13 agosto 2009

ORIGEM SENSÓRIA DA CRENÇA NA SOBREVIVÊNCIA

Bozzano apoia-se especificamente nas pesquisas do antropólogo Andrew Lang e do etnólogo Max Freedom Long, realizadas entres as tribos da Polinésia, para mostrar a existência dos fenômenos espíritas no horizonte tribal. Serve-se também de outras fonte, não esquecendo os estudos de seu mestre Herbert Spencer. Andrew Lang é o autor da tese espírita da origem mediúnica da religião, tese que lançou em seu livro The Making of Religion. Bozzano esposa essa tese e procura esclarecê-la, confrontando-a com a tese spenceriana, na qual encontra, aliás, os germes da explicação espírita do problema.
A primeira afirmação de Bozzano é a da universalidade da crença na sobrevivência. Vejamos como ele inicia o seu estudo: "Se consultamos as obras dos mais eminentes antropólogos e sociólogos, notamos que todos concordam em reconhecer que a crença na sobrevivência do espírito humano se mostra universal". Esse fato é confirmado por várias citações textuais. A seguir, Bozzano analisa as explicações que lhe dão os sociólogos e antropólogos, para concluir pela inoperância das mesmas. Somente Spencer encontra intuições seguras, que são mais tarde desenvolvidas por Lang. Este realizou um trabalho de análise comparada dos fenômenos do mediunismo primitivo com as experiência metapsíquicas, concluindo pela realidade daqueles fenômenos, que constituem a base concreta da crença na sobrevivência.
O primeiro fato concreto a surgir no horizonte primitivo, no tocante a esse problema, é o da existência de uma força misteriosa que impregna ou imanta objetos e coisas, podendo atuar sobre criaturas humanas. É a força conhecida pelos nomes polinésicos "Mana" e "Orenda", Considerada em geral como imaginária, essa força produz os mais estranhos fenômenos. Bozzano lembra a resposta de MareI Habert a Goblet D' Alviella, sobre a natureza imaginária dessa força. Dizia Habert: "Passa-me pela mente uma nuvem de dúvida. Mana e Orenda não seriam talvez concepções demasiado abstratas, para podermos considerá-las o princípio de que partiram os selvagens, para chegar aos espíritos?"
A dúvida de Habert é considerada por Bozzano "fundamental e psicologicamente" justa, uma vez que conhecemos a natureza concreta do pensamento primitivo, incapaz dos processos de abstração mental que caracterizam o homem civilizado. Mana ou Orenda não é uma força imaginária, mas uma força real, concreta, positiva, que se afirma através de ampla fenomenologia, verificada entre as tribos primitivas, nas mais diversas regiões do mundo. Essa força primitiva corresponde ao ectoplasma de Richet, a força ou substância mediúnica das experiência metapsíquicas, cuja ação foi estudada cientificamente por Crawford, professor de mecânica da Universidade Real de Belfast, na Irlanda. O método comparativo, seguido por Lang, oferece-nos ai seu primeiro resultado. A imaginária força dos selvagens encontra similar nas pesquisas dos sábios europeus e americanos, empenhados nos estudos espíritas e metapsíquicos.
O etnólogo Max Freedom Long, que era também mitólogo, realizou demoradas pesquisas entre as tribos da Polinésia, e particularmente das ilhas do Havaí, convivendo durante anos com os selvagens, para verificar a realidade e a natureza dessa força primitiva. Conclui que os kahunas, curandeiros polinésios, consideravam a existência de três formas de Mana, ou três freqüência, três voltagens dessa força, a semelhança da corrente elétrica. A mais baixa voltagem correspondia à força emitida pelos corpos materiais do cristal ao organismo humano; a voltagem média, à proveniente da mente humana; e a voltagem superior, à proveniente de uma espécie de centro espiritual da mente humana, permitindo ao homem prever o futuro e realizar fenômenos físicos a distância, bem como materialização e desmaterialização de objetos.
Outra curiosa conclusão de Freedom Long é a de que os kahunas consideravam essa força como susceptível de acumulação. Os curandeiros, que usavam de feitiçaria, podiam prender espíritos inferiores que, a seu mando, faziam provisões de Mana para atuar em ocasiões oportunas. Bozzano mostra que as conclusões do etnólogo correspondem às de Andrew Lang e aos relatos e observações de numerosos outros estudiosos do assunto, bem como de viajantes e missionários que conviveram com tribos diversas, em diferentes épocas e várias regiões do globo. Por outro lado, estabelece as relações entre essa força e o ectoplasma, o que também fizera Freedom Long.
O segundo fato concreto, de ordem espírita, do horizonte tribal, é o da existência dos próprios espíritos, também universalmente afirmada. Antropólogos e etnólogos costumam estabelecer arbitrariamente certa distância de tempo entre o aparecimento de um e outro fato. Bozzano, entretanto, rejeita essa tese, para sustentar a simultaneidade de ambos. Lembra que nenhuma pesquisa ou observação revelaram essa pretensa sucessão dos fatos e assevera: "A verdade, pelo contrário, é que essas duas concepções aparecem sempre associadas". Uma das provas está nas próprias conclusões de Freedom Long, onde vemos os espíritos operarem através de Mana, ou seja, servindo-se dessa força. A coexistência das duas concepções, a da força misteriosa e a dos espíritos, impõe-se também diante da multiplicidade dos fenômenos mediúnicos no meio primitivo, onde, como acentua Bozzano, a presença de "agentes espirituais" se impunha, de maneira positiva.
Vemos, assim, que as superstições dos selvagens, as suas práticas mágicas, não eram nem podiam ser de natureza abstrata, imaginária. Decorriam, como tudo na vida primitiva, de realidades positivas e de fatos concretos, conhecidos naturalmente dos selvagens, como sempre foram e são conhecidos dos homens civilizados, em todas as épocas e em todas as latitudes da Terra. Somente nos momentos de grande refinamento intelectual, quando os homens constróem o seu mundo próprio, de abstrações mentais, e se encastelam nas suas tentativas de explicações racionais das coisas, é que essas realidades passam a ser negadas, por uma reduzida elite. O materialismo é portanto uma espécie de flor de estufa, artificial, cultivada, em Compartimento de vidro, que isolam a mente da realidade complexa da natureza.
O aparecimento desses dois fatos no horizonte primitivos - a ação de uma força misteriosa e a ação de entidades espirituais - deve ser considerado entretanto, juntamente com o problema do antropomorfismo. De uma posição positivista, como a que Bozzano assumia, antes de se tornar espírita, esse dois fatos se explicariam pelo próprio antropomorfismo. De uma posição espírita, entretanto, tal explicação se toma insuficiente. Porque o antropomorfismo é a característica psíquica do mundo primitivo, a maneira rudimentar de interpretação da natureza pelo homem. Reduzir todo o processo da vida primitiva a esse psiquismo nascente, limitá-lo apenas à mente embrionária de criaturas semi-animais, é um simplismo que o Espiritismo rejeita.

j. Herculano Pires

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