1. HUMANIDADE CÓSMICA - Aquilo que há cem anos parecia uma simples utopia, ou alucinação de um visionário, hoje já se tornou admitido até mesmo pelos mais fortes redutos da tradição terrena. A evolução acelerou-se de tal forma, no transcorrer deste século, a partir da publicação de O Livro dos Espíritos, que o sonho de uma humanidade cósmica parece preste a mostrar-nos a sua face real, através das conquistas da ciência. Nossos primeiros vôos nas vastidões espaciais alargaram as perspectivas da vida humana, ao mesmo tempo que as investigações do cosmo modificaram a posição dos cientistas e dos próprios setores religiosos mais tradicionais. Admite-se a existência de mundos habitados, em nosso sistema e fora dele, e a possibilidade do estabelecimento de um próximo intercâmbio entre as esferas celestes.
O Livro dos Espíritos já afirmava, desde meados do século dezenove, que o cosmos está povoado de humanidades. E Kardec inaugurou as relações interplanetárias conscientes, através das comunicações mediúnicas, obtendo informações da vida em outros globos do nosso próprio sistema solar. Na secção "Palestras Familiares de Além-Túmulo", da "Reveu Spirite", Kardec publicou numerosas conversações com habitantes de outros planetas, alguns deles, como Mozart e Pallissy, emigrados da Terra para mundos melhores. Todo o capítulo terceiro da primeira parte de O Livro dos Espíritos refere-se ao problema da criação e da formação dos mundos, contendo, do item 55 ao 58, os períodos anunciadores da "Pluralidade dos Mundos".
Os Espíritos afirmaram a Kardec que todos os mundos são habitados. A audácia da tese parece temerária, e está ainda muito longe de ser admitida. Mas é evidente que em parte já está sendo aceita por todo o mundo civilizado. Por outro lado, a condição fundamental para a sua aceitação já foi também admitida: a de que as formas de vida variam ao infinito, de mundo para mundo, uma vez que a constituição dos próprios globos é também a mais variada possível. Hoje, nos países cientificamente mais adiantados, como os Estados Unidos e a Rússia, fazem-se experiências de laboratório para o estudo da astrobiologia. As sondas espaciais, por sua vez, demonstraram a existência de vida microscópica nas mais distantes regiões do espaço, e o exame de aerólitos vem demonstrando que as pedras estelares trazem para a terra restos de fósseis desconhecidos.
Concomitantemente com esses progressos, na própria Terra as investigações científicas se ampliaram, revelando através da Física, da Biologia e da Psicologia, novas dimensões da vida. A Física Nuclear, a Biônica, a Cibernética e a Parapsicologia modificam a nossa posição diante dos problemas do mundo e da vida. Os parapsicólogos demostram a existência de um substrato extrafísico na mente humana, e portanto na constituição do homem, ao mesmo tempo que os físicos nucleares revelam a natureza energética da matéria. Nossas concepções vão sendo impulsionadas irresistivelmente além do domínio físico, em todos os sentidos. A humanidade múltipla, de natureza cósmica, habitando dimensões desconhecidas, já não parece mais uma utopia ou uma simples alucinação.
No item 55 de O Livro dos Espíritos encontramos esta afirmação, em resposta à pergunta de Kardec sobre a habitabilidade de todos os mundos; "Sim, e o homem terreno está bem longe de ser, como acredita, o primeiro em inteligência, bondade e perfeição. Há, entretanto, homens que se julgam espíritos fortes e imaginam que este pequeno globo tem o privilégio de ser habitado por seres racionais. Orgulho e vaidade! Crêem que Deus criou o Universo somente para eles". No item 56 vemos esta antecipação: "a constituição dos diferentes mundos não se assemelha." E no item 57, a explicação de que os mundos mais distantes do sol tem outras fontes de luz e calor, que ainda não conhecemos.
A tese da pluralidade dos mundos habitados leva-nos imediatamente ao conceito de solidariedade cósmica. No item 176 encontramos a afirmação de que: "todos os mundos são solidários". Esta solidariedade se traduz pelo intercâmbio reencarnatório. Os espíritos mudam de globos, de acordo com as necessidade ou conveniência de seu processo evolutivo. Essas migrações, entretanto, não são feitas ao acaso, mas segundo as leis universais da evolução. Cada mundo se encontra num determinado grau de aperfeiçoamento. Suas portas serão franqueadas aos espíritos, na proporção em que estes vão, por sua vez, atingindo graus superiores em sua evolução pessoal. Como os homens nas relações internacionais, espíritos superiores podem reencarnar-se em mundos inferiores, cumprindo missões civilizadoras. Da mesma maneira, espíritos, de mundos inferiores podem estagiar em mundos superiores se estiverem em condições para isso, e voltar aos seus globos, para ajudá-los a melhorar.
A humanidade cósmica é solidária, e a civilização cósmica é infinitamente superior ao nosso pobre estágio terreno, de que tanto nos vangloriamos. Há mundos de densidade física fora do alcance dos nossos sentidos, habitados por humanidades que nos pareceriam fluídicas, e que não obstante são, no plano em que se encontram, concretas e definidas. Humanidades felizes, que se utilizam de corpos leves e habitam regiões paradisíacas, numa estrutura social em que prevalecem o bem, o amor, a paz, o perfeito entendimento entre as criaturas. Humanidades livres da escravidão dos instintos animais e dos corrosivos morais do egoísmo e do orgulho, que infelicitam os mundos inferiores.
"A vida dos Espíritos, no seu conjunto, segue as mesmas fases da vida corpórea", ensina Kardec, no comentário que faz no item 191 de O Livro dos Espíritos. Os espíritos passam gradativamente "do estado de embrião ao de infância, para chegarem, por uma sucessão de períodos, ao estado de adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que nesta não existe o declínio nem a decrepitude da vida corpórea". Assim, as concepções geocênctricas de céu e inferno, como prêmio ou castigo eternos de uma curta existência num pequeno mundo inferior, são substituídas pela compreensão copérnica da vida universal e do progresso infinito para todas as criaturas. Bastaria esta rápida visão da humanidade cósmica para nos mostrar como ainda estamos, infelizmente, distantes de uma assimilação perfeita da Doutrina Espírita. Quando conseguirmos compreender integralmente esta cosmo-sociologia e suas imensas conseqüências, estaremos à altura do Espiritismo.
J.Herculano Pires
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