(Sociedade Espírita de Paris. - Médium, Sr. d'Ambel.)
Hoje me pedis, caros e bem amados ouvintes, para ditar, ao meu médium, a história da
origem da linguagem; vou tratar de vos satisfazer; mas devereis compreender que me será
impossível, em algumas linhas, tratar inteiramente esta séria questão, à qual se liga,
forçosamente, a mais importante ainda da origem das raças humanas.
Que Deus todo-poderoso, tão benevolente para os Espíritas, conceda-me a lucidez
necessária para podar, de minha dissertação, toda confusão, toda obscuridade e,
sobretudo, todo erro.
Entro na matéria vos dizendo: Admitamos primeiro em princípio esta eterna verdade: é que
o Criador deu a todos os seres da mesma raça um modo especial, mas seguro, para se
entenderem e se compreenderem entre eles. No entanto, esse modo de comunicação, essa
linguagem foi tanto mais restrita quanto as espécies eram mais inferiores. É em virtude
dessa verdade, dessa lei que os selvagens e as populações pouco civilizadas têm línguas de
tal modo pobres, que uma multidão de termos usados nos países favorecidos pela
civilização, ali não encontram nenhuma palavra correspondente; e é para obedecer a essa
mesma lei que essas nações que progridem criam novas expressões para novas
descobertas, para novas necessidades.
Assim como já disse em outro lugar: a Humanidade já atravessou três grandes períodos: a
fase bárbara, a fase hebraica e paga e a fase cristã. A esta última sucederá o grande
período espírita, do qual lançamos no presente, entre vós, os primeiros assentamentos.
Examinemos, pois, a primeira fase e os começos da segunda, e não posso senão repetir
aqui o que já disse. A primeira fase humana, que se pode chamar ante-hebraica ou
bárbara, se arrasta lenta e longamente em todos os horrores e convulsões de uma horrível
barbárie. O homem nela é peludo como a fera animal e se escondia nas cavernas e nos
bosques. Vivia de carne crua e se repastava de seu semelhante como de um excelente
animal de caça. É o reino da antropofagia mais absoluta. Nada de sociedade! nada de
família! Alguns grupos dispersos aqui e ali, vivendo desordenadamente uma promiscuidade
completa e sempre prontos a se entre devorarem: tal é o quadro desse cruel período.
Nenhum culto, nenhuma tradição, nenhuma idéia religiosa! Nada mais que as necessidades
animais a satisfazer, e depois é tudo! A alma, prisioneira numa matéria entorpecida,
permanece morna e latente em sua prisão carnal; nada pode contra as paredes grosseiras
que a encerram, e sua inteligência pode se mover com dificuldade nos compartimentos de
um cérebro limitado. O olhar é terno, a pálpebra pesada, o lábio é espesso o crânio
achatado, e alguns sons guturais bastam à linguagem; nada faz pressagiar que desse
animal bruto sairá o pai das raças hebraicas e pagas. No entanto, com o tempo, sentem a
necessidade de se sustentarem contra os outros carniceiros, contra o leão e o tigre, cujos
caninos temíveis e cujas garras cortantes tinham facilmente vencido os homens isolados: é
assim que se cumpre o primeiro progresso social. No entanto, o reino da matéria e da força
bruta se manteve durante toda essa fase cruel. Não procureis, pois, no homem dessa época
nem sentimento, nem razão, nem linguagem propriamente dita; ele não obedece senão à
sua grosseira sensação e não tem senão um objetivo: beber, comer e dormir; fora disso,
nada! Pode-se dizer que o homem inteligente nele está em germe, mas que não existe
ainda. Entretanto, é necessário constatar que já, entre essas raças brutais, aparecem
alguns seres superiores, Espíritos encarnados, encarregados de conduzir a Humanidade
para seu objetivo e apressar o advento da era hebraica e paga. Devo acrescentar que fora
desses Espíritos encarnados, o globo terrestre era freqüentemente visitado por esses
ministros de Deus, cuja tradição consagrou a memória sob o nome de anjos e arcanjos, e
que estes se punham quase que diariamente em relação com os seres superiores, Espíritos
encarnados dos quais acabo de falar. A missão de alguns desses anjos continuou durante
uma grande parte da segunda fase humanitária. Devo acrescentar que o quadro rápido que
acabo de fazer, dos primeiros tempos da Humanidade, vos ensina, mais ou menos, a que
leis rigorosas estão submetidos os Espíritos que ensaiam a vida nos planetas de formação
recente.
A linguagem propriamente dita, como ávida social, não começa a ter um caráter certo
senão a partir da era hebraica e paga, durante a qual o Espírito encarnado, sempre
escravizado à matéria, começa, no entanto, a se revoltar e quebrar alguns anéis da sua
pesada corrente. A alma fermenta e se agita em sua prisão carnal; por seus esforços
reiterados ela reage energicamente contra as paredes do cérebro, do qual ela sensibiliza a
matéria; melhora e aperfeiçoa, por um trabalho constante, o jogo de suas faculdades das
quais, consequentemente, os órgãos físicos se desenvolvem; enfim, o pensamento se deixa
ler num olhar límpido e claro. Estamos já longe das frontes achatadas! É que a alma se
sente, ela se reconhece, tem a consciência de si mesma, e começa a compreender que é
independente do corpo. Também, desde esse momento, ela luta com ardor para se
desembaraçar dos apertos de sua robusta rival. O homem se modifica cada vez mais e a
inteligência se move mais livremente num cérebro mais desenvolvido. Constatamos, no
entanto, que essa época vê ainda o homem encurralado e matriculado como o gado, o
homem escravo do homem; a escravidão está consagrada pelo Deus dos Hebreus tanto
quanto pelos deuses pagãos, e Jeová, tanto como Júpiter Olímpico, pede sangue e vítimas
vivas.
Essa segunda fase oferece aspectos curiosos do ponto de vista filosófico; dela já tracei um
quadro rápido que meu médium vos comunicará proximamente. O que quer que seja, e
para retornar ao assunto deste estudo, tende por certo que não foi senão na época dos
grandes períodos pastorais e patriarcais que a linguagem humana tomou um passo regular,
e adotou formas e sons especiais. Então nessa época primitiva em que a Humanidade se
desembaraça dos cueiros do berço, ao mesmo tempo que da gaguez da primeira idade,
poucas palavras bastam aos homens para quem a ciência não havia nascido, cujas
necessidades eram muito restritas, e cujas relações sociais se detinham às portas da tenda,
no limiar da família, e mais tarde nos limites da tribo. É a época em que o pai, o pastor, o
ancião, o patriarca, numa palavra, dominava como senhor absoluto com direito de vida e de
morte.
A língua primitiva foi uniforme; mas à medida que o número dos pastores cresceu, estes,
deixando por sua vez a tenda paterna, foram fundar, nas regiões inabitadas, novas famílias,
novas tribos. Então a língua usada entre eles se afastou, degrau por degrau, segundo as
gerações, da linguagem em uso sob a tenda paternal que tinham deixado outrora; e foi
assim que os idiomas diversos foram criados. De resto, embora minha intenção não seja
fazer um curso de lingüística, não estais sem ter notado que, nas línguas mais discordantes,
encontrais palavras cujo radical pouco variou e cuja significação é quase a mesma. Por
outro lado, se bem que tendes hoje a pretensão de ser um velho mundo, a mesma razão
que fez corromper a língua primitiva, reina ainda soberanamente em vossa França tão
orgulhosa de sua civilização, onde vedes as concordâncias, os termos e a significação
variada, não diria de província em província, mas de comunidade a comunidade. Para isso
chamo àqueles que viajaram para a Bretagne, como àqueles que percorreram a Provence e
o Languedoc.
É uma variedade de idiomas e dialetos de assustar aquele que quisesse coligi-los num único
dicionário.
Uma vez que os homens primitivos, ajudados nisso pelos missionários do Eterno, tenham
afetado a certos sons especiais certas idéias especiais, a língua falada se encontrou criada,
e as modificações que ela sofreu mais tarde foram em razão dos progressos humanos; por
conseqüência, segundo a riqueza de uma língua, pode se estabelecer facilmente o grau de
civilização ao qual chegou o povo que a fala. O que posso acrescentaria que a Humanidade
caminha para uma língua única, conseqüência forçada de uma comunidade de idéias em
moral, em política, e sobretudo em religião. Tal será a obra da filosofia nova, o Espiritismo,
que vos ensinamos hoje.
ERASTO.
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