15 dezembro 2008

A ESSÊNCIA DA CIVILIZAÇÃO ISLÂMICA

1 - A Essência da Civilização Islâmica
É incontestável que a essência da civilização islâmica é o Islam, como também é indiscutível que a essência do Islam é o tauhid, o ato de afirmação de que Deus é Único, o Criador absoluto e transcendente, Senhor de tudo o que existe. Essas duas premissas fundamentais são evidentes. Elas jamais foram questionadas por aqueles que pertenceram a essa civilização ou dela participaram. E só muito recentemente têm sido objeto de dúvida, por parte de missionários, orientalistas e outros pretensos intérpretes do Islam. Seja qual for o seu nível de educação, os muçulmanos estão evidentemente convencidos de que a civilização islâmica possui, de fato, uma essência, de que esta é cognoscível, suscetível de análise e discrição, e de que essa essência é o monoteísmo, ou seja, aquilo que proporciona à civilização islâmica uma identidade, o que une todos os seus componentes, tornando-os num corpo integrado e orgânico, que denominamos civilização. Ao aglutinar elementos díspares, a essência da civilização - neste caso, o tauhid - molda-os ao seu feitio. Lapida-os, de modo a harmonizá-los com os outros componentes, de maneira que passem a servir de suportes mútuos. Sem necessariamente lhes alterar a natureza, a essência transforma esses elementos, que compõem uma civilização, dando-lhes uma nova feição, como constituintes que são daquela civilização. A gama de reformulações pode variar levemente o radical, dependendo de quão relevante seja a essência para os diferentes elementos e para as suas funções no todo. Essa relevância destacava-se nitidamente, no raciocínio dos observadores muçulmanos dos fenômenos civilizadores. Foi por isso que eles adotaram o tauhid como título das suas mais importantes obras, submetendo todos os temas à sua égide. Consideraram o tauhid como o mais fundamental de todos os princípios, que insere ou determina os demais princípios, vendo nele o manancial, a fonte primordial, que determina todos os fenômenos da civilização islâmica. Tradicional e sinceramente, o tauhid é a convicção e o testemunho de que "não há outra divindade além de Deus". Essa afirmação negativa, sucinta ao limite extremo da brevidade, comporta os significados mais profundos e ricos de todo o Islam. Às vezes, toda uma cultura, toda uma civilização, ou toda uma história, se encontra condensada em uma única frase. Este é, certamente o caso da cálima (manifestação) ou do chahada (testemunho) do Islam. Toda a diversidade, riqueza, história e cultura e todo o conhecimento, toda a sabedoria e civilização do Islam estão condensados nesta mais curta das frases: "la iláha illa Allah"
O Tauhid Como Essência da Visão do Mundo
O tauhid é uma visão geral da realidade, da verdade, do mundo, do espaço e do tempo, da história da humanidade. Como tal, compreende os seguintes princípios:
Dualidade
A realidade tem duas naturezas genéricas: a divina e a profana; a do Criador e a da criatura. A primeira natureza tem um único constituinte, Deus, o Absoluto e Onipotente. Somente Ele é Deus, Eterno, Criador, Transcendente. Nada se Lhe assemelha; Ele permanece eterna e absolutamente Único e não tem parceiros, nem associados. A segunda natureza é a ordem do espaço-tempo, da experiência, da criação. Inclui todas as criaturas, o universo das coisas: plantas e animais, dos seres humanos, gênios e anjos, os céus e a terra, Paraíso e Inferno e todo o processo de formação disto tudo, desde que foi criado. As duas naturezas, a do Criador e a da criação, são total e completamente diferentes entre si, quanto à espécie ou ontologia, bem como no que diz respeito às suas existências e propósitos. Será sempre impossível que uma seja unida, fundida, associada ou mesclada à outra. Nem poderá o Criador ser ontologicamente transformado na criatura, nem a criatura transcender e transfigurar-se para tornar-se, de alguma forma ou sentido, no Criador.
Conceptibilidade
A relação entre essas duas naturezas da realidade é concepcional por natureza. O seu ponto de referência, no ser humano, é a faculdade racional. Como órgão preservador do conhecimento, a sua capacidade de raciocínio e racionalização abrange todas as funções orgânicas de memória, imaginação, dedução, observação, intuição, preocupação, e assim por diante. Todos os seres humanos são dotados de raciocínio e compreensão. Esse dom é forte o suficiente para lhes permitir a percepção da vontade de Deus de um ou ambos os modos: quando essa vontade é manifestada em palavras, diretamente, por Deus, ao homem, e quando essa vontade divina é dedutível, através da observação da criação.
Teleologia
A natureza do universo é teleológica, isto é, determinada para servir a algum fim do seu Criador, fazendo-o de acordo com um desígnio. O mundo não foi criado em vão, nem por divertimento. Não é obra do acaso ou acidente de percurso. Ele foi criado em condições perfeitas. Tudo o que há, existe em proporção e na medida adequada, e cumpre um certo propósito universal. O mundo é, na verdade, um "cosmo", uma criação ordenada, e não um "caos". Nele, sempre se realiza a vontade do Criador. Os seus padrões são preenchidos pela necessidade da lei natural. Pois elas (as leis naturais) estão sempre inseridas na própria essência das coisas. Nenhuma criatura, além do homem, age ou existe, de forma ou modo diferente daqueles que lhe foi atribuído pelo Criador. O homem é a única criatura na qual a vontade de Deus é manifestada sem compulsão, mas sim com o consentimento individual do próprio homem. As funções físicas e psíquicas do homem são parte da sua natureza, e portanto, obedecem às leis que lhe dizem respeito, com a mesma necessidade de todas as outras criaturas. Mas, as funções espirituais, especificamente a racionalidade e a moralidade, escapam ao domínio da natureza predeterminada. Dependem do seu possuidor e seguem a sua determinação. O cumprimento da vontade divina, pelo ser humano, tem valores qualitativamente diferentes dos do cumprimento compulsório, pelas outras criaturas. O preenchimento obrigatório, no homem, se restringe aos valores elementares e utilitários, cabendo à sua moralidade o cum-primento daqueles que lhe são facultativos. Entretanto, os propósitos morais de Deus, os Seus mandamentos ao homem, possuem um fundamento no mundo físico, e, portanto, possuem também um aspecto utilitário. Mas não é isto o que lhes confere uma qualidade distinta, a de serem morais. É precisamente o aspecto de que tais mandamentos possam ser cumpridos por opção livre, incluindo, por isso, a possibilidade de serem violados, o que proporciona a dignidade que atribuímos às coisas, que chamamos de "morais".
A Capacidade do Homem e a Maleabilidade da Natureza
Uma vez que todas as coisas foram criadas com um propósito, a realização desse propósito deve ser possível, no espaço e no tempo. Caso contrário, não haveria como escapar do ceticismo. A própria Criação e os processos do espaço e do tempo perderiam a sua razão e o seu significado de ser. Sem essa possibilidade, a taklif, ou obrigação moral, tudo cai por terra; e, na sua queda, destrói o determinismo de Deus ou do Seu poder. A realização do absoluto, ou seja, da razão divina de ser da criação, tem de se tornar possível historicamente, isto é, nos limites do tempo, entre a criação e o Dia do Juízo Final. Uma vez que está sujeito à ação moral, o homem deve, portanto, ser capaz de se reformular a si mesmo, os seus companheiros ou a sua comunidade, a sua natureza ou o seu ambiente, de modo a corresponder plenamente ao padrão divino, ou em conformidade com o mandamento divino, por si próprio, bem como pelos demais. Como objeto da ação moral, o homem, bem como seus semelhantes e o ambiente, devem ser capazes de receber a ação eficaz do homem, seu sujeito. Essa capacidade é o inverso da capacidade moral do homem de agir como sujeito. Sem ela, a capacidade de ação moral do homem seria impossível, e a natureza determinada do universo cairia por terra. Mais uma vez, não haveria como escapar da misantropia. Para que a criação tenha um objetivo - e isto é uma idéia necessária, se é que Deus é Deus e Sua obra não é uma obra do acaso e sem sentido -, então a criação deve ser maleável, reformável, capaz de transformar as suas substâncias, sua estrutura, suas condições e relações, de maneira a incorporar ou concretizar o padrão ou o propósito humano. Isto é igualmente verdadeiro para toda a criação, inclusive para a natureza física, psíquica e espiritual do homem. Toda a criação é capaz de alcançar aquilo que deve ser que é a vontade e o padrão de Deus, o absoluto, neste espaço e neste tempo.
Responsabilidade e Arbítrio
Se o homem tem a obrigação de se reformular a si próprio, à sua sociedade e ao seu meio-ambiente, de modo a corresponder ao padrão divino, e é capaz de fazê-lo - e se tudo o que é meta dos seus atos é maleável e capaz de se moldar a eles e incorporar os seus objetivos - entende-se, então, que, por necessidade, ele é responsável. A obrigação moral é impossível, sem a responsabilidade ou o arbítrio. A não ser que o homem seja responsável e a não ser que tenha de prestar contas dos seus atos, o cinismo se tornará então, inevitável. O arbítrio, ou a consumação da responsabilidade, é a condição necessária da obrigação moral, o imperativo da moralidade. Isto flui da própria essência da "normatividade". Não importa se a prestação de contas ocorre dentro dos limites de espaço-tempo ou no seu final, ou em ambas as fases; resta o fato de que ela deve ocorrer. Obedecermos a Deus, ou seja, cumprirmos os Seus mandamentos e correspondermos ao Seu padrão, é alcançarmos o faláh, ou êxito, felicidade, bem-estar. Não fazemos, desobedecendo-Lhe, é incorrermos em castigo, sofrimento, infelicidade e nas agonias do fracasso.2 - Os Princípios da Estética
Transcendência em Estética
O tauhid (monoteísmo), a essência da crença islâmica, significa a separação ontológica da deidade quanto a todo o reino da natureza. Tudo quanto está na criação é a criatura, não-transcendente, sujeita às leis do espaço e tempo. Nada nela pode ser Deus ou divino, em nenhum sentido, em especial no ontológico. Deus é totalmente diverso da criação, totalmente diverso na natureza e, então, transcendente. Ele é o único ser transcendente. Indo mais além, o tauhid assevera que nada é igual a Ele. Se, então, nada na criação pode ser a imagem ou símbolo de Deus, nada pode representá?Lo. De fato, Ele é, por definição, irrepresentável. Deus é Aquele do Qual nenhuma representação estética é possível - seja ela sensória ou não. A arte é o processo de se descobrir, em meio à natureza, aquela essência metanatural, e se representar nela uma forma visível. É evidente que a arte não é a imitação da natureza criada; nem a representação sensorial da natureza, dos objetos cuja "naturação" ou a realidade natural esteja completa. Uma representação fotográfica que reproduza o objeto como ele é talvez tenha o seu valor para ilustração ou documentação, para o estabelecimento da identidade. Mas como obra de arte é sem valia. Arte é a leitura, na natureza, de uma essência que é não-natureza, e o acréscimo a essa essência da forma visível que lhe é própria. O tauhid não é contra a criatividade artística; nem tampouco é contra o enleio quanto ao belo. Pelo contrário, ele bendiz o belo, e o promove. Ele vê a absoluta beleza somente em Deus, na Sua vontade e nas Suas palavras reveladas. De acordo com isso, o artista muçulmano foi prestes em criar uma nova arte que beneficiasse o seu ponto de vista. Começando da premissa de que não há outra divindade além de Deus, o artista muçulmano está convencido de que nada na natureza pode representar ou exprimir Deus. Portanto, ele estilizou todas as coisas da natureza que O representassem; ou seja, através da estilização, ele as retirou da natureza, tanto quanto possível. De fato, o objeto da natureza foi de tal modo dela retirado, que se tornou quase irreconhecível. Nas suas mãos, a estilização foi um instrumento negociativo pelo qual ele disse "Não!" a tudo que fosse natural, à própria criação. Ao negar categoricamente a sua naturalidade, o artista muçulmano exprimiu, de visível, o aspecto negativo da chaháda, isto é, nenhum outro além de Deus é Deus. Essa chaháda do artista muçulmano é deveras equivalente à negação da transcendência, na natureza. O artista muçulmano não parou aí. Sua investida criativa aconteceu quando começou a compreender que exprimir Deus numa figura da natureza é uma coisa, e exprimir?Lhe a inexpressibilidade nessa figura é outra. Conscientizar-se de que Deus é visualmente inexprimível, é o mais elevado objetivo estético possível para o homem. Deus é o absoluto, o sublime. Julgarmo?Lo irrepresentável por meio de nada existente na criação é afirmarmos seriamente a sua absoluteza e sublimidade. Contemplarmo?Lo, na nossa imaginação, como desigual a tudo o que há na criação é contemplarmo?Lo como "belo, diferentemente de qualquer outro objeto que seja belo". A inexpressibilidade divina é um atributo divino cujos significados são: infiniteza, absoluteza, ultimação ou incondicionamento, ilimitabilidade. O infinito é, em todos os sentidos, o inexprimível. Na busca desta linha de pensamento islâmico, o artista muçulmano inventou a arte da decoração, e a transformou no "arabesco", um desenho que se estende em todas as direções infinitamente. O arabesco transfigura o objeto da natureza que ele decora - seja tecido, metal, parede, vaso, teto, pilar, janela ou páginas de um livro - num padrão sem peso, transparente e flutuante, estendendo?se infinitamente em todas as direções. O objeto da natureza não é ele mesmo, mas é "transubstanciado". Tornou?se apenas um campo de visão. Esteticamente falando, o objeto da natureza tornou?se, sob o tratamento arabesco, uma janela para o infinito. Contemplarmo?lo como sugestivo de infinidade é reconhecermos um dos significados da transcendência, o único dado, embora apenas negativamente - para a representação sensorial e a intuição. Isso explica porque a maior parte das obras de arte produzidas pelos muçulmanos era abstrata. Mesmo quando as figuras de plantas, de animais ou de humanos eram utilizadas, o artista as estilizava adequadamente, para negar a sua criaturabilidade, para negar que qualquer essência sobrenatural residia nelas. Nesse trabalho, o artista muçulmano foi ajudado pelo seu legado linguístico e literário. Para o mesmo fim, ele desenvolveu a escrita árabe, para fazer dela um arabesco infinito, estendendo, inampliavelmente em qualquer direção, à escolha do calígrafo.
A Consciência Árabe - Substrato Histórico do Islam
O principal instrumento da consciência árabe da corporificação de todas as suas categorias é a língua árabe. Em essência, a língua árabe é constituída principalmente de raízes formadas por três consoantes, sendo, cada uma delas, suscetível de ser conjugada em mais de trezentas formas, por meio de se mudar a vocalização, adicionar um prefixo, um sufixo. Para qualquer uma das conjugações afetadas, todas as palavras que tiverem a mesma forma conjugacional terão que ter o mesmo significado modal, não importando as suas raízes. O significado da raiz permanecerá; mas ligado a ele há um outro significado, um significado modal, dado a ele pela conjugação, permanecendo sempre e em todo lugar, o mesmo. A língua tem, então, uma estrutura lógica, clara, completa e compreensível. Uma vez apreendida essa estrutura, o indivíduo torna?se senhor da língua, sendo, o conhecimento do significado das raízes, de importância secundária. A arte literária consiste na construção de um sistema de conceitos relacionados uns com os outros, de tal modo que ponha em ação os paralelismos e contrastes engendrados pela conjugação das raízes verbais, sendo que isso propicia, ao entendimento, mover?se através de uma teia, em linhas contínuas ou ininterruptas. Um arabesco em que milhares de triângulos, quadrados, círculos, pentágonos, hexágonos são todos pintados com diferentes cores, e se entrelaçam uns com os outros, deslumbram os olhos, mas não a mente. Reconhecendo cada figura pelo que é, a mente pode mover?se de um pentágono para outro, a despeito da sua variação de cor, e percorrer a tela de extremo a extremo, experimentando algum deleite a cada parada, com a conscientização do paralelismo proporcionado pelas formas idênticas, isto é, pelas modalidades idênticas dos vários significados?raízes, e do contraste proporcionado pelos próprios significados raízes. A poesia árabe consiste de versos autônomos, completos e independentes, sendo, cada um dos quais, uma idêntica realização de um e mesmo padrão métrico. O poeta é livre para escolher qualquer um dos vários padrões conhecidos. Porém, uma vez escolhido, todo o seu poema deve estar conforme, em cada parte, a esse padrão. Ouvirmos e apreciarmos poesia árabe é apreendermos esse padrão, conforme o poema está sendo recitado; e nos movermos com o fluxo métrico, é esperarmos para receber aquilo que o padrão antecipou. Com certeza as palavras, os conceitos e as construções são diferentes em cada verso. Isto é o que proporciona a variação de cores. Mas a forma estrutural é aquela completa. Sendo o padrão métrico dos versos constitutivo, não importa, para os versos de um poema, se são lidos na ordem em que o poeta os escreveu, ou em qualquer outra ordem. Lido de trás para diante ou de diante para trás, o poema é igualmente suave, pois o poeta nos leva através do padrão, com cada verso; e a repetição nos deleita, por meio de disciplinar a nossa faculdade intuitiva a esperar e a realizar aquilo que ela esperava na variedade dos fatos, dos significados e das percepções. Por definição, portanto, nenhum poema árabe é acabado, fechado e, de modo algum, completado de maneira que nenhuma adição a ele ou continuação dele possa ser efetuada ou concebida. De fato, o poema árabe pode ser alongado em ambas as direções, ao seu começo e ao seu fim, sem a mais leve adulteração da sua estética, seja ela feita por qualquer homem, por causa do seu estilo pessoal, ou então pelo próprio autor.
A Primeira Obra de Arte do Islam - Al Quram Al Carim (O Alcorão Sagrado)
Se é que alguma coisa é arte, certamente o Alcorão o é. Se a mente do muçulmano tem sido afetada por algo, certamente o tem pelo Alcorão. Não há muçulmano algum a quem a cadência, as rimas e as aujuh al balágha (requintes de eloqüência) não tenham calado, no mais íntimo do seu ser; não há muçulmano algum ao qual as normas e fontes de beleza do Alcorão não tenham remodelado e tornado a sua própria imagem. Todos reconhecem que, embora os versículos alcorânicos não tivessem conformidade com qualquer um dos conhecidos padrões de poesia, produzem o mesmo efeito da poesia, aliás, num grau superlativo. Cada versículo é, por si só, completo e perfeito. Freqüentemente ele rima com o versículo ou versículos precedentes, e contém um ou mais significados religiosos, contidos em expressões ou articulações literárias de sublime beleza. Tão poderoso é o ímpeto por ele produzido, que a recitação impele irresistivelmente a audiência a se mover com ele, a esperar o próximo versículo e a alcançar a mais intensa quietude, ao ouvi?lo. Então o processo começa novamente com o próximo, ou com dois ou três grupos de versículos.
Realização Estética nas Artes VisuaisEm toda pintura e decoração, na arte islâmica, há movimento, aliás um movimento compelinte, de uma unidade de desenho para outra, e, então de um desenho para outro; deveras, a existência desse movimento, de todo um campo visual para outro, como os grandes portais, as fachadas ou paredes, está além da questão. Porém, não há obra de arte islâmica em que tal movimento seja conclusivo. É da essência da arte que a visão do espectador continue; que veja a produção da continuação, na imaginação; que a mente se ponha no movimento requerido para contemplar a infinidade. Massa, volume, espaço, inclusão, gracialidade, coesão, tensão - todas essas coisas são fatos da natureza, que devemos descartar, se uma intuição da inatureza é para ser obtida. Apenas um desenho, um padrão gerador de ímpeto, cercará o muçulmano amante da beleza, irradiando?se, no espaço infinito, em todas as direções. Isso o coloca numa disposição contemplativa, requerida para uma intuição da divina presença. Não apenas o desenho na capa do livro que ele está lendo, ou na página iluminizada, no tapete a seus pés, no teto, na frente, dentro e fora das paredes de sua casa, mas também no piso, constituem árabescos em que o jardim, o pátio, o vestíbulo e cada cômodo são centros autônomos com seus próprios arabescos gerando o seu próprio impulso. Mas, que é um arabesco? É acertadamente chamado de "arabesco" porque é árabe, assim como a poesia árabe é árabe e o Alcorão é árabe, em sua estética. Sua presença transforma qualquer ambiente em algo islâmico, e é o que dá unidade às artes dos mais diversos povos. É prontamente reconhecível, aliás, inequívoco. Em essência, é um desenho composto de muitas unidades ou figuras que se associam e se entrelaçam, de uma maneira que faz com que o espectador olhe de uma figura ou unidade para outra, em todas as direções, até que a visão haja percorrido a obra de arte de um fim material para o outro fim. A figura ou unidade é deveras completa e autônoma; entretanto está associada à próxima figura ou unidade. A visão é compelida a continuar o movimento, tendo seguido o contorno e percebendo o desenho de uma figura, para buscar as do próximo. Isto constitui o seu "ritmo". Os arabescos podem ser florais ou geométricos, dependendo do fato de eles usarem at taurik (o caule?folha?flor), ou a geométrica figura (rasm), como meio artístico. A figura geométrica pode ser khat (linear), se usar linhas retas ou quebradas, ou rami (trajetória), se usar linhas multicentralizadas e curvas. Os arabescos poderão ser planos, se tiverem duas dimensões, como têm os mais decorativos, em paredes, portas, tetos, móveis, roupas e tapetes, capas e páginas de livro. Poderão ser também espaciais ou tridimensionais, construídos com pilares, arcos e traves de cúpulas. Esta espécie é a distinguida especialidade da arquitetura em Maghrib e Andaluzia, e alcançou a sua mais alta exemplificação na grande Mesquita de Córdova e no palácio Al Hamra, em Granada. Em Al Hamra, uma cúpula inteira é feita de inúmeros arcos entrelaçados, assentados em colunas visíveis, as quais apenas as mais férteis imaginações podem ver, e traçar?lhes o curso. Aí, o impulso é tão poderoso, que pode impelir e lançar qualquer um, que esteja disposto a se mover com o seu ritmo, à imediata intuição da infinidade. A grande fachada de uma enorme mesquita, o portal de uma larga parede, o painel de um portal, a maçaneta, sobre a qual a visão costuma incidir, a miniatura na página de um livro, o desenho no carpete, ou na nossa roupa, ou fivela, ou cinto, tudo isso lembra ao muçulmano a frase: la iláha illa Allah, fazendo com que ele perceba a infinidade e a inexprimibilidade do transcendente reino da não?natureza, da não?criação.
A Caligrafia Árabe - A Arte Primordial da Cosciência da Transcendência
A história pré-islâmica conheceu a estética da palavra, na prosa e na poesia. Embora ela não tivesse sido tão desenvolvida nas mãos de ninguém como o foi nas mãos dos árabes, nas vésperas do Islam, os mesopotâmios e os hebreus, os gregos, os romanos, e os hindus, haviam impulsionado as fronteiras da estética da palavra para graus razoáveis. Em caso algum, todavia, houve, em lugar algum - inclusive na Arábia - qualquer estética da palavra visual. A escrita era rude e esteticamente desinteressante, por todo o mundo, e, na maior parte, ainda o é. Com o advento do Islam e o seu avanço em direção à transcendência nas artes visuais, um novo horizonte esperava para ser explorado; e os artistas muçulmanos ergueram?se para o desafio. Gradativamente, mas num espaço de duas gerações, o artista muçulmano transformou a palavra árabe numa obra de arte visual, portando consigo a significação estética concedida à intuição sensorial. Igual ao resto das artes, essa nova arte ficou submetida ao propósito global da consciência islâmica. Suas capacidades visuais foram desenvolvidas a ponto de constituirem arabescos. Nas escritas nabatéias e siríacas, as letras eram destacadas umas das outras, como nas escritas gregas e latinas. O artista árabe juntou?as, tanto que, ao invés de ver a letra, o olho podia, com um único vislumbre e com uma única intuição sensorial, ver toda a palavra e, de fato, toda a frase ou linha. Em segundo lugar, o artista árabe elastificou as letras, a ponto de poder então esticá?las, prolongá?las, contraí?las, incliná?las, estirá?las, endireitá?las, curvá?las, dividí?las, engrossá?las, estreitá?las, alargá?las, em parte ou no todo, como lhe aprouvesse. O alfabeto torna?se um obediente material artístico, pronto para corporificar e executar qualquer idéia ou esquema estéticos que o calígrafo tivesse em mente. Em terceiro, ele põe em funcionamento tudo aquilo já aprendido na arte do arabesco, especialmente no campo da floração e geometrização, não apenas para melhor decorar a escrita, mas para fazer da própria escrita um arabesco no seu próprio direito. A escrita árabe tornou?se uma linha livremente ondulatória, capaz de se interromper em dado momento e novamente se completar, quer simetricamente arranjada, ou largamente espalhada. A elasticidade introduzida ao alfabeto faculta ao calígrafo fazer isso de qualquer maneira ou de ambas as maneiras, seguindo o sobre?plano estético que procurou desenvolver. Por fim, ele "abriu" o alfabeto para não apenas receber as decorações arabescas, mas para mesclar?se com ele, para constituir um grande arabesco. Ele tornou possível que um outro arabesco se sobressaisse da escrita, ou que a escrita se sobressaisse aos arabescos. O caráter essencial da letra, que lhes deu a legibilidade, foi preservado, e isso constituiu, na escrita, aquilo que os padrões métricos constituem na poesia, sendo que as formas geométricas e florais constituem os arabescos mais planos. A representação artística dos formatos legíveis deu?lhes o seu impulso. Como um arabesco que é, a escrita árabe simplesmente transformou o primordial meio?termo do entendimento discursivo, o alfabeto ou símbolo lógico, num material artístico sensório e numa substância envolvente e estética, produtora de uma sui generis intuição estética. Isto foi um triunfo para a arte humana, para que conquistasse o último reduto da razão discursiva, para que a anexasse e a integrasse ao reino da estética sensorial. Isso constituiu a mais elevada e definitiva vitória artística do Islam. Foi Abu Haiyan al Tauhidi, na sua obra ilm al Quitába (A Ciência da Escrita), quem disse: "Geralmente, a escrita é o planeamento espiritual com os meios materiais." Através das eras, os muçulmanos têm recitado os dizeres de sagas anônimas, tais como: "As mentes dos homens encontram?se sob as pontas das suas penas"; "A escrita é a irrigação do pensamento"; "A bela escrita mitiga o pobre pensar, e beneficia a idéia sadia com o poder da vida."
Tasauwof (Sufismo)Tasauwof, ou o vestir-se a pessoa de lã, é o nome dado a um movimeno que dominou as mentes e os corações dos muçulmanos durante um milênio, e ainda vive em muitos círculos do mundo muçulmano. Alimentou-lhes as almas, purificou-lhes os corações e satisfez os seus anseios de religiosidade, de virtude e de aproximação a Deus. Cresceu e penetrou com rapidez em todos os rincões do mundo muçulmano. Causou a conversão de milhões de pessoas ao Islam, de igual maneira que vários estados militantes e sócio-políticos. Foi também responsável pelo eclipse do poder muçulmano, do conhecimento crítico pelo supersticioso; do seu desapego a este mundo e das suas preocupações pelo Outro. Tasauwof foi um movimento que trouxe grandes bens e grandes males à história da civilização islâmica. Três correntes de pensamento independentes alimentaram o movimento sufista, determinando o seu conteúdo e seu caráter. Em primeiro lugar, o Islam trouxe consigo algo de asceticismo do deserto, uma aversão pela vida com seu luxo urbano e sedentário. O Alcorão, com sua constante recitação, a poesia árabe e as invocações religiosas, orações em louvor a Deus e a adoração a Deus e a Sua divina presença, que o Islam enfatizou, criaram uma condição de santificação quanto à posse da idéia de Deus e devoção absoluta a Ele e ao Seu Profeta. Esta religiosidade ascética militou contra uma participação complacente nos assuntos terrenos. Sua expressão exemplar se delineou na vida do contemporâneo do Profeta, Abu Zarr al Ghifari (31/652), na administração do califa omíade Ômar Ibn Abdul Aziz, e na conduta do erudito Al Hassan al Basri (109/728). A religiosidade do tasauwof parece haver dominado por completo a vida de Abu Háchim al Cufi (158/776), o qual passou a maior parte dos seus dias em oração na mesquita de Cubá. A visão de tasauwof inspirou a formidável poesia de Rabi'a al Adawiyá (184/801). Ela ensinava o amor a Deus, puro e sem se alterar pelo temor ao castigo, ou pelo desejo de recompensa. Em segundo lugar, temos o helenismo pitagórico e o gnosticismo alexandrino, os quais haviam penetrado no judaísmo e no cristianismo, haviam dominado o Oriente Próximo durante mil anos antes do advento do Islam. Quando as massas do Oriente Próximo e do Norte da África se converteram ao Islam, era natural que as idéias gnósticas a ele se incorporassem juntamente com sua bagagem espiritual. A dialética de espírito e da matéria, da luz e escuridão, do alto céu e da baixa terra, havia penetrado por toda parte. Dois pensadores egípcios, sobre os quais o gnosticismo helênico havia exercido sua influência, dirigiram esta corrente para misturar suas águas com as da corrente árabe, impregnada do amor ascético a Deus; foram eles: Al Haris Ibn Asad al Muhábisi (222/838) e Zun Nun al Misri (246/861). O primeiro ensinou a doutrina da verdade pela iluminação (ichrac), e o outro, a deserabilidade e possibilidade de reunião com Deus, em espírito, após uma ascensão por meio da virtude e da contemplação. Em terceiro lugar, vejamos: em sendo o islamismo a religião que domina a maioria das províncias da Ásia conquistadas pelo Islam, o budismo logo desejaria sentir sua influência. A reprovação budista deste mundo, sua total abnegação em favor de uma vida contemplativa e monástica, encontrou seu porta-voz em Ibrahim Ibn al Adham (159/777). Tal como narraram posteriormente os seus discípulos, sua vida não foi diferente da de Buda. Ibn al Adham era nobre de nascimento, um príncipe reinante em Balkh, que repentinamente decidiu renunciar a sua posição, suas propriedades, sua família e seus entes queridos, e levar uma vida ascética e solitária na mesquita, dedicando-se às suas recitações e orações, esquecendo os alimentos e tudo o que pertencesse ao mundo. Abu Iazid al Bistami (260/875) sugeriu o ideal hindu e budista do Nirvana como a meta (bacá) de uma vida de abnegação e mortificação (faná). As idéias helênicas e budistas circularam através do mundo muçulmano, bem como as importações alienígenas, até que Junaid al Baghdadi (296/910) as uniu à corrente ascética árabe do amor a Deus, e as dotou com uns termos islâmicos, inclusive alcorânicos. Dali em diante, as três correntes se fundiram em uma, e fluíram como um grande rio. Desenvolvimento - A Arte FraternaOs Sufis, ou adeptos do tasauwof, elaboraram para si uma ordem, e institucionalizaram para a mesma uma ideologia, uma organização, um programa e uns rituais de iniciação e adoração. Nos tempos de Al Cufi e de Ibn al Adham, a mesquita era o lugar onde se celebravam os exercícios Sufis. Logo os Sufis ampliaram o exercício para além das horas da salat, e, em vez de interromperem a salat dos não-sufis, optaram por fundar um local separado, longe de qualquer interferência. Assim nasceu a záwiya, taquiya ou ribat, injectivas separadas da mesquita. Aí os Sufis passavam seus dias e grande parte das noites em oração, invocação e zicr, (recordação de Deus). Pouco comiam, vestiam uma única túnica de lã, e tinham somente o chão onde dormirem, longe dos prazeres e do aconchego de um lar. Juntos, constituíam uma ordem fraterna, uma comunidade autônoma, separada da umma. Embora a irmandade abrisse suas portas a qualquer um, haver-se-iam de cumprir certas condições para se ser membro dela. Entre estas condições estavam as seguintes: (1) a decisão de a pessoa unir-se deveria ser absolutamente deliberada e pessoal; (2) deveria renunciar a toda propriedade - se não fosse em benefício da irmandade, então em benefício de seus parentes ou dos pobres, de maneira que o membro estivesse liberto dos laços dos bens terrenos; (3) era requerida obediência absoluta ao ancião ou Chaikh, o superior da tarica ou ordem, organização ou irmandade mística, e aqueles aos quais este delegara para a disciplina dos futuros membros; (4) prescrevia-se um período de provação para cada noviço, após o que se iniciava o candidato como membro e se lhe entregava a sua prenda de lã azul. Uma vez admitido, o membro tinha de passar por várias etapas. Primeiro, se transformava em murid, ou aplicante em formação. Com a continuação se convertia em sálik, ou companheiro de viagem. Se conseguisse passar com êxito um tempo suficiente na záwiya, passaria a ser um majzub, ou seja, chamado ao caminho Sufi. Mais tarde, converter-se-ia num mutadarac, ou aquele salvo dos males e das tentações do mundo. Os membros da tarica se classificavam como segue: Al Mubtadi (principiante); al Mutadar-rij (praticante que lograra êxito); al Chaikh (mestre, ancião ou chefe da záwiya ), e al Cutb (o pilar, maior autoridade da tarica, com todas suas ramificações e suas casas). A vida do Sufi era considerada como uma espécie de viagem ou safar, ponteada por vários estádios (macamát ) progressivamente em ordem. A alma ou a consciência do membro, dizia-se, avançava ao longo de uma série de estádios (ahual, sing. hal ), à medida que demonstrava êxito na prática Sufi. As macamát, ou características do bom Sufi, eram sete: arrependimento (tauba), admiração (wara'), asceticismo (zuhd), pobreza (Faqr), paciência (sabr), confiança (tawac-cul) e satisfação (rida). Al ahwal, ou estágios, também eram sete: aproximação (qurb), amor (mahabba), temor (khauf), esperança (rajá), desejo (chauc), testemunho (mucháhada) e convencimento (iaquin). Durante muitos séculos, as irmandades Sufis existiram sem adquirir para si nenhuma presença materializada na comunidade. Contra isso militava a sua ideologia. Quando a záwiya (literalmente, canto) da mesquita era o seu lugar de reunião, e, mais adiante, quando os Sufis se mudaram para um prédio próprio, perto da mesquita, os membros entravam, oravam e adoravam a gosto, faziam oferendas em caridade, e iam embora. Mais tarde, as irmandades adquiriram umas propriedades suficientemente grandes para serem tidos como ricas, ou incluíram a totalidade ou grande parte dos membros de uma determinada profissão, e desse modo constituíram as bases para um grêmio, sindicato ou associação. A primeira a fundar-se como entidade jurídica, com amplas doações, foi iniciada por Abdul Cadir al Jilani (560/1166), Bagdá. Durante os dois séculos seguintes, estendeu-se pela maioria dos países muçulmanos, onde passou a ser conhecida como Cadiriya. Por volta do mesmo tempo, Ahmad al Rifá'i (570/1175) fundou outra irmandade. Este também se estendeu por todo o mundo muçulmano, e ficou conhecida como Rifa'iya. Al Chadhiliya, fundada por Ali Chádhili (655/1258), estendeu-se principalmente pelo Egito e pelo Norte da África; a Maulawiya, fundada e desenvolvida pelos seguidores de Jalal al Dinal Rumi (670/127) em Coaniya, Turquia, adquiriu fama, mas teve poucos membros, ao largo do Oriente Próximo. O mesmo sucedeu com a Chichtiya, irmandade fundada por Muinuddin Chichti (633/1236), na Índia. Em praticamente todas as regiões e províncias se fundaram outras irmandades, porém não conseguiram uma participação de âmbito mundial. Este é o caso da Bectachiyá, na Turquia, Tijaniyá, no Marrocos, e a Ahmadiyá, fundada por Ahmad al Bada (675/1278), em Tanta, Egito.Rituais Embora todos os Sufis praticassem os rituais Sufis, cada tarica institucionalizou sua própria organização dos mesmos. O primeiro, e comum a todos, era o ritual do zicr, que consistia de invocações e litanias repetitivas, às vezes breves e simples, compostas por um dos atributos de Deus, e em outras ocasiões, mais detalhadas e complexas. O zicr era freqüentemente praticado, até que o adorador perdia a consciência ou caía esgotado. Tinha o condão de esvaziar, do adorador, a consciência de todos cuidados e todas as preocupações da vida humana, fazendo com que se concentrasse em Deus, na Sua palavra e na Sua lei, ou na pessoa do Profeta Mohammad. O exercício era, para os Sufis, o mesmo que para os místicos em muitas outras tradições religiosas, ou seja, o caminho mais seguro para se alcançar a experiência mística e estática. Se os místicos do mundo diferem entre si, essa diferença não se estriba na indução da experiência mística, já que todas as religiões e culturas têm conhecido uma variedade de maneiras de segui-la. No Islam, bem poderá ser a dedicação de um ofício ou uma arte. É possível encontrarem-se exemplos de todas essas formas de tradições religiosas da humanidade; porém, as diferentes tradições místicas se poderão diferenciar, de acordo com o tipo de resultado visível ao qual a experiência do sagrado levou os místicos a essa tradição. A sama' (a escuta da recitação alcorânica ou do cântico de orações Sufis e de invocações especiais), a ghiná (recitação de poesia Sufi ou outra literatura comovente), a música e a racs (execução ou escuta musical ou dança ao som de formosa melodia), eram outras atividades Sufis destinadas a proporcionar tarab (alegria especial e intenso prazer através do ouvido) nachwá (arrebatamento emocional) e ghaiba (passagem para o mundo do além e comunhão com a realidade transcendental). Em sua experiência mística, o Sufi sentia ouvir a chamada do céu, e também elevar-se acima do mundo dos sentidos e comungar com o todo celestial. Se estes rituais não conseguissem produzir a experiência mística desejada, lançavam mão da ingestão de líquidos, as quais os Sufis deram o nome fascinante de banj al asrar (anestesia dos segredos "celestes"). Por fim, os Sufis instituíram a mortificação como outro meio de se alcançar a mesma meta da experiência mística. O jejum, a exposição do corpo ao frio e ao calor com a abundância de tecidos, inclusive o submetimento voluntário à dor, eram considerados como um meio de auto-disciplina quanto ao êxodo deste mundo, coisa que para eles era uma prisão, em comparação com a liberdade do além.
Literatura O tasauwof é responsável por um grande legado de literatura em língua árabe e em todas as demais linguagens muçulmanas. Os Sufis cantaram seus temas em refinadas poesias; adoravam a Deus e invocavam Suas bençãos e Sua ajuda com a mais comovedora saj' ou prosa rimada. Entre os poetas, o primeiro lugar pertence a Ibn al Farid (632/1235). Depois vêm Sadi Hafiz e Jalal al Din al Rumi, cujo Masnawi é também uma enciclopédia de conhecimentos religiosos e éticos. As principais apresentações em prosa da visão e da prática Sufis foram escritas por Abu Nasr al Sarraj (377/988), em sua obra Quitab al Luma' (O Livro das Cintilações); Abu Tálib al Macqui (385/996) em sua obra Cout al Culub (Alimento para os Corações); Abu Hamid al Ghazali (606/1111) em sua obra mundialmente famosa Ihiá-Ulum al Din (Revivificação das Ciências da Religião); Abu al Cássim al Cuchairi (466/1074) em sua obra Rissála; e Muhiddin Ibn Arabi (636/1240) sua obra Al Futuhat al Macquiya (As Inspirações Maquenses). Abu Abdel Rahman al Sulami (410/1021) escreveu o Quem é Quem de maior autoridade no Sufi até os nossos tempos. A literatura Sufi é tão rica em metáforas, símiles e alegorias, que poderia reivindicar uma lexicografia própria. O simbolismo jamais teve momentos mais brilhantes na história do Islam e na gama da literatura que conseguiu com os Sufis. Conquanto a dicção Sufi permanecesse espiritualizada e refinada, ela atraia as pessoas. Em alguns momentos, no entanto, ela se degenerava, chegando e empregar termos tais, como "abraçar Deus", "falar com Deus", ou "unir-se a Ele", coisa que produzia repugnância às mentes da maioria dos muçulmanos. Finalizo, dizendo: "Uma arte é uma arte pela virtude do estilo, do conteúdo, da maneira de se apresentar, não pelo material que utiliza, o qual, no mais das vezes, é derivado de acidente geográfico ou social. A arte islâmica é uma unidade, por causa da sua fundação, através do Islam, na consciência árabe. São as categorias da consciência árabe que determinam as produções artísticas de todos os muçulmanos."
Samir El Hayek

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