Kleber Matias
Os três movimentos sociais mais importantes do Brasil, o messianismo, o banditismo e o fanatismo, coincidentemente, tiveram à sua frente, pessoas polêmicas. E porque não dizer, extremamente polêmicas. O primeiro é representado por Antônio Conselheiro, da guerra de Canudos (revolucionário ou louco?). O segundo, tem como figura mais expressiva, Lampião (herói ou bandido?) e o terceiro, o Padre Cícero (embusteiro ou santo?). Esses três personagens, que por sinal, foram contemporâneos, dominam até hoje o imaginário do povo nordestino.
Li e reli dezenas de livros sobre a história brasileira dessa época, (1844-1944), que me deram o prazer de conhecer o Padre Ibiapina, o beato José Lourenço, líder do Caldeirão e ainda, entender melhor, mais claramente, a importância político-social da Coluna Prestes, da guerra do Paraguai e do Contestado. Li, sobretudo, vários livros sobre o Padre Cícero. Dentre estes, apenas um me pareceu equilibrado: Milagre em Joazeiro, justamente a tese de pós-graduação em história latino- americana, do historiador Ralph Della Cava da Universidade de Columbia (EUA). Os demais, que me perdoem os autores, são de uma ingenuidade impressionante. Uma metade foi escrita por fanáticos ou apaniguados. A outra, por inimigos declarados do padre; que por sinal, comemora-se hoje, a data dos 76 anos de sua morte.
A meu ver, o grande problema da vida do Padre Cícero, foi sem dúvida acreditar piamente na beata Maria de Araújo. A sua crença no chamado Milagre da Hóstia acabou por levá-lo à presença dos Cardeais Inquisidores em Roma. Estes, por sua vez, impuseram-lhe uma mordaça. Não podia mais rezar missas, batizar, casar. Com a perda do poder eclesiástico, o padre partiu em busca do poder econômico e político. Alicerçado no passado, ostentando a imagem do homem bom e decente que fora até então, não teve dificuldades em subjugar e fanatizar o povo alienado, analfabeto, necessitado. Ao longo dos anos, com a ajuda de doações em nome da Igreja, conseguiu acumular uma verdadeira fortuna. Em 1910 era um homem rico. Possuía inúmeras fazendas, gado, imóveis e até uma mina de cobre.
Mas o padre Cícero não se satisfazia. Nesse mesmo ano, com sua anuência, a vila de Joazeiro tornou-se independente do Crato e proclamou-se cidade. Começa sua escalada política. Foi seu prefeito durante onze anos, depois deputado federal e vice-presidente da província do Ceará. Considerado um dos latifundiários mais influentes daquele estado, não tardou a aparar as arestas dos políticos locais. Propôs o célebre Pacto dos Coronéis e conseguiu apaziguar o cenário político durante vários anos.
Por volta de 1926, “Pade Ciço” era mais político que religioso, posicionando-se como um anticomunista ferrenho. Aproveitando a fidelidade de Lampião à sua pessoa, o pároco juntou-se a amigos fazendeiros e doaram-lhe armas e munições para que atacasse o revoltoso Luiz Carlos Prestes e sua famosa “Coluna”. Para tanto, por sua articulação, o bandoleiro recebeu também a patente de Capitão das Forças Patrióticas.
Recentemente foi lançada uma biografia extensa e minuciosa sobre o Patriarca do Ceará, do jornalista Lira Neto: Poder, Fé e Guerra no Sertão. O livro chega no momento em que o Vaticano se apressa em anistiar o padre Cícero e está em vias de canonizá-lo. O processo está sendo conduzido pessoalmente pelo papa Bento XVI com o objetivo claro de deter o avanço das igrejas evangélicas no Brasil. Para isto não podia contar com aliado melhor, um ícone popular que até hoje leva mais de 2,5 milhões de peregrinos todos os anos ao Joazeiro do Norte.
Ora, convenhamos! Não é necessário ser religioso para perceber que esse perfil não corresponde exatamente àquele de um santo. Por que não viabilizar a canonização de pessoas sabidamente corretas, íntegras, ilibadas, como Dom Helder Camara, Irmã Dulce ou Chico Xavier; que apesar de não ser padre (condição sine qua non), era um cristão fervoroso. Pensem sobre isso!
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