“Embora Fernando Pessoa seja encarado pelos seus muitos biógrafos como um poeta eminentemente racional, a vertente espírita, ou se quisermos transcendental-imanente, é forte desde a sua juventude. O mesmo é dizer que Fernando, desde muito jovem, experimentou sensações inexplicáveis para ele, que o levaram mais tarde a um estudo das mesmas pela razão. Conta o irmão de Pessoa que este, ao espelho, observa visões que não são ele mesmo, mas outras pessoas. Será esta já uma projecção infantil dos futuros heterónimos, outros-ele? Não sabemos. É um facto que também, desde a sua juventude, o poeta tem amigos ficcionados, amigos imaginários, que o ajudam a superar as dificuldades de deixar de ser “o menino de sua mãe”, de ter de mudar constantemente de casa e de não saber com certeza qual será o seu futuro. Seja como for, e começando pela mediunidade em Fernando Pessoa, o melhor documento que nos chegou como testemunho dessa vertente do poeta, é uma carta que ele escreve à Tia Anica em 24/06/1916. Nela, Pessoa diz que a partir de Março de 1916 começou a ter experiências de médium, ou seja, de condutor de energias que não deste mundo. Previsivelmente, ou talvez não, a mediunidade nele revela-se na modalidade de escrita automática. Conta o poeta que vindo da Brasileira um dia, pára na sua secretária e começa a escrever “comunicações”, muitas das vezes incompreensíveis ou apenas banais, mas assinadas com outros nomes. A sua primeira experiência terá sido com o espírito do seu Tio Manuel da Cunha. Outro exemplo de mediunidade vem, quando o seu melhor amigo Sá-Carneiro em Paria sofre de uma grande depressão, que levaria mais tarde ao seu suicídio, e Fernando Pessoa diz sentir tudo, como se fosse com ele mesmo, aqui em Lisboa. Ele relata também à Tia Anica, instância de visão astral (onde vê a sua aura no espelho) e visão etérea (onde observa as costelas de um sujeito, na Brasileira, através do casaco e da pele). Que explicação tem o Poeta para tudo isto? É certo que estamos no princípio do século, e que por toda a Europa o ocultismo e a mediunidade estão na moda como nunca, mas ele prefere entender as suas capacidades como um “chamamento de um mestre superior”, um chamamento “para uma missão”. O Mestre Desconhecido, que aparece referido em outras ocasiões, é uma “desculpa” plausível para o crescente isolamento de Fernando face ao mundo exterior. Ele encara a sua missão como fazedor de mitos, revelador de mistérios, como uma missão mais alta do que a própria vida, mas justificada como um sacrifício advindo do seu destino irrenunciável. Claro que tudo isto pode ser apenas uma justificação racional para um desespero e uma solidão crescentes, que o poeta sentia cada vez mais como um drama que era impossível de superar senão pela sua inteligência e criatividade. Se aceitasse que estava sozinho, que não tinha um futuro, bases seguras para amar alguém, para achar segurança na família e nos amigos, ele seguramente contemplaria o suicídio, o desespero. Assim, ele contempla um espírito de missão, de completar a sua “Obra”, escrever cada vez mais, e cada vez mais sem medo, mais profundamente. É também certo o interesse de Pessoa por religiões para além da cristã. Sobretudo é conhecido o interesse na escola Teosófica de Madame Blavatsky, uma imigrante Russa que nos Estados Unidos congrega ideias de variadas religiões numa amálgama que começa o que mais tarde se conhecerá como movimento ocultista. Porém em Pessoa o ocultismo é mais do que apenas a mediunidade. O ocultismo revela-se maior em Pessoa porque Pessoa foi sobretudo um poeta simbólico e é através dos símbolos que ele soube aproximar-se melhor dos mistérios ocultos da vida e da morte. A Mensagem é um poema simbólico e ocultista. Muitos dos poemas mais conhecidos do poeta são simbólicos, porque o simbolismo foi uma das maneiras que ele se aproximou do oculto. António Quadros, na sua obra Fernando Pessoa – vida, personalidade e génio, diz-nos que Pessoa tentou aceder ao conhecimento oculto de três maneiras: como gnósico, pela intuição e experiência sensível, ou seja pelas experiências sensíveis da mediunidade; como sófico, ou seja como intelectual, pelas suas capacidades de análise e de raciocínio e finalmente como iniciático, ou seja, seguindo antigos ensinamentos das ordens secretas maçónicas, antigas desde as pirâmides, e que Pessoa junta sobretudo na tradição Templária, que em Portugal continua viva depois da morte de Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, na Ordem de Cristo. Pessoa considera-se mesmo um iniciado nesta ordem templária. Aliás, é de referir a nota biográfica escrita pelo poeta em 1935, que pode consultar no site Major Reformado (secção Biografia Completa, Apêndices), onde este é bem claro ao considerar-se um “Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas”, “Fiel, por motivos que mais diante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo”. Se bem que o ocultismo marca a vida de Pessoa, nunca o poderemos dizer ocultista, ou simplesmente ocultista. Pessoa é múltiplo como o Universo, também e sobretudo nas maneiras como tenta entender o Universo. Se é certo que em poemas como Na Sombra do Monte Abiegno, Eros e Psique ou A Múmia, Pessoa é rigoroso e estritamente ocultista, ele nunca se manteve dentro de regras, circunscrito a regulamentos, preso a técnicas. Desde 1915 ele interessa-se no tema do ocultismo, mas com 27 anos, ele não é um iniciado na sua viagem de descoberta, que seguirá muitos caminhos e tentativas”.
fonte: http://omj.no.sapo.pt/Forum/ocultismo_espiritismo_em_fernando_pessoa.htm
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