O grande escritor e astrônomo, Camille Flammarion (1842 - 1925), cujo nome significa Aquele que traz a luz, passou os últimos anos de sua vida num palecete em Juvisy (França) que lhe foi doado por um amigo.
Lá pode construir um Observatório e legar à humanidade grandes trabalhos científicos e de reflexões filosóficas.
Reproduzimos, aqui, interessante artigo do conceituado escritor E. Percy Noel, publicado no Jornal Excelsior, de 3 de setembro de 1824 (México). Seu título é:
“Como é a Alma, segundo Flammarion”
A mais inesperada impressão que se recebe de Flamarion, é a da sua grande sinceridade e falta de pretensão. Sempre foi assim. Nunca procurou títulos, nem honras; não quer que o conheçam como sábio.
Há algum tempo perguntou-lhe uma senhora em que baseava certas previsões astronômicas.
- Foi uma idéia que me ocorreu - disse. Resposta digna do profundo filósofo que ele é.Outro dia, dizia-me, sob a cúpula do Observatório de Juvisy:
- Nunca achei razão alguma para que a ciência se oculte sob sombrio manto. Sempre a amei pela beleza que não revela. O Estudo! Nunca ambicionei outra cousa como o poder estudar.
O público julga que seus livros acerca do céu se lêem com o prazer de uma novela. Sua exposição, no entanto, é a da mais exata das ciências.
Neles, pode-se dizer, está vazada a alma desse homem encantador, irradiando simpatia, com 80 anos de idade, olhos cheios de brandura, modesto, com sua emaranhada cabeleira branca, sobretudo nos momentos em que mostra o seu tesouro.
Na cúpula do telescópio, deteve-se diante de um mapa da lua e me disse com um sorriso:
- Veja agora as minhas propriedades - e marcou com o dedo um ponto no mapa, certa mancha da lua a que os astrônomos deram o nome de Flammarion.
- Entretanto - acrescentou com o seu inalterável sorriso -, não é bom falar de propriedades nestes dias, quando os impostos são tão elevados.
O primeiro trabalho científico de Flammarion foi um tratado de matemática sobre as dimensões das estrelas, escrito aos 20 anos, quando empregado no Observatório de Luxemburgo. Foi o primeiro sábio que aventou a idéia de saber se Marte é habitado, problema a que consagrou mais de sessenta anos de estudos científicos, que se traduziram em vários mapas do planeta, os quais de ano a ano se tornam mais completos.
Seus estudos sobre a morte e seus mistérios datam também de muitos anos, porém não têm o mesmo caráter que seus trabalhos sobre astronomia. São o resultado secundário de sua concentração no estudo dos corpos celestes, dos seus incansáveis esforços para penetrar com a vista o espaço e para aprender os segredos guardados pela distância.
Depois de chegar a ser um astrônomo competente, acrescentou ao estudo do visível nos céus um profundo interesse pelo mistério dos espíritos invisíveis. Só nos últimos anos consagrou muito do seu tempo a esse assunto, selecionado o melhor material que logrou acumular em cinqüenta anos, tirando suas conclusões das provas mais indiscutíveis:
“A Igreja nos diz que o céu, o inferno e o purgatório são as moradas dos espíritos. Ainda que aceitemos isso, nada impede que procuremos mais. As investigações acerca da natureza da alma depois da morte e sua existência devem fazer-se, seguindo-se o mesmo método que se emprega nas demais investigações de caráter científico, isto é, sem preconceitos, sem idéias preconcebidas e procurando colocar-nos fora de toda a influência sentimental ou religiosa.
Depois das investigações que pratiquei, animado desse estado espiritual, declaro que existem as manifestações ‘post mortem’. Baseio esta asserção em fatos que desafio o mais cético dos meus contraditores a explicar, sem admitir nenhuma ação da parte dos mortos.
Muitos dos fatos que cito aqui, se acham tão bem demonstrados, que estão acima de toda a dúvida, e os que negam ou são ignorantes, ou faltosos de lógica.
Não foi sem que eu provocasse que ele se expressou em termos tão enérgicos. Procurei fazer que falasse com mais amplitude e logrei resumir assim suas conclusões:
A alma existe como um ser real, independente do corpo. É dotada de faculdades que são, todavia, desconhecidas para a ciência humana. Pode operar à distância telepaticamente, sem a intervenção dos sentidos. Existe um elemento psíquico, ativo de natureza, que nos é oculto.
As observações mais incontestáveis não dão logar a dúvidas de que, na ocasião da morte, a alma opera a uma distância de kilômetros sobre a mente dos vivos, fazendo-lhes ouvir ruídos demonstrativos e apresentando-lhes a miragem da pessoa moribunda.
Há várias proposições que me sinto autorizado a formular como definitivamente estabelecidas:
Os seres humanos falecidos e a que se costuma chamar de mortos, continuam existindo depois da dissolução do organismo material.
Existem numa substância invisível e intangível, que nossos olhos não vêem, que nossas mãos não podem tocar e que nossos sentidos não podem apreciar nas condições normais.
Em geral não se mostram nem se manifestam. Sua forma de existência é muito diferente da nossa. As vezes atuam sobre a nossa mente e, em certos casos, podem demonstrar sua supervivência. Quando influem sobre nossa mente e nosso cérebro, vêmo-los como os conhecemos, com suas roupas, seus modos, sua personalidade. É uma percepção de alma a alma. Não são alucinações, nem visões imaginárias. São realidades. O invisível se torna visível.
Em grande número de casos, as aparições dos mortos não são intencionais. A pessoa morta parece continuar com seus hábitos, errando em torno dos lugares em que viveu, ou não longe de sua tumba. Mas a distância nada importa aos espíritos. As ondas etéreas emanam da alma e se transformam em quadros para o cérebro receptor que vibra sintonicamente.
As aparições e manifestações são relativamente freqüentes nas horas que se seguem imediatamente ao falecimento; seu número diminui com o transcurso do tempo.
As almas separadas dos corpos conservam sua mentalidade terrestre durante largo tempo. Os católicos com freqüência, pedem orações.
Verificamos que a morte não existe. É uma evolução. É a porta da vida.
- E onde estão as almas? - perguntei. - Que fazem? São felizes?
- São o que se fizeram nesta vida.
O karma dos teosofistas é uma realidade. Os seres que vivem só para o que é material e só pela matéria, não gozarão dos prazeres do espírito. Os sibaritas da carne se sentirão desencantados. Os sensuais passarão através de uma evolução largo tempo retardada. O progresso espiritual não é o mesmo para todos. As reencarnações se relacionam com os valores intelectuais e morais. A atmosfera está cheia de nômadas inconscientes e talvez da maioria dos milhares de seres humanos que morrem diariamente.
Ao abandonar a vida terrena a alma, não se torna angélica. A morte não pode converter o homem em onisciente. A alma, já o vimos, não se transforma no dia seguinte da morte. A guilhotina é incapaz de transformar um bandido em santo.
O céu? É o espaço universal, a via láctea em que o nosso planeta é uma aldeia perdida. Não há alto nem baixo no Universo, que é incomensurável. A respeito da lenda dos eternos sofrimentos do inferno, dificilmente vemos que possa a razão humana conceber isso.
No espaço absoluto, o tempo não existe. Todos os acontecimentos são determinados pelas cousas que os produzem. Não existindo tempo, o que de nós resta depois da morte, a alma, o espírito, a entidade psíquica, como lhe queiram chamar, qualquer que seja a sua natureza, deixa de pertencer ao que em vida denominamos: tempo. Já não há dias nem anos. O relativo cede o lugar ao absoluto.
Depois o astrônomo mostrou-nos o caminho do parque que rodeia o Observatório. Havia ali um pinheiro plantado pelo imperador do Brasil.
Por fim, deteve-se num prado, em forma de estrela, onde jaz sepultada sua esposa.
- Esta é a minha tumba - disse em tom dolente. - Aqui, entre as árvores, nesta soledade do silêncio!
Quando regressava a Paris, li a dedicatória do livro que me oferecera: “Depois da Morte”.
Dizia: “Da parte do perpétuo estudante C. Flamarion”.
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(Fonte: Revista Verdade e Luz, Junho de 1925)
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