07 abril 2012

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO A DANÇA DO UNIVERSO, DE MARCELO GLEISER

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO
A DANÇA DO UNIVERSO, DE MARCELO GLEISER

Valdemar W.Setzer
vwsetzer@ime.usp.br – http://www.ime.usp.br/~vwsetzer
Campos do Jordão, 23/6/00 - versão 2.1 de 30/6/00

Introdução

Acabei de ler o excelente livro de Marcelo Gleiser, A Dança do Universo – dos Mitos de Criação ao Big-Bang (São Paulo: Companhia das Letras, 1997), que há muito estava em minha lista. Recomendo-o a todas as pessoas, pois trata-se de texto que aborda com escrita fascinante, simples e didática a importante história da Física e da Astronomia, que também é em grande parte a história do pensamento humano. Gleiser soube compor relatos claros sobre os mais importantes avanços científicos nessas áreas, abrangendo a história, interessantes aspectos biográficos de pensadores e cientistas que foram responsáveis por esses avanços, cobrindo desde a Grécia antiga até os tempos modernos, e uma tentativa de traçar paralelos entre as visões cosmogônicas atuais e os antigos mitos da criação. Coloco aqui algumas das anotações que fiz durante a leitura, que servem de comentários e críticas; creio que os assuntos são suficientemente relevantes para torná-los públicos através de meu "site". Tenho esperança que o autor venha a ler estas linhas, interesse-se por comentá-las e tenha tempo para isso. Nesse caso, obviamente comprometo-me a colocar suas opiniões ao lado destas. Aproveito também para escrever alguns dos conceitos de minha visão de mundo, certamente não comum e que não constam de outros artigos em meu "site".

É interessante que de há muito tenho me interessado pela história da Física e da Astronomia, e pelo pensamento científico a elas ligado, no sentido de conhecer esse pensamento, compreender melhor o mundo por meio dele, localizar seus problemas, entender sua influência sobre a visão de mundo da humanidade e buscar e desenvolver alternativas que o aperfeiçoem e ampliem. Acho que posso localizar a origem desse interesse quando, aos 21 anos (em 1961), cursando uma disciplina de Física Moderna, vi o mundo que eu esperava conhecer e compreender através da Física ruir no quadro-negro à minha frente. Foi a época em que comecei a procurar possibilidades de expandir a visão insatisfatória dada pela ciência tradicional, que havia buscado na escola de engenharia brasileira de maior prestígio na época, na tentativa de compreender - quem sabe, juvenilmente dominar o mundo. Dois anos depois, já no último ano da faculdade, fui um dos que tomou uma disciplina optativa de pós graduação sobre Mecânica Quântica, oferecida a alguns alunos de graduação, dada por Newton Bernardes. Curiosamente, ultimamente tenho me dedicado muito ao estudo de questões ligadas à biologia, no intuito de desmistificar as afirmações indevidas que estão sendo feitas em torno do DNA e do genoma, que abordarei muito sucintamente aqui, justamente devido à visão de mundo imposta por essas afirmações: a de que os seres vivos, e o ser humano em particular, são máquinas, com o que nunca pude concordar. Claramente, a Biologia está nesse caminho por influência da Física, que a precedeu nessa visão. Nesse sentido, foi muito interessante ler o capítulo de Gleiser "O Mundo como Máquina". Esta minha volta a antigos interesses na Física e na Astronomia representa um agradável interlúdio.

Talvez fosse interessante colocar inicialmente minha visão de mundo, a fim de se compreender a fonte de minhas concordâncias e discordâncias em relação às idéias de Gleiser. Em primeiro lugar, devo dizer que não tenho religião, no sentido de confissão. Isto é, não sou adepto de nenhuma religião estabelecida. Isso se deve ao fato de que procuro não acreditar em nada (bem, a única coisa em que acredito é que não acredito em nada...). Com isso, não posso admitir nem dogmas nem posições de fé. Minhas posições têm todas o caráter de hipóteses de trabalho, sempre sujeitas a revisão. Uma de minhas hipóteses fundamentais é a de que existem processos no universo que não são físicos ou químicos, isto é, não sou materialista, contrariamente a praticamente todos os cientistas modernos. Vou denominar simplesmente de "mundo não-físico" a sede de processos não-físicos; esse mundo, como o mundo físico, é obviamente estruturado, e em muitos casos permeia o último. Por exemplo, plantas, animais e seres humanos têm componentes não-físicos, sendo o mais "baixo" aquele que possibilita o fenômeno "vida", comum a esses reinos. Mas, como veremos, parece-me claro pelo estudo da Física Moderna que qualquer matéria deve ter uma essência não-física por detrás, isto é, o físico seria uma espécie de "condensação" do não-físico. Assim, posso caracterizar minha visão de mundo como realista-monista: para mim, a manifestação física é real e essencial, mas por trás dela existe sempre algo não-físico que, aliás, é sua origem. Por outro lado, por trás (ou na frente, para nossos sentidos...) de todo o não-físico existe algo físico. Só para ilustrar a referida necessidade, se nós não tivéssemos corpo físico não poderíamos ter desenvolvido a auto-consciência e a liberdade, e é devido à sua existência que podemos exercê-las.

A ciência comumente praticada hoje em dia é puramente materialista, isto é, parte do princípio que somente existem um universo e processos físicos (e químicos, redutíveis aos físicos; hoje em dia há até cientistas que consideram a Biologia como um ramo da Física). Como veremos, isso restringe enormemente seu campo de pesquisa e suas teorias.

Para mim, as religiões estabelecidas são em geral outras formas de materialismo, por considerarem o não-físico uma pura abstração (tradição judaica, que teve na antiguidade uma missão absolutamente essencial no desenvolvimento da humanidade) ou darem importância indevida à manifestação física (o que leva seus seguidores a usar roupas especiais no dia-a-dia, ou preocuparem-se demasiado com a comida, ou necessitarem de um local físico especial como igreja ou templo para exercerem sua religiosidade, usarem posturas corporais para conseguirem se interiorizar e observar supra-sensorialmente o não-físico, usarem drogas para atingir outros estados de consciência onde possam fazer essa observação, etc.), por fazerem orações em benefício próprio, e assim por diante. No entanto, posso dizer que tenho religiosidade, no sentido de procurar ter uma veneração pela Natureza e pelo ser humano, procurando em sua sabedoria infinita a manifestação de forças e entidades não-físicas.

Em segundo lugar, minha formação e atividade acadêmicas e científicas levam-me a querer compreender o universo físico e não-físico, e expressá-los conceitualmente. O misticismo caracteriza-se por expressar o não-físico, e procurar atingi-lo, por meio de sentimentos e não pelos pensamentos. Assim, não me considero um místico. Admito todos os fatos científicos, mas não admito muitos dos julgamentos que são formulados baseados nesses fatos ou em meras elocubrações teóricas. Por exemplo, dizer que a Terra tem 5 bilhões de anos é um julgamento que não posso admitir; esse número é baseado em extrapolações que nenhum engenheiro (minha formação original) ousaria usar em seus projetos, e não leva em conta que o universo e a Terra tiveram outrora condições - físicas e não-físicas - diferentes das de hoje. Parece-me muita pretensão achar que as leis físicas que podemos constatar hoje foram sempre as mesmas, e o são fora de nossas condições, por exemplo, nas estrelas - apesar do seu espectro luminoso revelar a existência dos mesmos elementos aqui existentes. Quem sabe a produção desse espectro "terreniza" a radiação que vem dessas estrelas? Com isso, não posso admitir grande parte das teorias cosmogônicas modernas.

Em terceiro lugar, é preciso esclarecer que, ao admitir como hipótese a existência de processos não-físicos, e admitir todos os fatos científicos, minha visão de mundo torna-se um superconjunto próprio da visão científica materialista corrente. Isto é, admito como válido tudo o que um cientista clássico materialista puder mostrar como fato científico, mas ele, como materialista, não pode admitir as minhas hipóteses e observações sobre o mundo não-físico. É curioso que esse tipo de cientista em geral diz: "só acredito no que vejo", mas ele quer ver ou compreender apenas as manifestações físicas, colocando-se dentro de um verdadeiro poço mental. Em particular, ele admite muita coisa que não vê, pois a ciência hoje é baseada fortemente em instrumentos que influenciam as experiências, não só no nível quântico, mas também pelo fato do instrumento ser construído sempre dentro de uma determinada teoria. Portanto, o que procuro é uma expansão do pensamento e da atividade científicos.

Em quarto lugar, minhas hipóteses da existência de processos e de mundos não-fisicos derivaram inicialmente de observações interiores que qualquer um pode fazer, usando uma Lógica aristotélica para concluir pela existência daqueles processos. Por falar em Aristóteles, ele mesmo observa, em Sobre a Alma, que o ser humano é capaz de entrar em contato com verdades absolutamente objetivas (isto é, independentes do observador) e eternas, como os conceitos matemáticos (o de circunferência, por exemplo). Com isso, ele concluiu, usando sua Lógica terrena, que devemos ter dentro de nós uma "alma" perecível (onde estão, por exemplo, nossos gostos e instintos individuais, que sumirão com nossa morte) e uma "alma" eterna, com a qual entramos em contato com aquelas verdades eternas. Isso é uma elocubração mental válida, mas há algo muito mais simples para cada um vivenciar dentro de si próprio. Sugiro ao leitor uma experiência mental, como chamou Gleiser as várias "Gedankenexperimente" que ele propôs; só que a minha não é de formulação de abstrações. O leitor deve fechar os olhos, procurando criar uma calma interior, sem ter sua atenção e pensamento atraídos por ruídos ou preocupações, e pensar em 2 números, por exemplo de 0 a 9. Em seguida, escolha um desses dois e imagine-o por alguns instantes como que projetado por um mostrador. É preciso fazer um esforço interior para concentrar o pensamento, nem que seja por alguns momentos, na imagem desse mostrador com o número escolhido. Pois bem, é uma vivência interior que qualquer um pode ter de que não há nada, absolutamente nada que imponha a escolha de um ou outro número. Se o leitor reconhecer que prefere um deles, pois é o número inicial de seu telefone ou residência, pode decidir escolher o outro. Não adianta vir uma filósofa, psicóloga, pesquisadora de cognição, neurofisióloga evolucionista ou outra pessoa qualquer dizer que há algo dentro de nosso cérebro que impõe a escolha - afinal, não será possível a essa cientista e nem a qualquer outro nos mostrar o fato científico que comprove essa sua afirmação. Não é essa a vivência interior que temos. Essa vivência é de absoluta liberdade na escolha de um dos dois números e de auto-determinação no sentido de concentrar o pensamento no mostrador. Ora, liberdade não pode advir de leis físicas ou da matéria. Muitos cientistas diriam que o processo é aleatório, isto é, a escolha foi aleatória e não desejada, imposta por nós mesmos. Mas não é essa a nossa vivência interior: quem acha que seu comportamento é aleatório nessa experiência e na vida comum? Por outro lado, não conseguimos imaginar nenhuma máquina concreta ou abstrata que seja auto-determinada. Máquinas podem ser deterministas (como os computadores digitais, fonte essencial de sua utilidade, senão não poderíamos confiar em seus resultados como processadores de símbolos) ou aleatórias. No primeiro caso, seguem sempre um programa previamente determinado; elas não podem auto-determinar sua próxima instrução, estão condenadas a seguir o programa inexoravelmente. No segundo caso, o resultado é imprevisível, sendo que em alguns casos ele pertence a um conjunto finito de resultados ou estado possíveis (quando a máquina é digital).........

O restante deste texto encontra-se em
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/danca-univ.html

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