17 fevereiro 2010

REFLEXÃO SOBRE FÉ E RELIGIÃO

"... os homens serão verdadeiramente religiosos, racionalmente religiosos sobretudo..."
A Gênese, cap. XIII, item 19.

O olhar filosófico diante do piloti científico, legado pela metodologia racional empregada pelo célebre Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, enseja resultados religiosos, porquanto alarga o discernimento do sujeito que reflete, permitindo-lhe albergar em si cosmovisão amplificada.
A fé, desse modo, vai-se solidificando, a pouco e pouco, negando quaisquer métodos hipnóticos ou atitudes que visem proselitismo vulgar.
Quando a crença é impingida por alguém que se julga iniciado, não logra penetrar raízes n'alma, fazendo com que, logo mais, a persona religiosa, piedosa e crente se estilhace, dela irrompendo o homem velho que nunca deixou de existir.
Sob a mais impecável ótica positiva, Immanuel Kant, observando o fenômeno religioso, a posteriori aduziu ao pensamento humano, a existência de duas formas de religião bem definidas, alicerçadas nos interesses dos fiéis e de seus líderes:
A religião da petição de favor, assim nomeada pelo filósofo iluminista, organiza-se visando favores da divindade, não possuindo dinâmica engrandecedora para a criatura. Segundo Kant, a partir dessa modalidade religiosa, surge a fé dogmática, na qual não se exige a reflexão do fiel, mas sua adequação mental, tendo como moldes as "verdades" estabelecidas por seus condutores. A religião moral, por outro lado, prioriza a boa condução na vida, prescrevendo o tornar-se melhor. Nesse campo religioso, de antemão, se concebe um Deus que auxilia, mas ao fiel cabe empreender esforços para fazer-se merecedor da ajuda celeste.
Fruto da religião moral, a fé que reflete opõe-se à fé dogmática, prezando o ser em sua capacidade de discernir, nunca ferindo seu livre arbítrio, facultando-lhe crescimento e libertação perante as amarras da ignorância.
Hodiernamente, percebemos, alardeados pela mídia e procurado por muitos, um sem número de rótulos religiosos que se ajustam ao conceito kantiano em relação à religião da petição de favor. Crenças dessa índole não vêem necessidade da melhoria íntima da criatura humana, bastando realizar as ofertas pecuniárias e as rezas próprias para cada favor almejado, seja a remissão de pecados, seja um qualquer bem material.
Utilizando-se desse atávico pensamento humano diante do transcendente, grande número de oportunistas, esquecendo-se das promessas frente ao ideal do Mestre, quando na erraticidade, há pouco tempo, arvoram-se em "pastores do rebanho de Deus", tornando-se, em verdade, estelionatários da fé, pois com o campo de atuação amplificado pelos meios eletrônicos, lançam mão de expedientes reprocháveis, a fim de concretizar o que podemos chamar de simonia pós-moderna.
Conhecendo as propostas luminíferas da Doutrina Espírita e levando em conta as classificações kantianas, em relação às formas de compreensão do religioso, vemo-la como perfeito arcabouço teórico-prático de finalidade religiosa que, indubitavelmente, é possuidora de caráter moral, geradora de fé racional, coerentemente adquirida através de ação reflexiva. Ao profitente é dada a tarefa de conhecer as Leis do Criador, conhecer-se na condição de co-criador e, a partir disso, buscar trilhar o melhor caminho para alcançar a sabedoria e a felicidade daí advindas.
À criatura que procura instruir-se com o saber teórico, compreendendo conceitos forjados pelas mais lúcidas mentes da humanidade, encarnadas ou não, é facultada uma elevada compreensão de Deus, da natureza e do Espírito.
Adita-se, na religião moral, nesse caso o Espiritismo, a necessidade da iluminação do fiel, adquirida nos campos de atuação da vida, no cotidiano das lutas ásperas, nas dificuldades constantes, pondo em prática seus saberes, demonstrando sua transformação interior. Iluminada, a criatura esparge beleza, ternura e amor, virtudes angariadas pela alma que se alça à moral do Cristo em cada atitude.
A fé que reflete, proposta pela Doutrina Consoladora, é essencialmente concreta, fortalecida pela razão que a elabora sobre bases firmes, porquanto se forja no interior do ser e não em sua superfície.
A fé construída no íntimo, a partir da diretiva moralizante, descrucifica Jesus, visto que não necessita de seu martírio para redimir pecados, ou plasmar complexos de culpa perturbadores.
A fé que reflete se apóia na mensagem do Cristo, nas Suas ações, pois tem Nele o mais puro exemplo de como bem proceder, percebendo-O como Entidade Solar, sublime Modelo e Guia de toda a humanidade.

Cristian Macedo
(Jornal Mundo Espírita )

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