Luiz Antonio Gasparetto seguiu caminho oposto ao de Waldo Vieira, realizando um percurso que é emblemático do carnavalesco, termo empregado aqui tal como utilizado por Da Matta (1981). Sua trajetória segue, em princípio, o mesmo modelo acima observado: a primeira fase é marcada por forte influência de Chico Xavier e da Federação Espírita Brasileira; a segunda envolve o desenvolvimento de um percurso voltado à inovação, prática que, "pelas artes do sincretismo", se concretiza por meio da incorporação de idéias e práticas de auto-ajuda e do universo da chamada Nova Era.
Este é, portanto, um percurso que implica, como no caso anterior, em distanciamento da tradição, embora não configure, como no caso de Waldo Vieira, um total rompimento com o Espiritismo.
Os anos 80 constituem nesse caso o marco da mudança. Por essa época Luiz Gasparetto realizou uma série de viagens à Europa e aos Estados Unidos com a finalidade de promover a divulgação do Espiritismo. As sessões públicas de pintura mediúnica e programas de TV de que participou lhe permitiram observar a atuação de outros médiuns. Numa dessas viagens esteve também em Esalem, o centro new age da Califórnia (EUA), onde entrou em contato com idéias e práticas de diversos sistemas de conhecimento, especialmente com o então chamado "pensamento positivo" e técnicas de psicoterapia corporal. De volta ao Brasil, Luiz Gasparetto começou a se indispor com a Federação Espírita Brasileira. O alvo principal de suas críticas era dirigido ao moralismo espírita, manifesto, entre outros, no tratamento de certos temas, sexo e dinheiro, por exemplo.
Quando viajo para o estrangeiro e converso com os médiuns, os espíritos conversam abertamente de sexo e seus problemas. Aqui não. No Brasil nenhum espírito toca nesse assunto [...]. Aqui só dizem: "vai tomar passe, vai tomar passe!" [...] "apesar dos espíritos terem tentado passar uma mensagem libertadora, aqui os médiuns eram católicos e a linguagem que usaram era própria de sua estrutura mental. Passou o que foi possível. O resto ficou cheio de catolicismo. (Apud Stoll, 1999: 46)
Pouco tempo depois, aliando sua formação de psicólogo à experiência mediúnica, Luiz Gasparetto acabou criando um espaço alternativo de trabalho. Inaugurado em São Paulo nos anos 80, o Espaço Vida e Consciência passou a integrar o circuito dos espaços neo-esotéricos da cidade. Suas atividades regulares são cursos e palestras, às quais se somam shows e workshops, realizados eventualmente.
Por muitos anos Luiz Gasparetto se dividiu entre essas atividades e o exercício da prática da pintura mediúnica no centro Os Caminheiros, dirigido pela sua mãe, Zíbia Gasparetto. Por mais de dez anos a complementaridade definiu o trabalho realizado nesses dois espaços. Ou seja: no centro as atividades obedeciam ao padrão espírita tradicional (realização de sessões públicas de pintura mediúnica e aconselhamento; manutenção de uma creche a título de trabalho de caridade; destinação dos recursos financeiros, oriundos das atividades mediúnicas da família, para esta última); por sua vez, no Espaço Vida e Consciência, local definido como de exercício de atividade de cunho profissional, predominava a realização de atividades em caráter experimental, destacando-se entre estas, cursos e práticas voltados à questão da auto-ajuda. Com essa perspectiva Luiz Gasparetto explorou, nesse "espaço", as mais diversas linguagens. Além de novos usos dados à pintura mediúnica, como o de objeto de cenografia para seus shows, verifica-se a utilização de práticas discursivas diversas, incorporando-se ao seu repertório o uso da música, da expressão corporal, de técnicas de relaxamento e do psicodrama, bem como da representação teatral.
A divulgação das atividades desenvolvidas nesses dois "espaços" contou com recursos diversos de mídia, destacando-se dentre eles os programas de rádio que nos últimos anos passaram a ser diários. Protagonizados pelo próprio médium, Luiz Gasparetto, nos últimos anos estes passaram a contar, às segundas-feiras, com a participação de Zíbia Gasparetto, mãe de Luiz, cuja presença tem sido uma constante nas listas dos livros de auto-ajuda ou não-ficção mais vendidos.
Essa duplicidade dos "espaços" e das atividades desenvolvidas – uma caracterizada como profissional, a outra como mediúnica – manteve-se por mais de uma década, tendo sido preservada, em larga medida, em função da restrição dos espíritas quanto à remuneração da atividade mediúnica.
Como outras já citadas, essa reinterpretação espírita da tradição cristã tem em Chico Xavier um modelo exemplar. Tensões crescentes em relação a esse modelo, moral e ético, levaram afinal a família Gasparetto ao rompimento com a prática institucional espírita, fato consumado em 1995, quando se decidiu encerrar as atividades do centro Os Caminheiros. Essa decisão, assumida publicamente como resultado da "orientação dos espíritos", abriu caminho para se promover, com mais liberdade, o uso da mediunidade com fins lucrativos. Um primeiro passo nessa direção fora dado anteriormente, quando se decidiu fechar a editora do centro Os Caminheiros. A abertura de um novo selo, desvinculado do centro, tornou possível a apropriação dos direitos autorais de livros psicografados, prática condenada na tradição espírita. "Podemos fazer uma mediunidade moderna", disse Gasparetto numa de suas palestras, sintetizando nessa fala a possibilidade do médium fazer uso da mediunidade visando o seu próprio bem-estar (inclusive financeiro), além de utilizá-la para a orientação dos indivíduos na solução de seus problemas cotidianos.
Esse afastamento do ideal kardecista da caridade caracteriza um deslizamento significativo com relação à tradição. A essa prática soma-se ainda, neste caso, a reintepretação da noção de karma de uma forma mais positiva, permitindo assim a passagem da ética da caridade – que implica a noção de doação como sacrifício – para a ética da prosperidade – tema do repertório neo-esotérico e de auto-ajuda, que tem como objeto a questão do bem-estar dos indivíduos, aqui e agora.
O percurso trilhado por Luiz Gasparetto descreve, portanto, um modo particular de produção da inovação da tradição espírita, sem implicar um total rompimento com esta, como no caso de Waldo Vieira. Isso porque o uso da mediunidade em moldes espíritas continua sendo a forma de produção da mediação entre este e o "outro mundo", prática religiosa que se mantém como fonte de autoridade das práticas e idéias que o grupo sustenta. Trata-se, portanto, de um outro modo de "ser espírita" menos convencional, menos constrangido pelo moralismo católico, mais afeito ao experimentalismo no que diz respeito ao uso de linguagens, de técnicas de comunicação, e mais voltado às questões de ordem psicológica.
Retomando, enfim, o argumento de início, esse "sistema de personagens" sugere serem diversos os modos de produção da fragmentação do campo espírita, que a colocam, cada um a seu modo, a tradição sob "riscos empíricos" (cf. Sahlins, 1990). Um dos resultados produzidos é o alargamento do campo das interlocuções estabelecidas: os casos apresentados sugerem um processo de redefinição das margens de trânsito, confronto e aliança, tanto dentro como fora do campo religioso. No que se refere ao aspecto da crítica ao sincretismo católico, este movimento se coaduna com o que alguns autores observam em relação a certos segmentos do Candomblé28. No entanto, as respostas apresentadas pelo Espiritismo parecem ter um espectro mais amplo, uma vez que estas incluem tanto projetos que visam o distanciamento completo de um viés religioso – caso dos grupos que, a exemplo de Waldo Vieira, buscam uma reaproximação da ciência , como grupos ou movimentos que buscam a renovação das idéias e práticas espíritas por meio do amálgama de possibilidades que oferece o chamado universo neo-esotérico. Desse segundo movimento emerge um aspecto inovador, que consiste na abertura de um novo campo de diálogo no interior do campo religioso, na medida em que o ideário da prosperidade se apresenta como moeda moral que agrega segmentos tradicionais e novos do campo religioso, dentre eles, certas correntes do universo neo-esotérico, do Espiritismo e das religiões neopentencostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus.
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar certas configurações recentes do Espiritismo no Brasil. Tomando como ponto de partida a bibliografia produzida sobre o tema, chama-se atenção, em primeiro lugar, para a omissão desta quanto às relações estabelecidas entre o Espiritismo e o Catolicismo; em seguida, deslocando o foco para a situação contemporânea, analisa-se as novas interlocuções que vêm sendo estabelecidas pelo Espiritismo como estratégia de inovação da doutrina. Baseada em estudos de caso, essa discussão se constitui em torno de três personagens – Chico Xavier, Waldo Vieira e Luiz Antonio Gasparetto –, os quais sintetizam, por meio de seus percursos pessoais, formas diversas de expressão e/ou contestação da "tradição" espírita
Sandra Jacqueline Stoll
Professora do Departamento de Antropologia – UFPR
Estava precisando desse texto. Sempre me perguntei sobre o porquê do rompimento do Waldo com o espiritismo, e também o porquê de tanta espetacularização da família Gaspareto.
ResponderExcluirEram dúvidas que eu não conseguia responder. Este texto, aparentemente técnico, seguindo a linha do estudo das religiões, serviu como resposta imparcial a esta questão. Adorei!!!
Não temos como negar a inteligência de Gasparetto e Zíbia. Também não aprecio criticar os caminhos escolhidos por terceiros para a busca da paz e do conhecimento interior. Mas creio piamente que para mim, não é buscando fama, dinheiro e reconhecimento acima de tudo, que alcançarei a iluminação. Respeito Gasparetto e Zíbia mas o seu "modus operandi" não se adequa ao meu.
Outra coisa, gostaria que você publicasse algo sobre o Waldo. Porquê ele rompeu com o Espiritismo? Quando tento entendê-lo fico quase louco, pois a nova forma de falar que ele desenvolveu parece que foi feita ,não para esclarecer, mas sim para humilhar os outros. Pois ele falando em português mas parece que está falando em íindiche, aramaico ou iorubá. Sinto-me burro!!!
Abraços Blog de Um Brasileiro
No inicio do artigo a autora esqueceu de colocar a busca veemente pela fama e pelo dinheiro,fato que respeito,pois cada um faz o que quer com sua vida e segue o caminho que lhe apraz;só que a Zíbia esqueceu tudo que aprendeu com o espiritismo,e preferiu ganhar dinheiro com o que de graça recebeu.Graças a Deus que se diz,e ele também não espíritas."A semeadura é livre,mas a colheita é obrigatória".
ResponderExcluirO que pega de verdade é que Zíbia e Luiz não estão preocupados com a opinião dos espíritas nem de qualquer outra pessoa. Se separaram do espiritismo para poderem fazer do jeito deles. Serem livres! Eles decidiram viver na pobreza como vivia Chico Xavier. São apenas escolhas. Não vejo motivos para julgamentos, rotulações, debates sobre o tema. Quem afinal vai arcar com as consequências seja quais forem? São eles! Vocês podem escolher se compartilham das mesmas idéias,se vão escutá-los ou lê-los, se vão comprar seus livros ou assistir suas palestras até porque nunca cobraram dízimos ou mensalidades,nem passaram sacolinha. E até hoje não vi alguém criticá-los com propriedade, só repetem como papagaios o que ouviram a vida toda sem questionamentos.Blá Blá Blá! Acho o máximo que eles tenham dado um chute bem grande nos espíritas chatos (nem todo espírita é chato!)e toda a sua teoria retrógrada e seus métodos arcaicos. Adoro sabê-los livres,leves e soltos e sem dívida alguma!!!!!!! Adoro ver tanta gente esperneando e eles vivendo suas próprias verdades,sem dar o mínimo para o que as pessoas pensam e falam!!!Aí moçada, vira o disco!!!!!!!!
ResponderExcluirA respeito do comentário acima , de 10/03/2015, não acho ser uma questão de virar o disco ou de não debater sobre o tema pois o Gasparetto sempre fala do espiritismo, da Doutrina (Espírita) dando a sua opinião a respeito do que não concorda. Já ouvi bastante coisa (que julguei) legal do Gasparetto mas tudo muito misturado com outras ideias (pra mim) nada a ver. Eu dúvido que os mentores nunca tenham falado nada pra ele quando ele decidiu mudar de rumo (nunca ouvi ele comentar a respeito disso). O Calunga fala muita coisa legal mas dizer como ele disse pro Gasparetto q se fosse pra continuar daquele jeito era melhor ele se matar e voltar pro lado de lá é um absurdo sem tamanho. E ao ouvir mais recentemente o Gasparetto falar sobre esses filhos da luz (ouvi inclusiva que Kardec faz parte da equipe do Maua...quem quiser que acredite) e essa técnica do bicho interior q ele aplica e q garante q resolve... acho q ele não garante mais pq ouvi mais recentemente ele falar q nem tudo se resolve tão rápido como ele gostaria e que ele aprende com fracasso (p mim ele tava falando a respeito disso).
ResponderExcluirAdmiro a inteligência dele, admiro a confiança dele mas acho q essa confiança toda (o remédio na dose errada é veneno) e essas ideias dos guias acabou cegando ele... Também acho insano desconsiderar Jesus e o q ele nos ensinou .