos pela Igreja; declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito à pena de morte e mandou dar busca aos hereges.Em 1224 publicou um decreto mais severo do que qualquer das leis citadas pelos reis ou Papas anteriores: as autoridades civis da Lombardia deveriam não somente enviar ao fogo quem tivesse sido comprovado herege pelo bispo, mas ainda cortar a língua aos sectários a quem, por razões particulares, se houvesse conservado a vida. É possível que Frederico II visasse a interesses próprios na campanha contra a heresia; os bens confiscados redundariam em proveito da coroa.Não menos típica é a atitude de Henrique II, rei da Inglaterra: tendo entrado em luta contra o arcebispo Tomás Becket, primaz de Cantuária, e o Papa Alexandre III, foi excomungado. Não obstante, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da heresia no seu reino: em 1185, por exemplo, alguns hereges da Flândria tendo-se refugiado na Inglaterra, o monarca mandou prendê-los, marcá-los com ferro vermelho na testa e expô-los, assim desfigurados, ao povo; além disto, proibiu aos seus súditos lhes dessem asilo ou lhes prestassem o mínimo serviço.Estes dois episódios, que não são únicos no seu gênero, bem mostram que o proceder violento contra os hereges, longe de ter sido sempre inspirado pela suprema autoridade da Igreja, foi não raro desencadeado independentemente desta, por poderes que estavam em conflito com a própria Igreja.A Inquisição, em toda a sua história, se ressentiu dessa usurpação de direitos ou da demasiada ingerência das autoridades civis em questões que dependem primeiramente do foro eclesiástico.Em síntese, pode-se dizer o seguinte, a Igreja, nos seus onze primeiros séculos, não aplicava penas temporais aos hereges, mas recorria às espirituais (excomunhão, interdito, suspensão...). Somente no século XII passou a submeter os hereges a punições corporais. As heresias que surgiram-no século XI (as dos cátaros e valdenses), contrariavam a ordem vigente e convulsionavam as massas com inovações e assim tornavam-se um perigo para a igreja e o estado. O Catolicismo era patrimônio da sociedade, aparecia como o vínculo necessário entre os cidadãos ou o grande bem dos povos; por conseguinte, as heresias, eram tidas como crimes sociais de excepcional gravidade.Não é, pois, de estranhar que as duas autoridades - a civil e a eclesiástica - tenham finalmente entrado em acordo para aplicar aos hereges as penas reservadas pela legislação da época aos grandes delitos. A Igreja deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre ela exerceram não somente monarcas, como Henrique II da Inglaterra e Frederico Barba-roxa da Alemanha, mas também reis fiéis ao Papa, como Luís VII da França. A Inquisição foi praticada pela autoridade civil mesmo antes de estar regulamentada por disposições eclesiásticas. Muitas vezes o poder civil se sobrepôs ao eclesiástico na procura de seus adversários políticos. Segundo as categorias da época, a Inquisição era um progresso para melhor em relação ao antigo estado de coisas. É de notar que nenhum dos considerados santos medievais (Francisco de Assis, tido como símbolo da mansidão) levantou a voz contra a Inquisição.As táticas utilizadas pelos Inquisidores são-nos hoje conhecidas, pois ainda se conservaram Manuais de instruções práticas entregues ao uso dos referidos oficiais. Quem lê tais textos, verifica que as autoridades visavam a fazer dos juízes inquisitoriais interessados no desfecho dos processos; pelo que, não raro exerciam pressagio para obter a sentença mais favorável a caprichos ou a interesses temporais; às vezes, a população obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o veredicto do juiz entregaria ao braço secular os hereges . Em tais circunstâncias não era fácil aos juizes manter a serenidade desejável.Dentre as táticas adotadas pelos Inquisidores, merecem particular atenção a tortura e a entrega ao poder secular (pena de morte). A tortura estava em uso entre os gregos e romanos pré-cristãos que quisessem obrigar um escravo a confessar seu delito. Certos povos germânicos também a praticavam. Em 866, porém, dirigindo-se aos búlgaros, o Papa Nicolau l a condenou formalmente.Não obstante, a tortura foi de novo adotada pelos tribunais civis da Idade Média nos inícios do séc. XII, dado o renascimento do Direito Romano. Nos processos inquisitoriais, o Papa Inocêncio IV acabou por introduzi-la em 1252, com a cláusula: "Não haja mutilação de membro nem perigo de morte" para o réu. O Pontífice, permitindo tal praxe, dizia conformar-se aos costumes vigentes em seu tempo (Bullarum amplissima collectio II 326).Os Papas subsequentes, assim como os Manuais dos Inquisidores, procuraram restringir a aplicação da tortura; só seria lícita depois de esgotados os outros recursos para investigar a culpa e apenas nos casos em que já houvesse meia-prova do delito ou, como dizia a linguagem técnica, dois "índices veementes" deste, a saber: o depoimento de testemunhas fidedignas, de um lado, e, de outro lado, a má fama, os maus costumes ou tentativas de fuga do réu. O Concilio de Viena (França) em 1311 mandou outrossim que os lnquisidores só recorressem à tortura depois que uma comissão julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para cada caso em particular. Apesar de tudo que a tortura apresenta de horroroso, era muito usada na França do séc. XVIII.Quanto à pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na jurisdição civil da Idade Média. Sabe-se, porém, que as autoridades eclesiásticas eram contrárias à sua aplicação em casos de lesa-religião. Contudo, após o surto do catarismo (séc. XII), alguns canonistas começaram a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do Imperador Justiniano, que no séc. VI a infligira aos maniqueus.Em 1199 o Papa Inocêncio III dirigia-se aos magistrados de Viterbo nos seguintes termos: "Conforme a lei civil, os réus de lesa-majestade são punidos com a pena capital e seus bens do confiscados. Com muito mais razão, portanto, aqueles que, desertando a fé, devem ser separados da comunhão e despojados de seus bens, pois muito mais grave é ofender a Majestade Divina do que lesar a majestade humana" (epist. 2,1).Como se vê, o Sumo Pontífice com essas palavras desejava apenas justificar a excomunhão e a confiscação de bens dos hereges; estabelecia, porém, uma comparação que daria ocasião a nova praxe. O Imperador Frederico II soube deduzir-lhe as últimas conseqüências: tendo lembrado numa Constituição de 1220 a frase final de Inocêncio III, o monarca, em 1224, decretava francamente para a Lombardia a pena de morte contra os hereges e, já que o Direito antigo assinalava o fogo em tais casos, o Imperador os condenava a ser queimados vivos. Em 1230 o dominicano Guala, tendo subido à cátedra episcopal de Bréscia (Itália), fez aplicação da lei imperial na sua diocese. Por fim, o Papa Gregório IX, que tinha intercâmbio freqüente com Guala, adotou o modo de ver deste bispo: transcreveu em 1230 ou 1231 a Constituição imperial de 1224 para o Registro das Cartas Pontifícias e em breve editou uma lei pela qual mandava que os hereges reconhecidos pela Inquisição fossem abandonados ao poder civil, para receber o devido castigo, castigo que, segundo a legislação de Frederico II, seria a morte pelo fogo.Os teólogos e canonistas da época se empenharam por justificar a nova praxe; eis como fazia Tomás de Aquino:"E muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é um meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte" (Suma Teológica II/II 11,3c).A argumentação do princípio de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia ameaça a vida espiritual, comete maior mal do que quem assalta a vida corporal; o bem comum então exige a remoção do grave perigo (S. Teol. II/II 11,4c).Não se pode negar, as injustiças e abusos da autoridade por parte dos juizes inquisitoriais. Os Inquisidores, dentro do quadro de pensamento da Idade Média, eram legitimos inspirados, por santo zelo. Podem-se apontar vários fatores que influíram decisivamente no surto e no andamento da inquisição.As categorias de justiça na Idade eram muito mais rude na defesa do rigor da fé, o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia sobre a lógica subjetiva.A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da Inquisição. As autoridades civis anteciparam-se na aplicação da força física e da pena de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou materiais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média estavam, ao Bmenos em tese, tão unidos entre si que lhes parecia normal, recorressem um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. Na antigüidade remota, o que surpreende são os desumanos procedimentos de guerra. No Império Romano, é a mentalidade dos cidadãos, que não conheciam o mundo sem o seu Império, nem concebiam o Império sem a escravatura. Na época medieval, é a utilização dos requintes da fé , com ações violentas desfazer a personalidade, e fomentar a paixão repressiva do mal do homem, A origem da Inquisição chamada Santo Ofício (Sanctuim Officiium), foi instituída no final do séc. XII como tribunal permanente da igreja. Teve sua origem no concílio de Verona, em 1184, quando bispos foram delegados como "inquisidores ordinários", com a obrigação de visitar duas vezes por ano as paróquias suspeitas de heresia.Em 20 de abril de 1233 o papa Gregório IX cria a Inquisição Delegada, através da qual a Santa Sé enviava eclesiásticos aos lugares "infectos" especialmente instituídos contra os inimigos do catolicismo. Gregório IX, editou duas bulas que marcam o início da Inquisição, instituição que perseguiu, torturou e matou vários pessoas acusando-os de hereges, por séculos. A bula "Licet ad capiendos" era dirigida aos dominicanos inquisidores, e era do seguinte teor: quot;Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privar-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis"No mesmo ano, foi nomeado inquisidor da região de "Loira", Roberto el Bougre, que com saques e execuções em massa, logo após dois anos foi promovido a responsável pela inquisição em toda a França. Em 1252, o Papa Inocêncio IV (1243-1254) editou a bula "Ad extirpanda", a qual instucionalizou o Tribunal da Inquisição e autorizava o uso da tortura.O poder secular era obrigado a contribuir com a atividade do tribunal da igreja.Nos processos da inquisição a prova de culpabilidade era a denúncia . O acusado era mantido incomunicável; ninguém, a não ser os agentes da Inquisição, tinha permissão de falar com ele; nenhum parente podia visitá-lo. Geralmente ficava acorrentado. O acusado era o responsável pelo custeio de sua prisão. O julgamento era secreto e particular, e o acusado tinha de jurar nunca revelar qualquer fato a respeito dele no caso de ser solto. Nenhuma testemunha era apresentada contra ele, nenhuma lhe era nomeada; os inquisidores afirmavam que tal procedimento era necessário para proteger seus informantes. A tortura era aplicada depois que o tribunal a votava sob pretexto de que o crime tornara-se provável, embora não certo, pelas provas.Muitas vezes a tortura era adiada na esperança de que o medo levasse à confissão. A confissão podia dar direito a uma penalidade mais leve e se fosse condenado à morte apesar de confesso, o sentenciado podia "beneficiar-se" com a absolvição de um padre para salvá-lo do inferno. A tortura também podia ser aplicada para que o acusado indicasse nomes de companheiros de heresia. As testemunhas que se contradiziam podiam ser torturadas para descobrir qual delas estava dizendo a verdade. Não havia limites de idade para a tortura, meninas de 13 anos e mulheres de 80 anos eram sujeitas à tortura.As penas impostas pela inquisição iam desde censuras humilhantes, passando pela reclusão carcerária (temporária ou perpétua) e trabalhos forçados nas galeras, até a excomunhão do preso para que fosse levado à fogueira. Castigos esses acompanhados de flagelação do condenado e confiscação de seus bens em favor da igreja. Obrigação de participar de cruzadas tembém foi pena durante o século XIII. Na prisão perpétua, considerada um gesto de misericórdia, o condenado sobrevivia a pão e água e ficava incomunicável.Nem o processo nem a pena suspendiam-se com a morte, pois a inquisição mandava "queimar os restos mortais do hereje e levar as cinzas ao vento", confiscando as propriedades dos herdeiros. Havia também, muito comum na inquisição portuquesa e na espanhola, a execução em efígie, onde era queimada a imagem do condenado, quando este fugia e não era encontrado. Livros também eram levados à fogueira.O "Directorium Inquisitorum" (Manaul dos Inquisidores), era onde o inquisidor encontrava conceitos, normas processuais a serem seguidas, termos e modelos de sentenças a serem seguidasA partir dos inícios do séc. XIV a Inquisição foi sendo mais explorada pelos monarcas, que dela se serviam para promover seus interesses particulares, subtraindo-a às diretivas do poder eclesiástico. Não se negará que a suprema autoridade da Igreja tenha pactuado com esses atos de Inquisidores e de oficiais seus colaboradores. a injustiça se verificou na execução concreta das leis.Em 1262, foi instituída a Inquisição Delegada para os reinos espanhóis, mas só atuou nos bispados que confinavam com a França, então o principal foco dos movimentos heterodoxos no cristianismo europeu.A proximidade do sudoeste da França influiu na disseminação em Aragão, o que não aconteceu com Castela, onde o problema vai aparecer mais tarde e em condições totalmente diferentes.A Inquisição adquiriu força e eficácia na França, Alemanha e Itália. Teve pouca ação na Hungria, Boêmia, Polônia e nunca penetrou na Escandinávia. Na Inglaterra atuou uma única vez, 1309, contra os templários ingleses, ordem que havia sido infamada de heresia. A prática de queimar hereges em autos-de-fé foi introduzida nos últimos anos do séc. XII .A ação do Santo Ofício com o decorrer do tempo, desenvolveu um funcionamento próprio. Seus processos orientavam-se por um regime interno onde estavam sistematizadas as leis, jurisprudências, ordens e praxes do tempo. As investigações começavam com publicação do "édito de graça" , durante trinta ou quarenta dias a população, era conclamada a vir confessar suas faltas ou denunciar alheias.Constava como crime aos olhos do Santo Ofício, qualquer ofensa à fé ou aos costumes, como judaísmo, heresia protestante, usura, blasfêmia, bigamia, etc. Era considerado crime de judaísmo acender velas ou colocar toalhas limpas à entrada do Sábado, não comer carne de porco ou peixes sem escamas, observar os jejuns do dia do perdão ou da rainha Ester.O édito era publicado em geral no primeiro domingo da Quaresma. Ficavam os fiéis obrigados, sob a pena de excomunhão maior, a denunciar "se sabem ou ouviram" que algum cristão batizado tivesse dito ou feito alguma das coisas que no edital eram declaradas.A base do processo era constituída, pelas denúncias e confissões.Aquele que tivesse ciência de algum comportamento mencionado no edital e não viesse revelar, era perseguido pela Inquisição como "fautor de hereges" isto é, pelo crime de acobertar culpas de hereges. O Santo Ofício acolhia denúncias de quem quer que fosse, inclusive através de cartas anônimas,o crédito da testemunha dependia exclusivamente do arbítro dos inquisidores. Admitiam-se não somente testemunhas oculares como as "de ouvida" e, inclusive denúncias de menores indícios ou presunções.Depois de preso, o réu era submetido a longos interrogatórios, não lhe sendo comunicado o motivo de sua prisão, nem o crime de que era acusado, ou qual o seu denunciante. Os réus que se declaravam arrependidos eram "reconciliados" com a Igreja e abjuravam. Quando absolvidos, o réus assinavam o "termo de segredo", jurando que nada do que se passara portas a dentro do Santo Ofício seria jamais revelado. A violação do segredo era equiparada ao crime de heresia.As punições para os réus que se declaravam arrependidos o era acompanhada de diversos tipos de punições, de intensidade diversa. A mais rigorosa era a das galeras, que equivalia à morte, em virtude das condições de trabalho forçado. A prisão perpétua, com o tempo, deixou de ter aplicação, sendo as pessoas comumente libertadas depois de oito anos, ou menos.Havia o desterro para lugares distantes, ou o confinamento por toda vida numa determinada aldeia.Era também costume mandar arrasar a casa onde vivia o herege.Os descendentes dos condenados sofriam por algumas gerações a proibição de entrar em ordens religiosas; ficavam excluídos de qualquer dignidade pública; não podiam ser médicos, farmacêuticos, advogados, tutores de jovens, escrivões, cobradores de impostos etc.; não podiam usar seda, ouro, prata, pedras preciosas, levar armas ou andar a cavalo.Uma das penas mais graves, e que constituía a base financeira da Inquisição, era o confisco de bens. A pena de morte era reservada aos que se recusassem a proclamar-se arrependidos. Eram chamados "costumazes" os que perseveravam no crime; "relapsos", os que, tendo reconciliados antes, reincidiram; "diminutos", aqueles que faziam confissões incompletas e escondiam seus cúmplices; "negativos", os que se negavam a confessar.Numerosos réus, sendo inocentes, recusaram-se a confessar as culpas que lhes eram atribuídas. Eram do mesmo modo condenados à morte. Se o réu, no último momento, pedia para morrer na lei de Cristo, era primeiro garroteado e depois queimado. Se persistia, negando seu crime, era queimado vivo. As efígies de fugitivos, bem como os ossos dos que escapavam à pena por haverem morrido antes, na prisão ou sob tortura, eram também entregues às chamas.Pelos crimes mais leves, a cerimônia era privada (auto particular). Na maior parte das vezes era pública (auto público geral) e se realizava num dia festivo, na praça principal da cidade. Os réus iam em fila, carregando velas e vestindo o "sambenito", longo traje amarelo com uma cruz negra ou desenhos de chamas.Os condenados à morte eram levados ao "queimadeiro". Nos sécs. XVI e XVII os autos-de-fé se revestiam de grande pompa e muitas vezes se realizavam em homenagem ao rei.Quanto a Inquisição Romana, instituída no séc. XVI, era herdeira das leis e da mentalidade da Inquisição medieval. No tocante à Inquisição Espanhola, sabe-se que agiu mais por influência dos monarcas da Espanha.A Inquisição Espanhola teve suas características próprias. Os reis Fernando e Isabel, visando à plena unificação de seus domínios, tinham consciência de que existia uma instituição eclesiástica - a Inquisição - oriunda na Idade Média com o fim de reprimir um perigo religioso e civil; a este perigo pareciam assemelhar-se as atividades dos marranos (judeus) e mouriscos (árabes) na Espanha do século XV.A Inquisição Medieval, que nunca fora muito ativa na península ibérica, achava-se aí mais ou menos adormecida na segunda metade do séc. XV... Aconteceu, porém, que durante a Semana Santa de 1478 foi descoberta em Sevilha uma conspiração de marranos, a qual muito exasperou o público. Então lembrou-se o rei Fernando de pedir ao Papa, reavivasse na Espanha a antiga lnquisiçao, e a reavivasse sobre novas bases, mais promissoras para o reino, confiando sua orientação ao monarca espanhol.Sixto IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual, depois de hesitar algum tempo, se associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha o Breve de l° de novembro de 1478, pelo qual ‘‘conferia plenos poderes a Fernando e Isabel para nomearem dois ou três Inquisidores, arcebispos, bispos ou outros dignitários eclesiásticos, de quarenta anos de idade ao menos, mestres ou bacharéis em Teologia, doutores ou licenciados em Direito Canônico, os quais deveriam passar de maneira satisfatória por um exame especial. Tais Inquisidores ficariam encarregados de proceder contra os judeus batizados reincidentes no judaísmo e contra todos os demais culpados de apostasia. O Papa delegava a esses oficiais eclesiásticos a jurisdição necessária para instaurar os processos dos acusados conforme o Direito e o costume; além disto, autorizava os soberanos espanhóis a destituir tais Inquisidores e nomear outros em seu lugar, caso isto fosse oportuno" (L. Pastor, Histoire des Papes IV 370).Apoiados na licença pontifícia, os reis da Espanha aos 17 de setembro de 1480 nomearam Inquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Monho e Juan Martins, dando-lhes como assessores dois sacerdotes seculares. Os monarcas promulgaram também um compêndio de "Instruções", enviado a todos os tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisição, a qual assim se tornava uma espécie de órgão do Estado civil.Os Inquisidores entraram logo em ação, procedendo geralmente com grande energia. Parecia que a Inquisição estava a serviço não da Religião propriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam atingir meramente a política.A Inquisição Espanhola ia-se tornando mais e mais um órgão poderoso de influência e atividade do monarca, a Inquisição no território espanhol ficou sendo instituto permanente durante três séculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisição Medieval, a qual foi sempre intermitente (com interrupções), tendo em vista determinados erros oriundos em tal e tal localidade. A manutenção permanente do tribunal inquisitório que se deu na Espanha atribuía aos reis todas as rendas materiais da Inquisição (impostos, multas, bens confiscados) e pagavam as respectivas despesas; alguns historiadores, referindo-se à Inquisição Espanhola, denominaram-na "Inquisição Régia!"A Inquisição é tema que não se esgota, não foi criada de uma só vez, nem procedeu do mesmo modo no decorrer do tempo, funcionou durante longos seis séculos. Distingui-se nesse periodo a Inquisição Medieval, voltada contra as heresias nos séculos XIV/XV; A Inquisição Espanhola, instituída em 1478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente aos judeus e muçulmanos, tornou-se poderoso instrumento do absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX; A Inquisição Romana, instituída em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do protestantismo.O Tribunal do Santo Ofício financiado pelo confisco dos bens foi uma instituição da igreja que tão bem se utilizou do poder e do terror para manter-se viva no seio da sociedade durante um longo período histórico. Instituída a inquisição em 1232 ela vigorou até 1859, quando foi extinto definitivamente o Tribunal do Santo Ofício.

21 janeiro 2009

INFERNO

É o próprio espírito que inventa o seu inferno ou cria as belezas do seu céu.
Emmanuel -

Alguns Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de que usam, tenham respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do purgatório, de conformidade com as idéias correntes. É que falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando estas se mostram imbuídas de certas idéias, eles evitam chocá-las muito bruscamente, a fim de lhes não ferir as convicções. Se um Espírito dissesse a um muçulmano, sem precauções oratórias, que Maomet não foi profeta, seria muito mal acolhido.
Sendo interrogados acerca da situação em que se achavam, alguns Espíritos responderam que sofriam as torturas do inferno ou do purgatório. Quando são inferiores e ainda não completamente desmaterializados, os Espíritos conservam uma parte de suas idéias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos termos que lhes são familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes permite sondar o futuro. Essa a causa de alguns Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o fariam se estivessem encarnados.
Inferno pode traduzir por uma vida de provações, extremamente dolorosa, com a incerteza de haver outra melhor; purgatório, por uma vida também de provações, mas com a consciência de melhor futuro. Quando experimentas uma grande dor, não costumas dizer que sofres como um danado ? Tudo isso são apenas palavras e sempre ditas em sentido figurado.
O inferno das várias religiões, nesse aspecto, existe perfeitamente como órgão controlador do equilíbrio moral nos remos do Espírito, assim como a penitenciária e o hospital se levantam na Terra, como retortas de recuperação e de auxílio.
Além-túmulo, no entanto, o estabelecimento depurativo como que reúne em si os órgãos de repressão e de cura, porquanto as consciências empedernidas aí se congregam às consciências enfermas, na comunhão dolorosa, mas necessária, em que o mal é defrontado pelo próprio mal, a fim de que, em se examinando nos semelhantes, esmoreça por si na faina destruidora em que se desmanda.
É assim que as Inteligências ainda perversas se transformam em instrumentos reeducativos daquelas que começam a despertar, pela dor do arrependimento, para a imprescindível restauração.
O inferno, dessa maneira, no clima espiritual das várias nações do Globo, pode ser tido na conta de imenso cárcere-hospital, em que a diagnose terrestre encontrará realmente todas as doenças catalogadas na patologia comum, inclusive outras muitas, desconhecidas do homem, não propriamente oriundas ou sustentadas pela fauna microbiana do ambiente carnal, mas nascidas de profundas disfunções do corpo_espiritual e, muitas vezes, nutridas pelas formas-pensamentos em torturado desequilíbrio, classificáveis por larvas_mentais, de extremo poder corrosivo e alucinatório, não obstante a fugaz duração com que se articulam, quando não obedecem às idéias infelizes, longamente recapituladas no tempo.
Penetramos forçosamente no inferno que criamos para os outros, a fim de experimentarmos, por nossa vez, o fogo com que afligimos o próximo. Ninguém ilude a justiça. As reparações podem ser transferidas no tempo, mas são sempre fatais.

Nas mais expressivas lições de Jesus, não existem, propriamente, as condenações implícitas ao sofrimento eterno, como quiseram os inventores de um inferno mitológico.
Os ensinos evangélicos referem-se ao perdão ou à sua ausência.
Que se faz ao mau devedor a quem já se tolerou muitas vezes? Não havendo mais solução para as dividas que se multiplicam, esse homem é obrigado a pagar.
É o que se verifica com as almas_humanas, cujos débitos, no tribunal da justiça divina, são resgatados nas reencarnações, de cujo círculo vicioso poderão afastar-se, cedo ou tarde, pelo esforço no trabalho e boa-vontade no pagamento.
O inferno nada mais é que os reflexo de nós mesmos, quando, pelo relaxamento e pela crueldade, nos entregamos à prática de ações deprimentes, que nos constrangem a temporária segregação nos resultados deploráveis de nossos próprios erros.

A rigor, portanto, não temos círculos infernais, de acordo com os figurinos da antiga teologia, onde se mostram indefinidamente gênios_ satânicos de todas as épocas e, sim, esferas obscuras em que se agregam consciências embotadas na ignorância, cristalizadas no ócio reprovável ou confundidas no eclipse temporário da razão. Desesperadas e insubmissas, criam zonas de tormentos reparadores. Semelhantes criaturas, no entanto, não se regeneram à força de palavras.
Necessitam de amparo eficiente que lhes modifique o tom vibratório, elevando-lhes o modo de sentir e pensar.

Nas zonas infernais propriamente ditas, apenas residem aquelas mentes que, conhecendo as responsabilidades morais que lhes competiam, delas se ausentaram, deliberadamente, com o louco propósito de ludibriarem o próprio Deus. O inferno, a rigor, pode ser, desse modo, definido como vasto campo de desequilíbrio, estabelecido pela maldade calculada, nascido da cegueira voluntária e da perversidade completa. Aí vivem domiciliados, às vezes por séculos, Espíritos que se bestializaram, fixos que se acham na crueldade e no egocentrismo. Constituindo, porém, larga província vibratória, em conexão com a Humanidade terrestre, de vez que todos os padecimentos infernais são criações dela mesma, estes lugares tristes funcionam como crivos necessários para todos os Espíritos que escorregam nas deserções de ordem geral, menosprezando as responsabilidades que o Senhor lhes outorga. Dessa forma, todas as almas já investidas no conhecimento da verdade e da justiça e por isso mesmo responsáveis pela edificação do bem, e que, na Terra, resvalam nesse ou naquele delito, desatentas para com o dever nobilitante que o mundo lhes assinala, depois_da_morte_do_corpo_estagiam_nestes_sítios por dias, meses ou anos, reconsiderando as suas atitudes, antes da reencarnação que lhes compete abraçar, para o reajustamento tão breve quanto possível.
Os gênios_infernais que supõem governar esta região, com poder infalível, aqui vivem por tempo indeterminado. As criaturas_perversas que com eles se afinam, embora lhes padeçam a dominação, aqui se deixam prender por largos anos. E as almas transviadas na delinqüência e no vício, com possibilidades de próxima recuperação, aqui permanecem em estágios ligeiros ou regulares, aprendendo que o preço das paixões é demasiado terrível. Para as criaturas desencarnadas desse último tipo, que passam a sofrer o arrependimento e o remorso, a dilaceração e a dor, apesar de não totalmente livres das complexidades escuras com que se arrojaram às trevas, algumas as casas de fraternidade e assistência, no plano espiritual, funcionam, ativas e diligentes, acolhendo-as quanto possível e habilitando-as para o retorno às experiências de natureza expiatória na carne.
Segundo é fácil reconhecer, se a treva é a moldura que imprime destaque à luz, o inferno, como região de sofrimento e desarmonia, é perfeitamente cabível, representando um estabelecimento justo de filtragem do Espírito, a caminho da Vida Superior. Todos os lugares_infernais surgem, vivem e desaparecem com a aprovação do Senhor, que tolera semelhantes criações das almas humanas, como um pai que suporta as chagas adquiridas pelos seus filhos e que se vale delas para ajudá-los a valorizar a saúde. As Inteligências consagradas à rebeldia e à criminalidade, em razão disso, não obstante admitirem que trabalham para si, permanecem a serviço do Senhor, que corrige o mal com o próprio mal. Por esse motivo, tudo na vida é movimentação para a vitória do bem supremo.
Prepostos das Inteligências angélicas não perdem de vista as plagas infernais, porque, ainda que os gênios da sombra não o admitam, as forças do Céu velam pelo inferno que, a rigor, existe para controlar o trabalho regenerativo na Terra.
E, assim como o doente exige remédio, reclamamos a purgação espiritual, a fim de que nos habilitemos para a vida nas esferas superiores. O inferno para a alma que o erigiu em si mesma é aquilo que a forja constitui para o metal: ali ele se apura e se modela convenientemente...
Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de penas angustiosas e horríveis, onde os condenados experimentam torturas eternas. São raras, todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial dentro de nós mesmos, esclarecendo que o plano infernal e a expressão diabólica encontram início na esfera inferior de nossas próprias almas.
O inferno, a rigor, é obra nossa, genuinamente nossa, mas imaginemo-lo, assim, à maneira de uma construção indigna e calamitosa, no terreno da vida, que é Criação de Deus. Tendo abusado de nossa razão e conhecimento para gerar semelhante monstro, no Espaço Divino, compete-nos a obrigação de destruí-lo para edificar o Paraíso no lugar que ele ocupa indebitamente. Para isso, o Infinito Amor do Pai Celeste nos auxilia de múltiplos modos, a fim de que possamos atender à Perfeita Justiça.
Ninguém está condenado ao abandono.
O Criador atende à criatura por intermédio das próprias criaturas. Tudo pertence a Deus.

O inferno, a exprimir-se nas zonas inferiores da Terra, está repleto de almas que, dilaceradas e sofredoras, se levantam, clamando pelo socorro da Providência Divina contra os males que geraram para si mesmas, e a Providência Divina lhes permite a ventura de trabalhar, com os dardos da culpa e do arrependimento a lhes castigarem o coração, em benefício das suas vítimas e dos irmãos, cujas faltas se afinem com os delitos que cometeram, para que se rearmonizem, tão apressadamente quanto possível, com o Infinito Amor e com a Perfeita Justiça da Lei... Paguemos nossas dívidas, que respondem por sombras espessas em nossas almas, e o espelho_de_nossa_mente, onde estivermos, refletirá a luz do Céu, a pátria da Divina Lembrança!...

O inferno engenhado pelas religiões no Planeta
Reportemo-nos a isso com o respeito que o assunto nos reclama, porque para milhões de almas o desconforto_mental a que se entregam, ao lado de outras nas mesmas condições, é perfeitamente comparável ao sofrimento do inferno teológico, imaginado pelas crenças_humanas. A rigor, porém, e atentos à realidade de que Deus jamais nos abandona, o inferno deve ser interpretado na categoria de hospício, onde amargamos as conseqüências de faltas, no fundo, cometidas contra nós mesmos. Fácil perceber que a área de espaço em que nos demoremos nessa desoladora situação venha a retratar os quadros mentais infelizes que criamos e projetamos, ao redor de nós.
Os homens_terrenos que, semilibertos do corpo, lhes conseguiram identificar, de algum modo, a existência, recuaram, tímidos e espavoridos, espalhando entre os contemporâneos as noções de um inferno punitivo e infindável, encravado em tenebrosas regiões além da morte.
A mente infantil da Terra, embalada pela ternura paternal da providência, através da teologia comum, nunca pôde apreender, mais intensivamente, a realidade espiritual que nos governa os destinos.
Raros compreendem na morte simples modificação de envoltório,
e escasso número de pessoas, ainda mesmo em se tratando dos religiosos mais avançados, guardaram a prudência de viver, no vaso_físico, de conformidade com os princípios superiores que esposaram.
Somos defrontados, agora, pela necessidade da proclamação de verdades velhas para os velhos ouvidos e novas para os ouvidos novos da inteligência juvenil situada no mundo.
O homem, herdeiro presuntivo da Coroa Celeste, é o condutor do próprio homem, dentro de enormes extensões do caminho evolutivo. Entre aquele que já se acerca do anjo e o selvagem que ainda se limita com o irracional, existem milhares de posições, ocupadas pelo raciocínio e pelo sentimento dos mais variados matizes. E, ...
se há uma corrente, brilhante e maravilhosa, de criaturas encarnadas e desencarnadas que se dirigem para o monte da sublimação, desferindo glorioso cântico de trabalho, imortalidade, beleza e esperança, exaltando a vida,
outra corrente existe, escura e infeliz, nas mesmas condições, interessada em descer aos recôncavos das trevas, lançando perturbação, desânimo, desordem e sombra, consagrando a morte.
Espíritos incompletos que somos ainda, aderimos aos movimentos que lhes dizem respeito e colhemos os benefícios da ascensão e da vitória ou os prejuízos da descida e da derrota, controlados pelas inteligências mais vigorosas que a nossa e que seguem conosco, lado a lado, na zona progressiva ou deprimente, em que nos colocamos.
O inferno, por isto mesmo, é um problema de direção espiritual.
Satã é a inteligência perversa.
O mal é o desperdício do tempo ou o emprego da energia em sentido contrário aos propósitos do Senhor.
O sofrimento é reparação ou ensinamento renovador.
As almas_decaídas, contudo, quaisquer que sejam, não constituem uma raça espiritual sentenciada irremediavelmente ao satanismo, integrando, tão sòmente, a coletividade das criaturas humanas desencarnadas, em posição de absoluta insensatez. Misturam-se à multidão terrestre, exercem atuação singular sobre inúmeros lares e administrações e o interesse fundamental das mais poderosas inteligências, dentre elas, é a conservação do mundo ofuscado e distraído, à força da ignorância defendida e do egoísmo recalcado, adiando-se o Reino de Deus, entre os homens, indefinidamente...
De milênios a milênios, a região em que respiram padece extremas alterações, qual acontece ao campo provisoriamente ocupado pelos povos conhecidos.
A matéria que lhes estrutura a residência sofre tremendas modificações e precioso trabalho seletivo se opera na transformação natural, dentro dos moldes do Infinito Bem.
Entretanto, embora de fileiras compactas incessantemente substituídas, persistem por séculos sucessivos, acompanhando o curso das civilizações e seguindo-lhes os esplendores e experiências, aflições e derrotas.
Um companheiro interferiu, indagando:
— Porque não suprime o Senhor Compassivo e Sábio tão pavoroso quadro?
O esclarecido mentor fixou um gesto de condescendência e respondeu:
— Não será o mesmo que interrogar pela tardança de nossa própria adesão ao Reino Divino?
Sente-se o meu amigo suficientemente iluminado para negar o lado sombrio da própria individualidade?
Libertou-se de todas as tentações que fluem dos escaninhos misteriosos da luta interna?
Não admite que o orbe possua os seus círculos de luz e trevas, qual acontece a nós mesmos nos recessos do coração?
Nós outros e a humanidade militante na carne não representamos senão diminuta parcela da família universal, confinados à faixa vibratória que nos é peculiar.
Somos simplesmente alguns bilhões de seres perante a Eternidade. E estejamos convencidos de que se o diamante é lapidado pelo diamante, o mau só pode ser corrigido pelo mau. Funciona a justiça, através da injustiça aparente, até que o amor nasça e redima os que se condenaram a longas e dolorosas sentenças diante da Boa Lei.
Homens perversos, calculistas, delituosos e inconseqüentes são vigiados por gênios da mesma natureza, que se afinam com as tendências de que são portadores.
Realmente, nunca faltou proteção do Céu contra os tormentos que as almas endurecidas e ingratas semearam na Terra e os numes guardiães não se despreocupam dos tutelados; no entanto, seria ilógico e absurdo designar um anjo para custodiar criminosos.
Os homens encarnados, de maneira geral, permanecem_cercados_pelas_escuras_e_degradantes_irradiações_de_entidades_imperfeitas_e_indecisas, quanto eles próprios, criaturas que lhes são invisíveis ao olhar, mas que lhes partilham a residência.
Em razão disso, o Planeta, por enquanto, ainda não passa de vasto crivo de aprimoramento, ao qual somente os indivíduos excepcionalmente aperfeiçoados pelo próprio esforço conseguem escapar, na direção das esferas sublimes.
Considerando semelhante situação, o Mestre Divino exclamou perante o juiz, em Jerusalém:
“Por agora, o meu Reino não é daqui” e, pela mesma razão, Paulo de Tarso, depois de lutas angustiosas, escreve aos Efésios que “não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas e contra as hostes espirituais da maldade, nas próprias regiões celestes.”
Além, pois, do reino humano, o império imenso das inteligências desencarnadas participa de contínuo no julgamento da Humanidade.
E entendendo a nossa condição de trabalhadores incompletos, detentores de velhas dificuldades e terríveis inibições, na ordem do aprimoramento_iluminativo, cabe-nos preparar recursos de auxilio, reconhecendo que a obra redentora é trabalho educativo por excelência.
O sacrifício do Mestre representou o fermento divino, levedando toda a massa. É por isto que Jesus, acima de tudo, é o Doador da Sublimação para a vida imperecível. Absteve-se de manejar as paixões da turba, visto reconhecer que a verdadeira obra salvacionista permanece radicada ao coração, e distanciou-se dos decretos políticos, não obstante reverenciá-los com inequívoco respeito à autoridade constituída, por não ignorar que o serviço do Reino Celeste não depende de compromissos exteriores, mas do individualismo afeiçoado à boa vontade e ao espírito de renúncia em benefício dos semelhantes.
Sem nosso esforço pessoal no bem, a obra regenerativa será adiada indefinidamente, compreendendo-se por precioso e indispensável nosso concurso fraterno para que irmãos nossos, provisoriamente impermeáveis no mal, se convertam aos Desígnios Divinos, aprendendo a utilizar os poderes da luz potencial de que são detentores. Somente o amor sentido, crido e vivido por nós provocará a eclosão dos raios de amor em nossos semelhantes. Sem polarizar as energias da alma na direção divina, ajustando-lhes o magnetismo ao Centro do Universo, todo programa de redenção é um conjunto de palavras, pecando pela improbabilidade flagrante.
Se milhões de raios luminosos formam um astro brilhante, é natural que milhões de pequeninos desesperos integrem um inferno perfeito. Herdeiros do Poder Criador, geraremos forças afins conosco, onde estivermos.

O inferno é um hospício de proporções vastas. O homem comum não possui senão vaga ideia da importância das criações_mentais na própria vida. A mente estuda, arquiteta, determina e materializa os desejos que lhe são peculiares na matéria que a circunda, e essa matéria que lhe plasma os impulsos é sempre formada por vidas inferiores inumeráveis, em processo evolutivo, nos quadros do Universo sem fim.