Numa coisa essencial estiveram de acordo o muçulmano, a judia e o padre católico: as religiões e os seus textos fundadores podem ser manipulados para a violência e a guerra, mas é um "caminho perigoso" tentar encontrar "na essência da religião as causas dos actuais conflitos", como os do Médio Oriente. Esta via, disse Esther Mucznik, vice-presidente da Comunidade Judaica de Lisboa, "desvia as pessoas das verdadeiras causas dos conflitos e atiça a intolerância religiosa". No debate de ontem à tarde sobre o papel das religiões, durante o fórum promovido pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), em Lisboa, Mucznik acrescentou que "não é nos fundamentos, mas nos comportamentos religiosos, que devemos encontrar a chave da violência". E citou alguns desses comportamentos perigosos: a "leitura rígida, literal, dos textos" fundadores, como a Bíblia ou o Alcorão; a "pretensão à verdade única e exclusiva"; a "promiscuidade entre religião e política". AbdoolKarim Vakil, muçulmano português e investigador no King's College de Londres, recusou também que em nome do islão se cometam actos violentos ou belicistas. "Repetir que islão é paz, que 'jihad' é um esforço interior" e não a guerra santa, são "actos provocatórios". E, citando várias passagens do Alcorão que sublinham o valor fundamental da paz - "a fé é o refrear de toda a violência; que nenhum crente cometa qualquer acto de violência" -, acrescentou que "o maior desafio do islão", actualmente, é repensar "a relação com o legado islâmico e com os textos do islão". Esse trabalho, desconhecido pela maior parte das pessoas, "está a ser feito em centenas de organizações", não porque os muçulmanos nelas envolvidos são "compelidos a fazê-lo por outros", mas porque esse debate faz parte da própria agenda interna de muitos grupos em todo o mundo. As "apropriações violentas do islão" têm que ser contestadas "dentro do islão", afirmou. "Islão sem paz é um som oco" Para AbdoolKarim Vakil, "o islão desprovido das noções de paz e de perdão é um som oco, não faz sentido." E citou o exemplo dos atentados do passado dia 15, contra duas sinagogas judaicas em Istambul (Turquia), para dizer que "é impossível um muçulmano ficar calado" perante esses actos cometidos em nome do islão. "A violência contra israelitas não pode desculpar os atentados" em nome de uma pretensa solidariedade entre muçulmanos, acrescentou. Esther Mucznik citou uma declaração assinada há quatro dias pelos principais responsáveis do islão e do judaísmo em França para dizer que é necessário ter "coragem de denunciar o extremismo e o fundamentalismo, venha de onde vier". E enumerou quatro condições para romper a manipulação: a liberdade religiosa; a "separação clara de religião e política"; a contribuição dos crentes para o desenvolvimento; e o diálogo inter-religioso como "compromisso no sentido da pacificação". Luís de França, frade católico da Ordem Dominicana, citou investigações antropológicas recentes - como na "Revista Arqueológica Americana" de Agosto - para dizer que a guerra é uma "invenção da espécie humana". "A biologia não condena a humanidade à guerra; a mesma espécie que inventou à guerra é capaz de inventar a paz."
__________________"Meu coração é capaz de todas as formas; o claustro do monje, o templo dos ídolos, o pasto das gazelas, a Caaba do peregrino, as tábuas da Torá, o Corão. Amor é meu credo..." Ibn' Arabî
Fonte: PÚBLICOnline - Portugal
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