01 setembro 2009

CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM TÚMULO

Revista Espírita, junho de 1862

Sr. Sanson.
(Sociedade Espírita de Paris, 25 de abril de 1862. - Médium, Sr. Leymarie. Segunda entrevista. Vide a Revista de maio de 1862).
1. Evocação. - R. Meus amigos, estou junto a vós. 2. Estamos bem felizes com a conversa que tivemos convosco no dia de vossosepultamento, e uma vez que o permitis, estamos encantados em completá-la para nossa instrução. - R. Estou todo preparado, feliz por que pensais em mim. 3. Tudo o que pode nos esclarecer sobre o estado do mundo invisível, e nos fazer compreendê-lo, é de um alto ensinamento, porque é a idéia falsa que dele se faz que, o mais freqüentemente, leva à incredulidade. Não vos surpreendais com as perguntas que poderemos vos dirigir. - R. Com elas não ficarei admirado, e espero as vossas perguntas.
4. Descrevestes com uma luminosa claridade a passagem da vida à morte; dissestes que no momento em que o corpo dá seu último suspiro, a vida se rompe, e que a visão do Espírito se extingue. Esse momento é acompanhado de uma sensação penosa, dolorosa? - R. Sem dúvida, porque a vida é uma seqüência contínua de dores, e a morte é o complemento de todas as dores; daí um dilaceramento violento, como se o Espírito tivesse que fazer um esforço sobre-humano para escapar de seu envoltório, e é esse esforço que absorve todo o nosso ser e lhe faz perder o conhecimento do que se torna.

Nota. - Este caso não é geral. A separação pode se fazer com um certo esforço, mas a experiência prova que nem todos os Espíritos dela têm consciência, porque muitos perdem todo conhecimento antes de expirar; as convulsões da agonia são, o mais freqüentemente, puramente físicas. O Sr. Sanson apresentou um fenômeno bastante raro, o de ser, por assim dizer, testemunha de seu último suspiro.

5. Sabeis se há Espíritos para os quais esse momento é mais doloroso? É mais penoso, por exemplo, para o materialista, para aquele que crê que tudo acaba nesse momento para ele? - R. Isto é certo, porque o Espírito preparado já esqueceu o sofrimento, ou antes, dele tem o hábito, e a quietude com a qual vê a morte, impede-o de sofrer duplamente, uma vez que sabe o que o espera. A pena moral é a mais forte, e sua ausência no instante da morte é uma alívio bem grande. Aquele que não crê assemelha-se a esse condenado à pena capital, e cujo pensamento vê a faca e o desconhecido. Há semelhança entre essa morte e a do ateu.
6. Há materialistas bastante endurecidos para crerem seriamente que, nesse momento supremo, vão ser mergulhados no nada? - R. Sem dúvida, até a última hora há os que crêem no nada; mas no momento da separação, o Espírito tem um retorno profundo; a dúvida se apodera dele e o tortura, porque a si mesmo pergunta o que vai acontecer; quer agarrar qualquer coisa e não o pode. A separação não pode se fazer sem essa impressão.

Nota. -Um Espírito nos deu, numa outra circunstância, o quadro seguinte do fim do incrédulo. "O incrédulo endurecido experimenta, nos últimos momentos, as angústias desses pesadelos terríveis onde se vê à beira de um precipício, quase a cair no abismo; fazem-se inúteis esforços para fugir, e não se pode caminhar; se quer pendurar em alguma coisa, agarrar um ponto de apoio, e sente-se escorregar; se quer chamar e não se pode articular nenhum som; é então que se vê o moribundo se torcer, se crispar as mãos e soltar gritos abafados, sinais certos do pesadelo de que é vítima. No pesadelo comum, o despertar nos tira da inquietação, e vos sentis felizes em reconhecer que não experimentastes senão um sonho; mas o pesadelo da morte se prolonga, freqüentemente, por muito tempo, anos mesmo, além do decesso, e o que torna a sensação mais penosa ainda para o Espírito, são as trevas em que, algumas vezes, está mergulhado.
Fomos capazes de observar vários casos semelhantes e que provam que esta pintura nadatem de exagerada.

7. Dissestes que, no momento de morrer, não víeis mais, mas que pressentíeis. Não víeis mais corporalmente, isto se compreende; mas antes que a vida estivesse extinta, já entrevíeis a claridade do mundo dos Espíritos? - R. Foi o que eu disse precedentemente: o instante da morte dá a clarividência ao Espírito; os olhos não vêem mais, mas o Espírito, que possui uma visão muito mais profunda, descobre instantaneamente um mundo desconhecido, e a verdade lhe aparecendo, subitamente, lhe dá, momentaneamente, é verdade, ou uma alegria profunda, ou um pesar inexprimímel, segundo o estado de sua consciência e a lembrança de sua vida passada.

Nota. - É questão do instante que precede aquele em que o Espírito perde conhecimento, o que explica o emprego da palavra momentaneamente, porque as mesmas impressões, agradáveis ou penosas, prosseguem no despertar.

8. Quereis nos dizer o que vistes, no instante em que vossos olhos se reabriram à luz. Quereis nos pintar, se for possível, o aspecto das coisas que se vos ofereceram. - R. Quando pude rever-me, e ver o que tinha diante dos olhos, estava como deslumbrado, e não dava muita conta de mim, porque a lucidez não retorna instantaneamente. Mas Deus, que me deu uma prova profunda de sua bondade, permitiu que recobrasse minhas faculdades. Vi-me cercado de numerosos e fiéis amigos. Todos os Espíritos protetores que vêm vos assistir me cercavam e me sorriam; uma alegria sem igual os animava, e eu mesmo, forte e saudável, podia, sem esforços, me transportar através do espaço. O que vi não tem nome nas línguas humanas.
Virei, de resto, vos falar mais amplamente de todas as minhas alegrias, sem ultrapassar, no entanto, o limite que Deus exige. Sabei que a felicidade, tal como a entendeis entre vós, é uma ficção. Vivei sabiamente, santamente, no espírito de caridade e de amor, e vos tereis preparado impressões que os vossos maiores poetas não saberiam descrever.

Nota. - Os contos de fadas, sem dúvida, estão cheios de coisas absurdas; mas não seriam, em alguns pontos, a pintura do que se passa no mundo dos Espíritos? A narração do Sr. Sanson não parece a de um homem que, adormecido numa pobre e escura cabana, despertasse num palácio esplêndido, no meio de uma cor brilhante?

(Terceira entrevista; 2 de maio de 1862.)

9. Sob qual aspecto os Espíritos se vos apresentaram? Foi sob o de uma forma humana? -R. Sim, meu caro amigo, os Espíritos nos ensinaram sobre a Terra que conservavam, no outro mundo, a forma transitória que tinham no vosso mundo; e é a verdade. Mas que diferença entre a máquina informe, que se arrasta penosamente, com seu cortejo de provas, e a fluidez maravilhosa do corpo dos Espíritos! A fealdade não existe mais, porque os traços perderam a dureza de expressão que forma o caráter distintivo da raça humana. Deus beatificou todos esses corpos graciosos, que se movem com todas as elegâncias da forma; a linguagem tem entonações intraduzíveis para vós, e o olhar a profundidade de uma estrela. Tratai, pelo pensamento de ver o que Deus pode fazer em sua onipotência, ele, o arquiteto dos arquitetos, e tereis feito uma fraca idéia da forma dos Espíritos.

10. Por vós, como vedes? Reconheceis uma forma limitada, circunscrita, embora fluídica? Sentis uma cabeça, um tronco, braços, pernas? - R. O Espírito, tendo conservado sua forma humana, mas divinizada, idealizada, sem contradita, tem todos os membros de que falais.
Sinto perfeitamente as pernas e os dedos, porque podemos, por nossa vontade, vos aparecer ou vos apertar as mãos. Estou perto de vós, e apertei a mão de todos meus amigos, sem que disso tivessem a consciência; porque nossa fluidez pode estar por toda parte sem dificultar o espaço, sem dar nenhuma sensação, se isso for o nosso desejo. Neste momento, tendes as mãos cruzadas e tenho as minhas nas vossas. Eu vos digo: eu vos amo, mas meu corpo não toma lugar, a luz o atravessa, e o que chamaríeis um milagre, se fosse visível, é para os Espíritos a ação continuada de todos os instantes.
A visão dos Espíritos não tem relação, do mesmo modo que seu corpo não tem semelhança real, porque tudo está mudado no conjunto e no fundo. O Espírito, eu vo-lo repito, tem uma perspicácia divina que se estende a tudo, uma vez que pode mesmo adivinhar vosso pensamento; também pode a propósito tomar a forma que melhor o pode recordar às vossas lembranças. Mas no fato de o Espírito superior que terminou suas provas, gosta ele da forma que pôde conduzi-lo junto a Deus.

11. Os Espíritos não têm sexo; entretanto, como há poucos dias ainda éreis homem, tendes em vosso novo estado antes a natureza masculina do que a natureza feminina? Ocorre o mesmo com um Espírito que tivesse deixado seu corpo há muito tempo? - R. Não temos que ser de natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem. Deus os cria à sua vontade, e se, por seus objetivos maravilhosos, quis que os Espíritos se reencarnem sobre a Terra, deveu acrescentar a reprodução das espécies para macho e a fêmea. Mas o sentis, sem que seja necessária nenhuma explicação, os Espíritos não podem ter sexo.

Nota. Sempre foi dito que os Espíritos não têm sexo; os sexos não são necessários senão para a reprodução dos corpos; porque os Espíritos não se reproduzem, os sexos seriam inúteis para eles. Nossa pergunta não tinha por objetivo constatar o fato, mas em razão da morte muito recente do Sr. Sanson, queríamos saber se lhe restava uma impressão de seu estado terrestre. Os Espíritos depurados se dão perfeitamente conta de sua natureza, mas, entre os Espíritos inferiores, não desmaterializados, há muitos deles que se crêem ainda que estão sobre a Terra, e conservam as mesmas paixões e os mesmos desejos; aqueles se crêem ainda homens ou mulheres, e eis porque há os que disseram que os Espíritos têm sexos. É assim que certas contradições provêm do estado mais ou menos avançado dos Espíritos que se comunicam; o erro não é dos Espíritos, mas daqueles que os interrogam e não se dão ao trabalho de aprofundarem as perguntas.

12. Entre os Espíritos que estão aqui, vedes nosso presidente espiritual São Luís? - R. Está sempre junto a vós, e quando está ausente, sabe sempre aí deixar um Espírito superior, que o substitui.

13. Não vedes outros Espíritos? - R. Perdão; o Espírito de Verdade, Santo Agostinho, Lamennais, Sonnet, São Paulo, Luís e outros amigos que evocais, estão sempre em vossas sessões.

14. Que aspecto a sessão vos apresenta? É para a vossa nova visão o que vos parecia quando vivo? As pessoas têm para vós a mesma aparência? Tudo é tão claro, tão limpo? -R. Bem mais claro, porque posso ler no pensamento de todos, e estou muito feliz, ora! da boa impressão que me deixa a boa vontade de todos os Espíritos reunidos. Desejo que o mesmo entendimento possa se fazer não só em Paris, pela reunião de todos os grupos, mas também em toda a França, onde grupos se separam e se invejam, impelidos pelos Espíritos trapalhões, que se comprazem com a desordem, ao passo que o Espiritismo deve ser o esquecimento completo, absoluto do eu.

15. Dissestes que ledes em nosso pensamento; poderíeis nos fazer compreender como se opera essa transmissão de pensamento? - R. Isto não é fácil; para vos dizer, vos explicar esse prodígio singular da visão dos Espíritos, seria preciso vos abrir todo um arsenal de agentes novos, e serieis tão sábios quanto nós, o que não se pode, uma vez que as vossas faculdades estão limitadas pela matéria. Paciência! tornai-vos bons, e a isto chegareis; não tendes atualmente senão o que Deus vos concede, mas com a esperança de progredir continuamente; mais tarde sereis como nós. Tratai, pois, de bem morrer para saber muito.
A curiosidade, que é o estimulante do homem pensante, vos conduz tranqüilamente até a morte, vos reservando a satisfação de todas vossas curiosidades passadas, presentes e futuras. À espera disso, eu vos direi, para responder tanto bem quanto mal à vossa pergunta: O ar que vos cerca, impalpável como nós, transporta o caráter de vosso pensamento; o sopro que exalais é, por assim dizer, a página escrita de vossos pensamentos; eles são lidos, comentados pelos Espíritos que vos tropeçam sem cessar; são os mensageiros de uma telegrafia divina, à qual nada escapa.

16. Vedes, meu caro Sr. Sanson, que nós usamos largamente da permissão, que nos destes, de fazer a vossa autópsia espiritual. Disso não abusaremos; uma outra vez, se o quiserdes, faremos perguntas de uma outra ordem. - R. Ficarei sempre muito feliz em me tornar útil aos meus antigos colegas e ao seu digno presidente.

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