22 abril 2009

EX-MINISTRO DA JUSTIÇA ESCREVE SOBRE ESPIRITISMO

RAZÃO E RELIGIÃO

No ano que se inicia, comemora-se o centenário da morte do cientista e médico Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal. Lombroso foi, ao lado de Garófalo e Ferri, um dos epígonos da Escola Penal Positiva italiana, cujas ideias foram fruto do desenvolvimento das ciências naturais e da confiança nos métodos empírico-explicativos.
A explicação causal do crime nasce com Lombroso a partir de estudos da morfologia de diversos condenados e internados, observando dados físicos dos quais retira consequências acerca do desenvolvimento mental. Sinais exteriores como queixo prognata, testa curta, orelhas de abano são características correspondentes a tendências delituosas. Dessa maneira, há um criminoso nato cuja origem está no atavismo, na herança da idade selvagem. O delito é fruto inexorável desse homem incorrigível, em razão da não-evolução de aspectos físicos e psíquicos. Assim, Lombroso negava o livre-arbítrio por acreditar na determinação absoluta da prática delituosa por fatores antropológicos.
Além de O Homem Delinquente, escreveu Lombroso A Mulher Delinquente, estudo no qual afirmava, após exame das características da mulher como as físicas, a capacidade craniana, o esqueleto, o peso e estatura, a inteligência e a moralidade, que esta possui fundamentalmente caracteres que a aproximam do selvagem e da criança.
Lombroso, contudo, mais tarde, sob influência de Ferri deu relevo aos aspectos ambientais na produção do fato delituoso, além de concluir, no final da vida, em consequência de sua adesão ao espiritismo, que dentre os criminosos poucos poderiam ser considerados como natos.
Curiosa é a caminhada do cientista, aferrado à análise dos fatos e à comprovação de suas causas, em direção ao espiritismo. Lombroso não foi fulminado pelo milagre da graça ou conduzido por uma revelação entusiasmante de Deus e das verdades escatológicas, mas chegou à religião, como se verá, por força dos fatos dos quais se declara escravo.
Na Itália do último quartel do século 19, deu-se forte influência do espiritismo, mormente no meio científico. Lombroso negou-se diversas vezes a participar de experiências espíritas, que chegou a ridicularizar. Coincidiu sua estada em Nápoles, em março de 1891, com a do professor Chiaia e da médium Eusápia Paladino, de extraordinários poderes. Lombroso concordou em presenciar uma sessão, desde que no seu hotel, à luz do dia, com cuidados contra qualquer fraude.
Na primeira de uma centena de sessões com a médium, impressionou-o o fato de, estando Eusápia presa a uma cadeira, a cortina do quarto se ter desprendido para envolvê-lo.
Poucos meses após a primeira experiência espírita, em julho, Lombroso já manifestava se envergonhar de haver combatido com violência a possibilidade de fenômenos espíritas, pois, apesar de contrário à teoria, atestava que fatos existiam e se orgulhava de deles ser escravo.
Em 1890, afirmara, diante da verificação de levitações, de transporte de objetos e de materializações, que com relação à teoria espírita era um pequeno seixo na praia, a água não o cobria, mas a cada maré sentia estar sendo arrastado um pouco mais para o mar. Experiência impressionante foi a aparição, em 1902, de sua mãe em diversas sessões, uma figura com a mesma estatura e a mesma voz, na maioria das vezes chamando-o de "fiol mio", como era próprio de sua origem veneziana.
Indagado por um jornalista em 1906 sobre os fenômenos espíritas, Lombroso disse que por educação científica fora sempre contrário ao espiritismo, mas ao lado de eminentes observadores, médicos, físicos, químicos, biólogos constatou fatos. Assim, acreditava na evidência, nada mais, sem medo do ridículo ao afirmar fatos dos quais experimentalmente adquirira profunda convicção.
Escreveu, então, em 1909, perto de morrer, o livro Hipnotismo e Mediunidade, em cujo prefácio declara que se situou distante de toda a teoria para que a convicção surgisse espontânea dos fatos solidificados pela consciência emanada do consenso geral dos povos. Fez, então, uma consistente síntese das experiências mediúnicas ao longo do tempo, mostrando a analogia entre o que sucedeu com os povos antigos, com os povos indígenas, com os fenômenos ocorridos na Idade Média ou no Renascimento e com o que sucedeu naqueles dias na presença de ilustres cientistas.
Disse, então, possuir um mosaico de provas resistente às mais severas dúvidas. Dentre tantos fenômenos e experiências que relata, muitos dos quais testemunhou, curiosos são os casos judiciários, como o da revelação por espírito de jovem falecido em navio de ter sido envenenado com ingestão de amêndoas com rícino, fato este depois constatado por perícia.
Escravo dos fatos, Lombroso descobre pela experiência o espiritismo, o que não contraria sua formação científica, causal-explicativa.
Allan Kardec, no Livro dos Espíritos, reconhece o livre-arbítrio, mas admite que não são os caracteres físicos que determinam o comportamento, e sim a natureza do espírito encarnado, que pode ter inclinação para o mal, mas possui o poder de enfrentar com o seu querer a tendência manifestada. Lombroso reconhece, ao fim, a pouca incidência de hipóteses do criminoso nato.
Este escorço histórico, quando dos cem anos da desencarnação de Lombroso, recoloca a angustiosa questão do livre-arbítrio ou do determinismo. A meu sentir, a liberdade não pode ser indiferente. Cabe situar o homem em suas circunstâncias biológicas e sociais, pois age no mundo que o circunda. O homem possui uma liberdade, mais que situada, sitiada, sem deixar de ter, contudo, uma esfera de decisão última pela qual define a realização da vontade e a do seu próprio modo de ser. Sem liberdade perdem sentido a dignidade do homem e a imortalidade do espírito.

Miguel Reale Júnior, advogado, professor-titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, no governo Franco Montoro e ministro da Justiça.("O Estado de São Paulo", São Paulo, 3 de janeiro de 2009, p.2).
Fonte: http://www.febnet.org.br/

2 comentários:

Valdemir Reis disse...

Olá amigo que maravilhoso é voltar neste espaço! Parabéns pelo excelente trabalho que desenvolve; sempre recheado de inteligência, beleza, e originalidade. Fantástica sua publicação “Ex-ministro da justiça... “, ótimo texto e harmônica construção, uma bela contribuição. Feliz e honrado por sua amizade. Já estou lhe seguindo. Por tudo isto continuo acreditando; aquele que caminha sozinho pode até chegar mais rápido... Porém quem segue acompanhado de um amigo com certeza vai mais longe... Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro... Deixo aqui todo o meu especial carinho, minha especial atenção e obrigadoooo mesmo de coração por nos seguir. “A amizade é como as estrelas. Não às vemos toda hora, mas sabemos que existem.” (Marina de A. C.) Aguardando por sua visita! Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Felicidades. Votos de uma semana recheada de sucesso extensivo aos familiares, muita paz, saúde, muito brilho, bênçãos, proteção e alegria. Fique com Deus. Um abraço fraterno.
Valdemir Reis

mel artes disse...

Amigo, vc esteve visitando meu blog, Espiritismo Amor Sem Fronteiras. Grata pelo comentário. Sobre o convite não vejo como ajudar, visto que as informações contidas em seu blog são muito alem de meus conhecimentos, é perfeito.
Alguns assuntos que eu conheço, estão fiéis....vc sim está de parabéns. Meu blog é mais algo que faço pra mim mesma, gosto das imagens até mais de que as mensagens, claro, concordo com tudo que postei nele. Estarei sempre aqui, nesse seu espaço, onde encontrei rico material para o meu aprendizado...Um abraço terno e fraternal.