Marco Túlio Laucas
Nosso objetivo, neste artigo, é prestar uma justa homenagem a William Crookes,
nascido em 17 de junho de 1832 e falecido em 04 de abril de 1919, honorável cientista
inglês, com enormes contribuições em diversos campos da química e da física, sendo
particularmente conhecido dos espíritas, em geral, devido aos seus famosos estudos,
desenvolvidos na década de 1870, acerca dos fenômenos espiritualistas, em especial,
através de sessões de materialização com os médiuns Daniel Danglas Home, Kate Fox e,
posteriormente, Florence Cook, que trouxeram importantíssimas contribuições para a
Doutrina dos Espíritos e, sobretudo, para toda a humanidade. Vale comentar que, quando
Crookes iniciou estes estudos, não era adepto do espiritualismo, mas, após confirmar a
sua veracidade, teve a coragem de se declarar publicamente um espiritualista. É claro
que esta atitude trouxe-lhe enormes dissabores. Algumas críticas se dirigiram aos
procedimentos metodológicos adotados durante suas investigações, enquanto outras, ao
próprio caráter e integridade do cientista. Houve até mesmo aqueles que, mal
intencionados, procurando ferir e malsinar, alegaram que o pesquisador estaria
encerrando sua carreira científica. Para estes, a resposta de Crookes foi simplesmente
continuar suas pesquisas, impressionando a todos não somente pela quantidade de
trabalhos apresentados, mas, sobretudo, pela sua qualidade; valendo um destaque
especial para o conhecido tubo de raios catódicos. Queremos aproveitar a oportunidade para alertar alguns amigos bem intencionados que, procurando elogiar o douto pesquisador, baseiam-se em referências equivocadas, e acabam provocando um desserviço à causa que abraçam. Uma destas falsas afirmativas é dizer que ele teria sido laureado com o Prêmio Nobel.
Sérgio Aleixo disserta longamente acerca do conhecido tríplice aspecto do Espiritismo: científico, filosófico e religioso. Ora, esta junção torna poderosa a Doutrina em seus fundamentos analíticos, possibilitando-nos inspecionar, de forma coerente e verdadeira, a realidade que nos cerca. Não é à-toa que, dentre todos os agrupamentos religiosos, o espírita é reconhecidamente o que mais lê e busca se informar sobre o desenvolvimento da ciência. Por isso, cabe-nos a responsabilidade maior de evitar a propagação de idéias equivocadas, ou mal fundamentadas. Léon Denis e Paul Gibier afirmam ser Crookes o descobridor da “matéria radiante”. Gibier vai mais além, comentando ser esta “matéria radiante” o “quarto estado da matéria” quando, na verdade, o plasma, reconhecemos hoje, é o quarto estado da matéria. Mais de uma vez, temos escutado palestras nas quais o orador, talvez tentando embelezar o termo “matéria radiante”, troca matéria por energia e enuncia ser Crookes o descobridor da “energia radiante”. Não conhecemos nenhum livro de física que faça menção a qualquer destes dois termos. Então, não tem sentido fazer-se, na atualidade, uma afirmação destas. O termo “matéria radiante” foi sugerido por Crookes para designar um fenômeno novo, mas não foi aceito pela comunidade científica. Desta forma, repetimos, são aceitáveis as afirmativas de Denis e Gibier, porque eles são contemporâneos de Crookes e fizeram estas declarações quando esta teoria ainda estava
sob avaliação. Mas, atualmente, é um descalabro falar sobre isso e, pior ainda, usar o termo “energia radiante”, pois o calor, o som e a luz, por exemplo, são energias que se irradiam. Assim, trata-se de um erro afirmar que Crookes tenha descoberto a “energia radiante”. É muito comum, nos meios científicos, o surgimento de alguma teoria que é aceita em princípio, para depois ser descartada, após se verificar que ela está errada ou por não se ajustar perfeitamente ao fenômeno que a teoria tenta descrever. Um bom exemplo disso é o conceito de éter, que explicaremos a seguir. Da mesma maneira que o som necessita de um meio material (como o ar, a água, etc.) para se propagar, pensava-se, antigamente, que a luz necessitaria de um meio material para se locomover. Assim, na falta de algo, inventou-se o nome “éter” para designar o suposto meio material através do qual a luz se propagaria. Mesmo que ninguém tivesse conseguido observar o tal éter, seu conceito persistiu por vários séculos. No ano de 1887, Albert Michelson e Edward Morley, dois físicos desconhecidos, realizaram um experimento cujo objetivo era medir a variação da velocidade da luz no sentido de translação da Terra e perpendicular a
este movimento. Este experimento era aparentemente sem importância, pois todos pensavam, naquela época, que a velocidade da luz seria diferente quando esta trafegasse em sentidos diferentes. Para espanto deles, bem como de todo o establishment, a velocidade da luz não variou. Hoje, sabemos que a velocidade da luz é uma constante universal, ou seja, por mais incrível que possa parecer, não há como aumentar ou diminuir a velocidade da luz em um meio material específico qualquer. A mesma coisa não se dá, por exemplo, com o som. Se uma locomotiva apitando se aproxima, o som é mais agudo do que quando ela está se afastando.
No primeiro caso, a velocidade do som é maior (som mais agudo). No segundo caso, a velocidade do som é menor (som mais grave). Este experimento de 1887 acabou imortalizando os autores e liquidando completamente com a hipótese da existência do éter. Kardec refere-se ao éter em duas ocasiões: duas vezes 1865, e, novamente em 1868, por quatro vezes. Poder-se-ia pensar que haveria algum engano na codificação? Obviamente que não, por pelo menos dois motivos.
Primeiro que naquela época era nestes termos que a ciência se expressava. Além disso, Kardec mesmo afirmou que se novas descobertas demonstrassem estar o Espiritismo errado em algum ponto, ele se modificaria para se adequar à ciência. Em segundo lugar é preciso saber separar o ponto de vista dos Espíritos daqueles de Kardec. Este fato pode ser bem explanado analisando-se André Luiz, espírito. Em 1959, já consciente de ter Einstein sugerido o conceito de campo para
substituir o conceito de éter, escrevendo da esfera extrafísica, André Luiz, ao invés de “campo einsteniano” prefere usar Fluido Cósmico ou Hálito Divino como o meio no qual o universo se equilibra. O mais curioso de tudo isso é que ainda encontramos, mormente no meio espírita, o uso corrente do errôneo conceito de éter. William Crookes está longe de ser um cientista comum. Permita-me o leitor amigo enaltecer este expoente da ciência de forma conveniente. Ele ocupou
vários cargos importantes como as presidências da British Association for the Advancement of Science e da Royal Society of London. Editor do douto Quaterly Journal of Science, foi ele o descobridor do elemento químico Tálio. Crookes, na verdade, era uma figura eminente da sociedade científica britânica, possuindo uma parede repleta de honrarias profissionais. Foi feito cavaleiro em 1897 e recebeu a Ordem do Mérito em 1910. Tendo sido destacado membro da Society for Psychical Ressearch (Sociedade para a Pesquisa Psíquica), mais tarde tornouse presidente desta instituição que, vale dizer, não era bem vista pela comunidade científica, por motivos óbvios. Mas, sob sua influência, veio a participar dela um número verdadeiramente espantoso de proeminentes cientistas de renome internacional. Peço vênia por nos estendermos um pouco neste item, mas vale lembrar que Johann Zollner, destacado físico alemão, professor de física e astronomia na Universidade de Leipzig, também membro desta instituição ,foi convertido ao espiritualismo por Crookes, em 1875, quando o visitou em seu laboratório. Ainda vale a pena citar os seguintes membros desta instituição: Wilhelm Weber (cujo nome “weber”, hoje, denomina a unidade internacional de magnetismo), Lord Rayleigh, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1904, e J. J. Thompson, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1906. Somente isto já seria o suficiente para nos vergarmos em reverência à estatura intelectual deste homem ímpar entre os grandes. Porém, a história não pára por aí. O que realmente o
imortalizou foi a invenção do tubo de raios catódicos. Por uma questão de curiosidade, vamos explicar, rapidamente, o significado do tubo de raios catódicos. Imagine um filamento (tal qual o filamento de uma lâmpada) percorrido por uma corrente elétrica. Chamemos este filamento de cátodo. Imagine agora uma placa metálica um pouco afastada do filamento. Chamemos esta placa de ânodo. Quando um filamento é percorrido por uma corrente elétrica, uma nuvem de elétrons circunda este filamento. Se uma diferença de potencial (ddp) for criada entre este filamento (ou cátodo) e uma placa carregada positivamente (ou ânodo), então esta nuvem eletrônica será arrancada celeremente das proximidades do cátodo em direção ao ânodo. Quanto maior for a ddp, mais velozes serão os elétrons. O que nosso Crookes construiu foi isto, que é conhecido
como tubo de raios catódicos. Colocou um filamento e uma grade dentro de uma ampola
de vidro e estabeleceu uma enorme ddp entre os dois componentes, fazendo com que os
elétrons fossem brutalmente arrancados das proximidades do filamento. A aceleração e a
velocidade final dos tais elétrons era tanta que, quando eles se aproximavam da grade
(que efetivamente era quem os atraía), a maior parte dos elétrons ultrapassava os
buracos da grade, indo se chocar violentamente contra a parede de vidro da ampola. (Ver
figura.) Num tubo de raios catódicos, enquanto a corrente elétrica circular pelo filamento,
elétrons serão emitidos pelo cátodo, atraídos pelo ânodo e virão a se chocar contra o
vidro. O interessante de tudo isso é que, no local onde os elétrons se chocam, cria-se um
ponto luminoso, cuja intensidade luminosa varia com o valor nominal da corrente no
filamento. Se aumentarmos a corrente, mais elétrons serão liberados, por segundo,
elevando a luminosidade na parede de vidro. Já a cor deste ponto luminoso é dependente
da força de impacto dos elétrons e, conseqüentemente, do valor da ddp. Assim, ao
variarmos a ddp, notamos a mudança de cor no ponto luminoso. Há cerca de vinte anos, tivemos a oportunidade de estudar este experimento e, apesar de alegrarmo-nos ante o ponto luminoso e fazê-lo movimentar-se sob a ação de um ímã, reconhecemos que, por demais atentos à frieza dos cálculos, não demos ao fenômeno a devida importância. Somente agora, lembrando de Crookes, emocionamonos ante este estrondoso espetáculo da mãe natureza. Neste momento, conseguimos
aquilatar uma nesga da enorme alegria que deve ter se apossado dele. É bastante provável que, gargalhando de alegria, Crookes tivesse dito: “Encontrei a matéria radiante”.
Este fenômeno é real, com muitas e fundamentais aplicações práticas, mas, não se trata
de qualquer matéria radiante.
Quanto ao termo “quarto estado da matéria”, proposto por Crookes para designar
a “matéria radiante”, tornou-se de uso corrente, mas, usado no plasma. Não foi Crookes
quem encontrou o quarto estado da matéria, mas foi ele que inventou o nome. Observese ainda que, em 1925, Albert Einstein fez uma proposição teórica que, se correta,
redundaria em um novo estado da matéria e, há pouco menos de dez anos, esta hipótese
einsteniana foi testada e confirmada em laboratório, sendo hoje designada como o “quinto
estado da matéria”. Possivelmente o maior prêmio que um cientista pode receber é o famoso Prêmio Nobel. Alguns de nós queremos engrandecer a Doutrina Espírita afirmando ter sido ela
corroborada por algum cientista laureado com tal prêmio, mas, no fundo, o Espiritismo
não necessita de nada disso. A verdade é que William Crookes nunca foi laureado com
qualquer prêmio Nobel. Não possuímos bastante conhecimento nesta área, mas parecenos que o nome de Crookes jamais tenha sido cogitado para o Nobel em qualquer época,
isto, aliás, é uma enorme falta de consideração para com um cientista desta envergadura.
A retumbância do tubo de raios catódicos é tanta que o eminente físico Michio Kaku,
professor de Física Teórica do City College of New York University, apresentador de
diversos programas no famoso canal de televisão Discovery Channel, afirmou: O tubo de
raios catódicos de Crookes revolucionou a ciência; quem quer que assista à televisão, use
um monitor de computador, jogue um vídeo game, ou já tenha se submetido a (um exame
de) raios X tem uma dívida para com a famosa invenção de Crookes.
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FERREIRA, J. M. H.; MARTINS, R. A. As investigações de William Crookes sobre fenômenos
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