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19 junho 2012
O QUANTO HÁ DE VERDADE NESTE TEXTO ?
O PROBLEMA DA VERDADEIRA RELIGIÃO - LEONARDO DE S. PAULO
Faculdade Arquidiocesana de Feira de Santana
Disciplina: Filosofia da Religião
Docente: Prof. Pe Paolo
Discente: Leonardo de S. Paulo
O Cristianismo é a verdadeira religião?
Análise da teoria de Joseph Ratzinger.
Introdução
O tema da verdade é típico do âmbito religioso. Isto, porque a religião lida com a verdade. Para afirmar que o cristianismo é a verdadeira religião, J. Ratzinger elabora uma reflexão filo-teológica embasando-se na obra “Cidade de Deus” de Santo Agostinho. Tendo em vista responder a esta questão Agostinho utilizou-se da abordagem teórica do filósofo latino Marcos TerêncioVarrone ( 116-27 a. C), que por sua vez, analisou as teologias presentes em sua época classificando-as da seguinte forma: teologia mítica, teologia civil e teologia natural.
A teologia mítica tem por conteúdo as fábulas (p. ex. fábulas de Isópo). Os teólogos dessa forma de expressão do sagrado são os poetas, são os cantores de Deus (p. ex. Homero, Hesíodo, Sófocles, Esquilo etc). Essa teologia se realiza no teatro onde se apresentam as grandes tragédias gregas, onde são declamados os poemas de Esquilo, Homero, outros. Xenofonte, Sócrates e uma série de filósofos cristãos como Justino de Roma, Tertuliano e Orígenes criticaram a teologia mítica provocando uma cisão radical entre o pensamento cristão e a mitologia. Contudo estudiosos do fenômeno religioso como Mircea Eliade, Umberto Galimberti e Levis Strauss perceberam que o mito tem uma grande importância em toda religião, mesmo que essa seja predominantemente racional, como é o caso do cristianismo, o mito assume o papel de comunicar a verdade absoluta de um povo através de uma narração de caráter simbólico. “Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade ou simplesmente a sobrenaturalidade de suas obras” (Mircea Eliade, 2004, p. 11). Papel esse que a razão não pode desempenhar sozinha, o que se torna evidente em campo filosófico, quando Platão não conseguia demonstrar através da razão uma realidade profundamente metafísica ele recorria a artifício somente encontrado na linguagem simbólica do mito (p. ex. o mito da caverna e do tártaro).
Os conteúdos da teologia civil é o culto, que tem uma estreita ligação com a política. Nesse caso os teólogos são os povos que tecem homenagens literárias e sacrifícios aos deuses do Olimpo. Os lugares de exercício desse tipo de teologia são as praças, a ágora e os lugares públicos de modo geral.
A teologia natural por sua vez tem por conteúdo e ao mesmo tempo objetivo responder ao questionamento: Quem são os deuses? Essa pergunta tem como consequência a desmitologização e o avanço da razão (logos) que destroça o mito. Daí em diante culto e razão são separados e passam a divergir. Quem elaborou a teologia física foram os filósofos da natureza. O espaço da teologia natural é o cosmo.
Para Agostinho, o cristianismo se identifica com a teologia natural. Pois tem sua base fundante na racionalidade filosófica e não nas religiões. O cristianismo não se baseia em fábulas e mitos, mas na referência ao divino que pode ser captado através da análise racional da realidade. Agostinho relaciona o monoteísmo bíblico com a ideia filosófica de arché. Por isso ele cita At 18 para provar que o cristianismo não uma religião anímica e mitológica, mas racional. Os cristãos adoram aquele ser que está no fundamento de tudo que existe (arché). No cristianismo a racionalidade se tornou religião. De fato no princípio a razão era Deus. Assim o cristianismo pode ser compreendido como a vitória do conhecimento da verdade que não se sustenta sobre poesias, fábulas ou mitos.
O cristianismo realizou duas correções importantes na imagem de Deus. A primeira correção consiste na destruição da identificação panteísta de Deus com a natureza; Deus é Deus por sua natureza, mas a natureza em si não é Deus. Cria-se, então, uma separação entre a natureza universal e o Ser que a fundamenta. Só então a física e a metafísica alcançam uma clara distinção uma da outra. Só o verdadeiro Deus que podemos reconhecer na natureza através do pensamento, é objeto de adoração. A segunda correção na imagem consiste no fato de que Deus não sendo natureza não é silencioso: Ele entrou na história e veio ao encontro do homem. A racionalidade pode tornar-se religião, porque Deus mesmo entrou na religião. As duas dimensões da religião, que sempre foram separadas entre elas, a natureza no seu reinado eterno e a necessidade da salvação do homem que sofre e que luta, foram religadas entre elas.
Além do dado da racionalidade que proporcionou a vitória do cristianismo sobre a religião pública e as demais religiões pagãs, o cristianismo também apresentava uma grande seriedade moral. Aquilo que a Lei entende e aquilo que Deus exige dos homens coincide com aquilo que o homem tem escrito no coração e, desta maneira, o reconhece como Bem.
Fé, Verdade e Tolerância – o Cristianismo e as Religiões do Mundo
A vitória do cristianismo sobre as religiões pagãs não foi realizada através de guerras, mas foi a vitória de uma proposta. No cristianismo o Deus pensado se deixa encontrar pelo Deus vivente. Daí nasce a grande novidade de uma síntese perfeita entre fé, razão (logos), caridade (ou ágape) e verdade (aletheia). Isto que levou o cristianismo a ser captado como verdadeira religião (religio vera).
Atualmente, a síntese cristã de racionalidade e religião não funciona mais; pode-se constatar que as duas realidades são tidas como antagônicas. Hoje está de volta a mentalidade neoplatônica de Porfírio e Símaco que repassaram a teoria pagã, segundo a qual se dizia que a verdade está escondida e somente existem opiniões. Símaco afirmava que não é possível alcançar um mistério tão grande como a verdade, através de uma única via.
A partir do séc. XVII se gera uma nova forma de racionalidade – a científica, que por sua vez relativiza tudo e separa radicalmente racionalidade e religião. Essa reviravolta sócio-política, econômica, filosófica, religiosa etc, provocou profundos impactos filo-teológicos em âmbito católico. Dentre as influências na teologia católica destacam-se: o pluralismo religioso que é sustentado pela teologia da libertação por meio do qual se afirma que Jesus é um dos mediadores da salvação. Isso tem por consequência o relativismo, consequências essas que se desdobram na missiologia, eclesiologia, hermenêutica bíblica e na sacramentária. Na dimensão missiológica passa se a gerar o seguinte conflito ocasionado pela pergunta: Se Cristo não é o único mediador ou salvador, para que a missão? A nível eclesiológico, considera-se que a Igreja não é necessária a salvação. Quanto à interpretação da Bíblia, sobre a sua letra é aplicada diretamente o método sociológico francês: ver, julgar e agir, que se contrapõem ao método bíblico que consiste na escuta (shemá) da Palavra. Outra distorção que acontece é que o centro da vida eclesial da CEBs não é a eucaristia, mas a Palavra. O relativismo em campo teológico também leva a abolir a cristologia. E abolir a cristologia conduz cada um a mudar a liturgia a seu bel-prazer.
Por causa das profundas e radicais diferenças de pensamento advindas deste contexto iluminista, pós-metafisico e laico se espalhou um eco de tolerância em todo o Ocidente. De acordo com essa concepção de tolerância em cada indivíduo há um fragmento da verdade. Diante desse contexto marcado pelo relativismo é importante destacar que no Cristianismo o primado do Logos e do amor se revelam idênticos. A razão verdadeira é o amor e o amor é a razão verdadeira. Nessa unidade se encontra o verdadeiro fundamento da realidade. Isso o iluminismo não pode oferecer, pois quando sua teoria evolucionista avança em campo ético somente pode oferecer indicações ligadas a seleção da espécie, que são bastante cruéis.
Segundo K. Ranner, como cristãos não podemos renunciar o cristianismo como a verdadeira religião. Assim, como modelo para continuar a dialogar com as culturas e religiões J. Ratzinger apresenta o pentecostes em que as culturas não são eliminadas, mas recapituladas em Cristo por meio da ação do Espírito Santo. Aí ele resgata a teoria das “sementes do Verbo” (Justino de Roma). Por isso no atual momento histórico nenhuma denominação religiosa pode dar a última palavra, porque a perspectiva não é o absorvimento de uma religião por outra, porém faz-se necessário um encontro entre as religiões que se acentue as diferenças plurais.
Neste contexto, a tolerância não deve ser entendida como uma equidade das verdades, pois Jesus não é um avatar de Deus, ele é o próprio Deus, a verdade, o ser. A fim de que a tolerância seja levada realmente a sério é preciso definir claramente alguns critérios:
· A universalidade do espírito humano – a ideia de liberdade e igualdade, por exemplo, são presentes no espírito humano em qualquer lugar ou cultura;
· Quando a Igreja entra em contato com as outras culturas não deve calar o âmago de sua fé;
· O paradigma de saída de cada cultura rumo a outras é um sair do particularismo já assinalado por Abraão.
Conclusão
Diante de um contexto social profundamente marcado por uma mentalidade: relativista, niilista, ateísta, pluralista que por sua vez exercesse profunda influência em campos – religioso, moral e ético, é importante conhecer as verdades que fundamentam a verdadeira religião, não com pretexto de combater apologeticamente as heresias como outrora fizeram Justino de Roma, Irineu de Lião, Agostinho e outros Padres mais. O objetivo de aprofundar esses conteúdos é entrar em contato com as outras culturas assumindo uma postura de autêntica tolerância; isso é dialogar com as culturas sem calar o âmago da sua fé.
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