09 abril 2012

O ESPIRITISMO INDEPENDENTE.

Uma carta, que nos foi escrita há algum tempo, nos falava do projeto de dar a uma publicação periódica o título de Journal du Spiritisme indépendant. Esta idéia, sendo evidentemente o corolário daquela do Espiritismo sem os Espíritos, vamos tentar colocar a questão sobre seu verdadeiro terreno.

Primeiro, o que é o Espiritismo independente? Independente de quê? Uma outra carta o diz claramente: é o Espiritismo livre, não só da tutela dos Espíritos, mas de toda direção ou supremacia pessoal, de toda subordinação às instruções de um chefe, cuja opinião não pode, tendo em vista que não é infalível.

Esta é a coisa mais fácil do mundo: ela existe de fato, uma vez que o Espiritismo, proclamando a liberdade absoluta de consciência, não admite nenhum constrangimento em matéria de crença, e que jamais contestou a ninguém, o direito de crer à sua maneira em matéria de Espiritismo como em toda outra coisa. Deste ponto de vista, nós mesmos nos achamos perfeitamente independentes, e entendemos aproveitar dessa independência. Se há subordinação, ela é, pois, toda voluntária; bem mais, não é a subordinação a um homem, mas uma idéia que se adota porque ela convém, que sobrevive ao homem se ela é justa, que cai com ele ou antes dele, se é falsa.

Para se libertar das idéias dos outros, é preciso necessariamente ter idéias em si; essas idéias, procura-se naturalmente fazê-las prevalecer, sem isto se as guardaria para si; proclamasse-as sustentasse-as defendesse-as, porque se as crê a expressão da verdade, porque admitimos a boa-fé, e não o único desejo de derrubar o que existe; o objetivo é reunir quanto mais partidários possível, e eis que aquele que não quer chefe se coloca ele mesmo em chefe de seita, procurando subordinar os outros às suas próprias idéias. Aquele que diz, por exemplo: "Não é preciso mais receber as instruções dos Espíritos," não emite um princípio absoluto? Não exerce uma pressão sobre aqueles que as querendo, delas desviam em receber?

Se funda uma reunião sobre essa base, dela deve excluir os partidários das comunicações, porque, se estes últimos estiverem em maioria, eles farão a lei. Se as admite, é que recusa obtemperar ao seu desejo, atenta liberdade que têm contra a de reclamar. Que inscreva sobre seu programa: "Aqui não se dá a palavra aos Espíritos," e então aqueles que desejarem ouvi-los ter-se-ão por dito e ali não se apresentarão mais.
Sempre dissemos que uma condição essencial de toda reunião Espírita é a homo-geneidade, sem o que há dissenção.

Aquele que a fundasse sobre uma base de rejeição das comunicações estaria em seu direito; se ali não admite senão aqueles que pensam como ele, faz bem, mas não é fundado dizer que, porque não o quer mais, ninguém o deve querer. Certamente, é livre para agir como o entende; mas se quer a liberdade para si, deve querê-la para os outros; uma vez que defende suas idéias e critica a dos outros, se for conseqüente consigo mesmo, não deverá achar mau que os outros defendam as deles e critiquem as suas.

Em geral, esquece-se muito de que acima da autoridade de um homem há uma à qual quem se coloca como representante de uma idéia não pode se subtrair: é à de todo o mundo; a opinião geral é a suprema jurisdição que sanciona ou derruba o edifício dos sistemas; ninguém pode se livrar da subordinação que ela impõe. Esta lei não é menos onipotente em Espiritismo. Quem fere o sentimento da maioria e a abandona deve esperar por isto ser abandonado; aí está a causa do insucesso de certas teorias e de certas publicações, abstração feita do mérito intrínseco destas últimas, sobre a qual freqüentemente se tem ilusão.

Não é preciso perder de vista que o Espiritismo não está enfrentado nem num indivíduo, nem em alguns indivíduos, nem num círculo, nem mesmo numa cidade, mas que seus representantes estão no mundo inteiro, e que entre eles há uma opinião dominante e profundamente recomendada; crer-se forte contra todos, porque se tem a aprovação dos que o cercam, é se expor a grandes decepções.

Há duas partes no Espiritismo: a dos fatos materiais, e a de suas conseqüências morais. A primeira é necessária como prova da existência dos Espíritos, também é aquela pela qual os Espíritos começaram; a segunda, que dela decorre, é a única que pode levar à transformação da Humanidade pela melhoria individual. A melhoria é, pois, o objetivo essencial do Espiritismo. É para o que deve tender todo espírita sério. Tendo deduzido essas conseqüências segundo as instruções dos Espíritos, definimos os deveres que essa crença impõe; o primeiro inscrevemos sobre a bandeira do Espiritismo: Fora da caridade não há salvação, máxima aclamada, em seu aparecimento, como o facho do futuro, e que logo deu a volta ao mundo em se tornando a palavra de união de todos aqueles que vêem no Espiritismo outra coisa do que um fato material.

Por toda a parte ela foi acolhida como símbolo da fraternidade universal, como uma garantia de segurança nas relações sociais, como a aurora de uma era nova, onde devem extinguir os ódios e as dissenções.
Compreende-se-lhe tão bem a importância, que já se lhe recolhem os frutos; entre aqueles que dela fazem uma regra de conduta, reinam a simpatia e a confiança que fazem o encanto da vida social; em todo Espírita de coração, vê-se um irmão com o qual se é feliz em encontrar-se, porque sabe-se que aquele que pratica a caridade não pode nem fazer nem querer o mal.

Foi, pois, de nossa autoridade particular que promulgamos esta máxima? E quando a tivéssemos feito, quem poderia achá-la má? Mas não; ela decorre do ensino dos Espíritos, que eles mesmos a hauriram nos do Cristo, onde ela está escrita com todas as letras, como pedra angular do edifício cristão, mas onde restou enterrada durante dezoito séculos.

O egoísmo dos homens evitou que saísse do esquecimento para pô-la em luz, porque teria proclamado sua própria condenação; preferiram procurar sua salvação nas práticas mais cômodas e menos incômodas. No entanto, todo o mundo havia lido e relido o Evangelho, e, com muito poucas exceções, ninguém tinha visto esta grande verdade relegada ao segundo plano. Ora, eis que pelo ensino dos Espíritos ela é subitamente conhecida e compreendida por todo o mundo.

Quantas outras verdades encerra o Evangelho, e que ressaltarão em seu tempo! (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XV.)
Inscrevendo no frontispício do Espiritismo a suprema lei do Cristo, abrimos o cami-nho para o Espiritismo cristão; fomos instituídos, pois, em desenvolver-lhe os princípios, assim como os caracteres do verdadeiro espírita sob esse ponto de vista.

Que outros possam fazer melhor do que nós, não iremos ao encontro, porque jamais dissemos: "Fora de nós não há verdade." Nossas instruções são, pois, para aqueles que as acham boas; são aceitas livremente e sem constrangimento; traçamos um caminho, segue-o quem quiser; damos conselhos àqueles que no-los pedem, e não àqueles que crêem poder passar sem eles; não damos ordens a ninguém, porque não temos qualidade para isto.

Quanto à supremacia, ela é toda moral e na adesão daqueles que partilham nossa maneira de ver; não estamos investidos, mesmo por aqueles, de nenhum poder oficial, e não solicitamos nem reivindicamos nenhum privilégio; não nos estipulamos nenhum título, e o único que tomamos com os partidários de nossas idéias é o de irmão em crença; se nos consideram como seu chefe é em conseqüência da posição que os nossos trabalhos nos dão, e não em virtude de uma decisão qualquer.

Nossa posição é aquela que todos podiam tomar antes de nós; nosso direito, aquele que todo o mundo tem de trabalhar como entende e de correr a chance do julgamento do público.

De que autoridade incômoda aqueles que querem o Espiritismo independente entendem, pois, se livrar, uma vez que não há nem poder constituído, nem hierarquia fechando a porta a quem quer que seja, uma vez que não temos sobre eles nenhuma jurisdição, e que, se lhes apraz sé afastarem de nosso caminho, ninguém pode constrangê-los a nele reentrar? Nós nos fizemos passar por profeta ou messias?

Tomariam, pois, a sério os títulos de grande sacerdote, de soberano pontífice, de papa mesmo com o qual a crítica aprouve nos gratificar?
Não só não nos os outorgamos, mas os Espíritas não no-los deram jamais. - É do ascendente de nossos escritos? O campo lhes está aberto, como a nós, para conquistarem as simpatias do público. Se há pressão, ela não vem, pois, de nós, mas da opinião geral que põe seu veto sobre o que não lhe convém, e que ela mesma sofre o ascendente do ensino geral dos Espíritos.

É, pois, a estes últimos que é preciso se prender, em definitivo, o estado das coisas, e é talvez muito o que faz que não se quer mais escutá-los. - São as instruções que damos?
Mas ninguém é forçado a elas se submeter. - Têm eles a se lamentar de nossa censura?
Nunca nomeamos a ninguém, a não ser quando temos a louvar, e nossas instruções são dadas sob uma for-ma geral, como desenvolvimento de nossos princípios, para o uso de todo o mundo. Aliás, se elas são más, se nossas teorias são falsas, em que isto pode ofuscá-los? O ridículo, se ridículo há, será para nós. Têm eles, pois, de tal modo no coração os interesses do Espiritismo, que temem vê-los periclitar entre nossas mãos? - Somos muito absolutos em nossas idéias?

Somos um obstinado com o qual nada se pode fazer? Pois bem! meu Deus, todos têm seus pequenos defeitos; nós temos o de não pensar ora branco, ora negro; temos uma linha traçada, e dela não nos desviamos para agradar a ninguém; é provável que assim o sejamos até o fim.

É nossa fortuna que se inveja? Onde estão nossos castelos, nossos carros de luxo e nossos lacaios? Certamente, se tivéssemos a fortuna que se nos supõe, não seria no entanto dormindo que ela teria vindo, e se bem que muitas pessoas amontoem milhões por um trabalho menos rude. - Que fazemos, pois, do dinheiro que ganhamos? Como não pedimos conta a ninguém, não temos a dá-las a ninguém; o que é certo é que não serve aos nossos prazeres. Quanto a empregá-lo para assalariar agentes e espiões, retornamos esta calúnia ao seu endereço.

Temos que nos ocupar de coisas mais importantes do que saber o que fazem tais ou tais; se fazem bem, não têm a temer nenhuma investigação; se fazem mal, isto os vê. Se é que ambicionam nossa posição, é no interesse do Espiritismo ou no seu?
Que a tome, pois, com todas as suas cargas, e, provavelmente, não acharão que isso seja uma sinecura tão agradável quanto o supõem. Se acham que conduzimos mal o barco, quem os impediu de tomar-lhe o governo antes de nós? e quem os impede ainda hoje? - Se lamentam de nossas intrigas para nos fazer partidários? Esperamos que se venha a nós e nós não vamos procurar ninguém; não corremos mesmo atrás daqueles que nos deixam, porque sabemos que podem entravar a marcha das coisas; sua personalidade se apaga diante do conjunto.

De um outro lado, não somos bastante vão para crer que seja por nossa pessoa que se liga a nós; evidentemente, é pela idéia da qual somos o representante; é, pois, a esta idéia que reportamos os testemunhos de simpatia que se quer muito nos dar.
Em resumo, o Espiritismo independente seria aos nossos olhos um contra-senso, uma vez que a independência existe de fato e de direito, e que não há disciplina imposta a ninguém. O campo de exploração está aberto a todo o mundo; o juiz supremo do torneio é o público; a palma é para aquele que sabe conquistá-la. Tanto pior para aqueles que caem antes de terem atingido o objetivo.

Falar dessas opiniões divergentes que, em definitivo, se reduzem a algumas individualidades, e não fazem corpo em nenhuma parte, não é, talvez dirão algumas pessoas, dar-lhe muita importância, amedrontar os adeptos em lhes fazendo crer em cisões mais profundas do que elas o são? não é também fornecer armas aos inimigos do Espiritismo?

É precisamente para prevenir esses inconvenientes que delas falamos. Uma explicação clara e categórica, que reduz a questão ao seu justo valor, é muito mais própria para tranqüilizar do que para amedrontar os adeptos; eles sabem a que se prenderem e nisto encontram ocasião dos argumentos para a réplica. Quanto aos adversários, eles muitas vezes exploraram o fato, e é porque lhe exageram a importância, que é útil mostrar o que ele é. Para mais ampla resposta, remetemos ao artigo da Revista de outubro de 1865, página 297, e mais especialmente à página 307.
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REVISTA ESPIRITA 1866

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