Após socorrer-se da imagem do corpo humano como modelo integrado e funcional de uma instituição, Paulo propõe aos discípulos de Corinto a seguinte distribuição de tarefas: apóstolos, médiuns psicofônicos (profetas), expositores (mestres), médiuns de cura para doenças orgânicas (milagres), médiuns de cura para distúrbios mentais e emocionais (dom de cura), trabalhos de assistência social, trabalhos administrativos, médiuns xenoglóssicos (dom de línguas). Destaca-se que a função, digamos, gerencial da instituição ficou posta em sétimo lugar, numa hierarquia de oito atividades específicas, nas quais avulta o exercício de bem definidas faculdades mediúnicas. É claro o recado: Paulo deseja as tarefas administrativas reduzidas a um mínimo indispensável e que não se sobreponham às demais, que considera prioritárias, embora ele insista na importância de cada uma para o conjunto, cabendo aos apóstolos, como trabalhadores diretos da palavra do Cristo, a indiscutível liderança do grupo, sempre que presentes. Lamentavelmente, contudo, os administradores das comunidades – núcleo central da futura classe sacerdotal – não se conformavam com esse posicionamento que, praticamente, nenhum poder lhes conferia, e trataram de manobrar para subverter a escala de valores do Apóstolo dos Gentios. Para encurtar uma longa história: decorrido não mais que um século, eles estavam no topo da estrutura, uma vez que os ocupantes iniciais dessa posição – os apóstolos – já haviam partido, e os médiuns haviam sido, pouco a pouco, silenciados. Por outro lado, a partir de certo momento, a Igreja Primitiva optou pelo critério quantitativo, que produzia massas maiores de manobrar. Acontece que os núcleos de poder atraem precisamente aqueles que buscam o exercício do poder e não os que desejam contribuir com a sua modesta parcela de trabalho, mas não se sentem fascinados pelo mando. O resultado foi o que se viu e ainda se vê: uma instituição rigidamente hierarquizada, volumosa pirâmide de poder civil, econômico, social e político, na qual pouco espaço resta – se é que resta – para implementação do ideário do Cristo, que teria de ser, necessariamente, a prioridade absoluta do sistema. Essas reflexões ocorrem a propósito de situações semelhantes ou muito parecidas, que estamos testemunhando no movimento espírita contemporâneo, com disputas entre os que desejam entrar e os que não querem sair, mesmo após 20 ou 30 anos de comando. Em alguns desses casos, segundo sabemos, a regra é uma espécie de vitalidade que vai aos extremos da intenção dinástica. Esboçam-se, em tais casos, verdadeiras campanhas, segundo modelos político-partidários, nos quais figura, com destaque, intensa atividade promocional desta ou daquela chapa. Confesso, contudo, certo desconforto, quando percebo um açodamento maior e uma paixão mais intensa nas campanhas que se travam, às claras e nos bastidores, em torno de certos postos de comando administrativo. E, principalmente, de um travo meio estranho de azedume e hostilidade entre as diversas facções. Se eu tivesse de votar, gostaria de conhecer, com antecedência, a verdadeira motivação dessas pessoas, o que de fato pretendem fazer uma vez assumidas as funções para as quais forem eventualmente escolhidas, e que tipo de contribuição se comprometem a dar, não apenas no trato da Doutrina. Isto se pode aferir com a possível aproximação, ainda que não com a precisão desejável, pelo que as pessoas empenhadas na disputa tenham dito, escrito ou realizado, no passado, e as posturas que hajam assumido como espíritas, dentro e fora do movimento. É claro que, uma vez que os eleitores as escolhem e elas assumem os cargos, é o consenso resultante de cada um que vai determinar os rumos da ação administrativa, mas não apenas isso, e, principalmente, de que maneira será tratada a Doutrina dos Espíritos, da qual o movimento é apenas o corpo físico? Se me concedem, pois, o modesto direito de sugerir ou opinar sobre algo, deixem-me pedir aos companheiros que escolhem dirigentes no movimento espírita um momento de silêncio interior, de serena meditação, de lúcida avaliação, uma cuidadosa preparação, a fim de que possam exercer com plena consciência de suas responsabilidades o direito de decidir a quem serão entregues as tarefas administrativas e representativas do movimento espírita. O voto de cada um pode acarretar inesperadas conseqüências, a curto, médio ou a longíssimo tempo, tanto na sustentação do Espiritismo enquanto Doutrina, que traz em si as matrizes ideológicas do futuro, como tentativa frustrada (mais uma!) de implementar um modelo racional e inteligente a promover as reformas éticas de que tanto necessita a civilização moderna.
Hermínio C. Miranda
(Jornal Mundo Espírita de Outubro de 98)
Um comentário:
As mensagens positivas, as belas poesias, os textos de elevação espiritual, enviados ou recebidos, fazem bem a todos, pois irradiam luz, calor e muita vida! Aqui encontramos este tipo de ressonância. Bom final de semana. Beijos.
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