22 janeiro 2010

DOENÇA MENTAL E ESPIRITISMO

O Espiritismo vem desde o século XIX lançando luz sobre os mais variados temas que até então pareciam insolúveis. A deficiência mental – ou a loucura – tratada de forma marginal pela ciência durante milênios, chamou a atenção do codificador lionês que lhe reservou alguns artigos na famosa Revue Spirite. Mas como deve ser encarado o problema da doença mental sob a ótica espírita? Quais os elementos envolvidos nesse processo de tanta dor? Qual o papel da família que tem em seu seio um doente? São essas algumas das questões que nos propomos abordar nas linhas que se seguem.

História e a visão materialista
Hoje em dia o termo deficiência mental é preferível à palavra loucura para designar os portadores de algum distúrbio psíquico, isso porque nas últimas décadas a doença mental tem sido tratada de forma mais racional. A classe médica e mesmo a sociedade civil em geral vem mudando a maneira como encara esse distúrbio.

Mas nem sempre foi assim. O francês Michel Foucault (1926-1984), em seu livro clássico sobre a história da loucura, estabeleceu um paralelo interessante entre a loucura e a lepra. A lepra, na Antigüidade, era objeto de exclusão e supressão de elementos da sociedade; o portador da doença era o bode expiatório culpado de causar males aos outros. Os vales dos leprosos eram lugares ermos, afastados das cidades, em que se “depositavam” todos os doentes leprosos escorraçados do convívio social comum. A loucura, sobretudo a partir da Idade Média, viria ocupar o lugar da lepra, como alvo da brutalidade dos homens ditos normais. Seria, nas palavras do autor, o novo “espantalho”, que estabeleceu com a sociedade uma relação de divisão e exclusão.

Na sociedade medieva, ou medieval, temerosa dos poderes espirituais ocultos, a doença mental passa a ser encarada como resultado da presença demoníaca, da força maligna na sua plena ação. O louco era submetido a sessões de tortura física e psicológica; não havia compreensão e um sentimento de ódio e temor rondavam a relação entre os sãos e os doentes.

O desconhecimento quase que completo, levou à busca de tratamentos antiquados e dolorosos aos doentes. A trepanação – o embrião das modernas lobotomias – consistiam na abertura de buracos nos crânios dos doentes de 2,5 a 5 cm de diâmetro, sem anestesia ou assepsia adequadas. Os “doutores” buscavam remover a pierre de folie (pedra da loucura) que acreditavam existir nos cérebros dos doentes. O que acontecia de fato é que eram feitas verdadeiras mutilações que exauriam as forças dos doentes e, por vezes, acabavam por deixar os pacientes privados de certos movimentos.

A partir do século XIX, com o nascimento da psicanálise e as importantes contribuições de Freud, a psiquiatria como um dos braços da medicina pôde avançar em alguns pontos no tratamento da loucura, mas não suficientemente. Freud, com o desenvolvimento da teoria da libido, não conseguiu dar conta do complexo problema da deficiência mental. Jung então questionou a influência capital do aparelho genésico do desenvolvimento do ser, defendido por Freud.

Os tratamentos com eletrochoque, a eletroconvulsoterapia, as convulsões induzidas por metrazol, a indução a febre, enfim, nunca foram completamente bem sucedidos no auxílio aos doentes. Tratamentos por vezes polêmicos e resultados efêmeros levaram a partir das décadas de 60 e 70 a um movimento conhecido por antipsiquiátrico, que questionava as terapias convencionais e o sistema psico-hospitalar tradicional.

Visão Espírita
O fato é que a ciência tradicional nunca soube realmente o que provocava a doença mental. Por que pessoas relativamente sãs em alguma fase da vida começavam a manifestar traços de insanidade? Por que outras já nasciam doentes? E ainda, por que tantas se curavam sem razão aparente?

A psiquiatria tem estado atada, é verdade, pelos limites do cérebro, pelas barreiras do corpo material, fonte que, sabemos, não é a origem principal da doença, mas sim a manifestação de algo que é externo a ele. Vejamos agora no que o Espiritismo contribuiu para o entendimento dessa questão.

Allan Kardec e os Espíritos da Codificação nos apresentaram um elemento primordial para o entendimento do ser humano na sua essência: o Espírito. O ser imortal; aquele que viveu e viverá inúmeras existências através das reencarnações; o ser que possui um histórico de uma vida milenar que não se restringe somente à vida presente. O Espiritismo abalou as estruturas do materialismo vigente, trouxe uma revolução no campo das idéias, inovou os conceitos religiosos e científicos. A idéia da existência do Espírito pôde explicar a gênese de muitos problemas da vida cotidiana.

Através da lei da reencarnação, explicou a questão das causas atuais e passadas das nossas aflições; que como seres imortais, somos fruto do que fizemos anteriormente. Sofremos mais ou somos mais felizes de acordo com o que viemos construindo nas nossas existências nas diversas moradas do Pai.

Uma das idéias mais importantes introduzidas pelo Espiritismo fora a da Lei de causa e efeito, emprestada de certa maneira da lei da física de ação e reação. A Lei de causa e efeito nos deu uma amplidão de visão que nos ajudou a compreender, por exemplo, que nossa vida presente é reflexo do que temos sido até hoje, inclusive de nossas vivências passadas. Nossas faltas anteriores, nossos erros passados surgem hoje como expiações; assim como nossos acertos aparecem-nos como paliativo ou recompensa na vida atual. Plantamos sementes voluntariamente e hoje somos chamados à colheita. É uma lei natural.

A loucura – ou a doença mental, como preferir – deve ser também encarada sob esse prisma, como reflexo de uma atitude passada. Como se manifesta de uma forma negativa, trazendo sofrimento tanto para o doente, como para a família, há que se concluir que seja reflexo de uma falta anterior.

Emmanuel e Joanna de Ângelis nos explicam que são várias as causas da loucura e que, quase sempre, são contraídas por faltas em uma existência anterior. O suicídio, o uso inadequado das faculdades mentais, o envolvimento exagerado com a vida mundana, ou mesmo um progresso intelectual sem a contraparte moral podem ser assinalados como causas anteriores de uma vida atual mergulhada na insanidade.

O Espírito que procedeu assim, no seu desencarne percebe que viveu de forma desequilibrada sente-se ele próprio um criminoso. No seu tribunal de consciência vê que foi causador de uma desarmonia muito grande e na aferição dos males que praticou sente-se culpado. Suas faltas todas, assim como as boas ações também, impregnaram o seu perispírito e ele vê no processo do reencarne a única forma de reparação possível. Busca um mecanismo auto-punitivo que possa absolvê-lo dos males que praticou. Sente que uma nova vida na Terra, num corpo portador de uma doença mental, poderá livrar-lhe do peso das suas ações infelizes.

No processo da reencarnação, o Espírito aplica-se-lhe de forma consciente ou inconsciente, uma punição porque deseja evoluir e sabe que para isso tem de apagar os erros cometidos no passado. Veja que não é uma punição vinda unicamente de Deus, ou um veredicto traçado por um deus vingativo, mas antes disso, um alerta da consciência do próprio Espírito que se sente faltoso com a harmonia universal, pois sabemos que ninguém se escusa da própria consciência.

A partir do momento da permissão do reencarne e a posterior fase da concepção, o Espírito passa a imprimir nas moléculas de DNA do novo corpo físico, as suas necessidades e heranças. Essas impressões materiais serão recursos propiciatórios à sua evolução. Os atos anteriores do Espírito, herdeiro de si mesmo, lhes plasmam o destino futuro e, através do seu desejo de redimir-se, aplica-se-lhe a pena necessária aos crimes que lhe pesam na economia moral.

Notemos que o Espírito não é louco, pois tem a consciência de suas faltas e deseja repará-las. É certo que há Espíritos que têm de ser submetidos a uma reencarnação compulsória, mas mesmo nesses casos o Espírito não é louco, e sim terá em mãos um corpo que não lhe permitirá manifestar todas as suas faculdades.

Na nova vida encarnada a doença poderá manifestar-se desde o nascimento ou poderá ser desencadeada por uma aparente causa material: uma fixação, um trauma, um estresse ou mesmo uma decepção. O que devemos saber é que em ambos, o gérmem da doença mental já estava registrado no perispírito do reencarnante. Da neurose mais simples, passando pelo mongolismo, pela demência, pela esquisofrenia: a gênese é sempre espiritual.

Outro aspecto que temos de considerar é a loucura desencadeada por um processo obsessivo, que também tem por causa um ato anterior. A obsessão é um mecanismo de cobrança do ser desencarnado em relação ao encarnado. Um histórico de disputas e relações não resolvidas envolvem vítima e algoz, agora em papéis trocados. O obsessor acredita que sua má influência e vingança do ofensor encarnado se livrará da dor que carrega, influência essa que pode inclusive levar o obsediado a um diagnóstico equivocado de deficiência mental. Com a devida terapia espírita, mudança de comportamento do encarnado, reforma íntima e amor dos companheiros mais próximos é quase certo que a cura total é possível nesses casos.

A doença mental é expiação ou prova também para os pais que podem ter sido coadjuvantes nas faltas desses espíritos. Eles são agora testados e deverão aplicar todo o amor possível na convivência com o doente, sendo responsáveis pelo ser débil que os acompanha. Sabemos que a cura total é quase sempre impossível porque consta do plano reencarnatório da criatura, mas a dor tanto do doente quanto da família pode ser suavizada se tivermos em mente que nunca estamos sozinhos; se confiarmos e termos a figura divina como nosso norte, espíritos amigos estarão sempre nos inspirando e colaborando em nossa caminhada.

A terapêutica espírita no tratamento da loucura é essencialmente preventiva, pois sugere a resignação ante as vicissitudes da vida que poderiam causar o afloramento da doença. O auto-conhecimento, a busca constante da reforma íntima e a transformação pessoal de cada um constituem meios eficazes de manter a saúde psíquica de todos, já que qualquer um de nós pode ser doente em potencial.

O auto-conhecimento tão bem aplicado por Santo Agostinho é uma das chaves mestras na prevenção de toda e qualquer doença. A auto-observação no dia-a-dia, na busca constante de identificar os pontos a serem melhorados, as fraquezas e más tendências são elementos importantes para assegurar a qualidade de vida. A proposta de renovação íntima, de transformação moral, da mudança dos hábitos mentais, da substituição do pensamento negativo pelo positivo são ferramentas de prevenção ditados pelo Cristo e renovados pelo Espiritismo.

A fé e confiança em Deus deverão nos dar uma natural resignação ante as tribulações cotidianas e o Espiritismo nos faz lembrar que a vida na Terra é sempre passageira; que se passarmos por tudo de forma equilibrada uma sorte mais feliz nos aguardará no plano espiritual.

Se olharmos para a vida eterna do Espírito que somos, veremos que passamos hoje apenas uma fase passageira nessa existência. Que a cruz, embora possa parecer demasiado pesada, pode ser perfeitamente carregada se tivermos força e confiança na providência divina. Todo esforço será recompensado e aos olhos do Pai, cada gota de suor será computada no final.

Nunca há injustiça alguma vinda do céu. Encaremos as dificuldades como oportunidades de progresso. Essa é a proposta do Espiritismo.

Danilo Pastorelli

Bibliografia
FOUCAULT, M.J.P. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
FRANCO, D. P. (Jonna de Ângelis – Espírito). No rumo da felicidade. Santo André: Ed. Centro Espírita Dr. Bezerra de Menezes, 2001.
FRANCO, D. P. (Jonna de Ângelis – Espírito). O ser consciente. Salvador: Centro Espírita Caminho da Redenção, 1993.
KARDEC, A. Revista Espírita. Sobradinho: Edicel. (1890, 1861, 1863, 1864 e 1865).
XAVIER, F.C. (Emmanuel – Espírito). Religião dos Espíritos.
XAVIER, F.C. (André Luiz – Espírito). Ação e reação. Rio de Janeiro: FEB, 1996.
*O autor é atuante no movimento espírita em Ribeirão Preto/SP, coordenador de grupo de estudos e de reunião mediúnica na Sociedade Espírita Unificação Kardecista, além de Historiador formado pela UNESP/Franca e Mestrando em Economia pela UNESP/Araraquara.

Um comentário:

Dona Sra. Urtigão disse...

Entre todos os sistemas filosóficos/religiosos,certamente este é o que me parece mais plausível. No entanto,ao pensar uma doença mental como resultado de faltas e comparando a quantidade de faltas que eu,mulher comum cometo, a quantidade de faltas que penso observar ao redor,cometidas pelo outro,o proximo, e as evidências estatísticas das doenças mentais, acho que falhas anteriores não são aunica causa.