31 dezembro 2009

OS ESPÍRITAS BRASILEIROS CONHECEM O ESPIRITISMO?

Apresentamos ao Brasil espírita e de outras plagas, relação de obras de autoria de notórios pesquisadores sobre a pesquisa fenomenológica e filosófica do Espiritismo. Vale acrescentar, que tais obras não foram traduzidas para o português, e acreditamos que jamais o serão. Isto quer dizer, permitam-nos, que o conhecimento da Doutrina Espírita é, no Brasil, sem dúvida, fragmentário, e por tal motivo, as obras mediúnicas tomaram vulto a ponto de a maioria das casas espíritas adotarem-nas como se fossem produções espíritas. Elas representam, na verdade, o pensamento e as idéias dos seus autores, Espíritos, e nada mais.
Consultem, a propósito, a introdução do Evangelho Segundo O Espiritismo, onde Allan Kardec adverte que os Espíritos sempre emitem opiniões pessoais. Deve-se observar, no particular, que, geralmente, as idéias não representam a essencialidade das coisas. Portanto, as opiniões dos Espíritos devem ser, voltairianamente, respeitadas, mas sub judice.
Eis, então, algumas das obras que, como afirmamos em epígrafe, não foram traduzidas para o português.
1 - "Les Vies Sucessives" - Albert de Rochas, Paris, 1931
2 - "Le Ocultisme Experimental", Paris, Charles Lancelin
3 - "Contribuição à Teoria da Seleção Natural" e "Paligenesia e Evolução" - Londres, Alfred Russel Wallace
4 - "Ação à Distância dos Morimbundos", Paris, 1872, Maximiliano Perty
5 - "O Homem e a Evolução", Albert Vendel, Tolouse, França, 1959
6 - "Relationship of a Geo Magnetic Enviroment to Human Biology" - Robert Becker, New York State Journal of Medicine, 1963
7 - "The Reach of The Mind"
8 - "Haustings and Apparitions", 1982 - Andrew Mackenzie
9 - "La Science de L´âme", Editora Dervy - Paris, 1973
10 - "Enciclopedia of Ocultism" - Lewis Spence, Editora da University Books, N. Y., 1960
11 - "Bilder aus Dom Reich der Toten" ("Imagem do Reino dos Mortos") - Rainer Holbe - Munique, 1987
12 - "Instrumentelle Transkomunikation", Ernest Senkoshi - Frankfurt, 1989
13 - "História da Parapsicologia", Jon Azpúrua, Ediciones CIMA - Caracas-Venezuela
14 - "O Dinamismo Ascencional" - Gustave Mercier, Paris, 1960
15 - "Clarões que iluminam o Desconhecido", J. Nlov, 1964
16 - "Encyclopaedia of Psychic Science", Nando Fodor, University Books, Inc. - N.Y.
17 - "Nos Umbrais do Além" - William Barret, Ed. Estudos Psíquicos, Lisboa - Portugal
18 - "Transferência de Pensamento - é possível?" - Anfilov G. Znanie - 1960
19 - "The Phanton World: or Philosophy of Spirits Apparitions (2 volumes, Londres) A. Calmet
20 - "The Founders of Psychical Research" (Londres) Routldge e Kegan Paul
21 - "The Stages of Human Evolution", C. Loring Brace
22 - "Discarnate Influence in Human Life" (Londres) Ernesto Bozzano
23 - "And After..." H. D. Bradley (Londres) 1931
24 - "Il Segreto Della Magia Mentale" W. W. Atkinson (Milão) 1942
25 - "El Mediunismo en La Sorbona", Juliette Alexandre Brisson - edição argentina - Editora Constancia
26 - "Maravilhosos Fenômenos del Más Allá" Madeleine F. Lacombe - Ed. M. Aguillar, Madri

Carlos Bernardo Loureiro

27 dezembro 2009

A CARIDADE PARA COM OS CRIMINOSOS

Problema moral.

"Um homem está em perigo de morte; para salvá-lo é preciso expor a sua própria vida;
mas sabe-se que esse homem é um malfeitor, e que, se dele escapar, poderá cometer
novos crimes. Apesar disso, deve-se expor para salvá-lo?" A resposta seguinte foi obtida na Sociedade Espírita de Paris, a 7 de fevereiro de 1862, médium Sr. A. Didier: Esta é uma questão muito grave e que pode se apresentar naturalmente ao espírito. Responderei segundo meu adiantamento moral, uma vez que a isso estamos sujeitos, que se deve expor a sua própria vida por um malfeitor. O devotamento é cego: socorre-se um inimigo, deve-se, pois, socorrer mesmo o inimigo da sociedade, um malfeitor, em uma palavra. Credes, pois, que é somente à morte que se deve arrancar esse infeliz? Talvez, é à sua vida passada inteira. Porque, pensai nisso, nesses rápidos instantes que lhe arrebatam os últimos minutos da vida, o homem perdido retorna sobre sua vida passada, ou antes, ele se levanta diante dela. A morte, talvez, chegue muito cedo para ele; a reencarnação será, talvez, terrível; atirai-vos, pois, homens! vós que a ciência espírita esclareceu, atirai-vos, arrancai-o de sua condenação, e então, talvez, esse homem que estaria morto vos blasfemando, se lançará em vossos braços. No entanto, não é preciso vos perguntar se o fará ou se não o fará, mas vos atirar, porque, salvando-o, obedeceis a esta voz do coração
que vos diz: 'Tu podes salvá-lo, salva-o!" LAMENNAIS.

Nota. - Por uma singular coincidência, recebemos, há alguns dias, a comunicação seguinte,
obtida no grupo espírita do Hayre, e tratando quase do mesmo assunto. Em continuação, escrevem-nos, de uma conversa a respeito do assassino Dumollard, o Espírito da Sra. Elisabeth de France, que já dera diversas comunicações, se apresentou espontaneamente e ditou o que se segue: A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinos que Deus deu ao mundo. Deve existir entre os verdadeiros discípulos de sua doutrina uma fraternidade completa. Deveis amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos se se arrependerem, como a vós mesmos, pelas faltas que cometerdes contra a sua lei. Pensai que sois mais repreensíveis, mais culpáveis do que aqueles aos quais recusais o perdão e a comiseração, porque, freqüentemente, eles não conhecem Deus como vós o conheceis, e lhes será menos pedido do que avós. Não julgueis nunca; oh! não julgueis nunca, meus caros amigos, porque o julgamento que fizerdes vos será aplicado mais severamente ainda, e tendes necessidade de indulgência para com os pecados que cometeis sem cessar. Não sabeis que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza, e que o mundo não considera mesmo como faltas leves? A verdadeira caridade não consiste somente na esmola que dais, nem mesmo nas palavras de consolação com as quais podeis acompanhá-la; não, não é isso somente o que Deus exige de vós. A caridade sublime, ensinada por Jesus, consiste também na benevolência concedida sempre, e em todas as coisas, ao vosso próximo. Podeis ainda exercer esta sublime virtude sobre muitos seres que não têm que se fazer senão esmolas, e que palavras de amor, de consolação, de encorajamento conduzirão ao Senhor. Os tempos estão próximos, eu vos digo ainda, em que a grande fraternidade reinará sobre o globo; a lei do Cristo é a que regerá os homens: só aquela será o freio e a esperança, e conduzirá as almas às moradas bem-aventuradas. Amai-vos, pois, como os filhos de um mesmo pai; não façais diferença entre os outros infelizes, porque é Deus que quer que todos sejam iguais; não desprezeis, pois, a ninguém; Deus permite que os grandes criminosos estejam entre vós, a fim de que vos sirvam de
ensinamento. Logo, quando os homens forem conduzidos às verdadeiras leis de Deus, não
haverá mais necessidade desses ensinamentos, e todos os Espíritos impuros e revoltados
serão dispersados nos mundos inferiores, em harmonia com as suas tendências. Deveis àqueles dos quais vos falo o socorro de vossas preces: é a verdadeira caridade. Não é preciso dizer de um criminoso: "É um miserável, é preciso purgá-lo da Terra; a morte que se lhe inflige é muito branda para um ser de sua espécie." Não, não é assim que deveis falar. Olhai o vosso modelo, Jesus; que diria se visse esse infeliz junto dele? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia como um enfermo muito miserável; estender-lhe-ia a mão. Vós não podeis fazê-lo em realidade, mas ao menos podeis orar por esse infeliz, assistir o seu Espírito durante os poucos instantes que deve ainda passar sobre a vossa Terra. O arrependimento pode tocar seu coração se orardes com fé. É vosso próximo como o melhor dentre os homens; sua alma transviada e revoltada é criada, como a vossa, à imagem do Deus perfeito. Orai, pois, por ele; não o julgueis nunca, não o deveis nunca. Só Deus o julgará.

(ELISABETH DE FRANÇA}

ALLAN KARDEC.

21 dezembro 2009

JESUS, O PAI DA MEDICINA

Entre os gregos, salienta a Dra. Jeanne Pontius Rindge, do "Human Dimension Institute", de Nova Iorque, existia uma divisão crescente entre a mente (nous) e o corpo (physis), notavelmente criticada por Platão, cujas instituições transcendiam os limites sensoriais: Se a cabeça e o corpo devem andar bem, deveis começar por curar a alma; esta é a primeira coisa... O grande erro da nossa época, no tratamento do corpo humano, é que os médicos separam a alma e o corpo. Jesus tratou de desarticular essa dicotomia, emprestando novas e magníficas dimensões ao processo de cura. Sua preocupação pela saúde física e espiritual representou, sem embargo, um ponto de partida revolucionário. Embora tenha sido chamado de xamã, admite a Dra. Rindge, devido a sua função de mediador entre Deus e os homens, isso não foi, em absoluto, para abrandar os ímpetos de uma divindade vingativa e arbitrária (Agora que eu sou, Eu somente, e mais nenhum Deus além de mim; eu mato, e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém de minha mão. Deuteronômio, 32-39), mas, antes, para canalizar o amor, como uma energia curativa que emana da fonte de todos os seres, descrita por ele como Pai Amoroso. O Mestre pregou a necessidade de se efetivar a harmonia do ser com essa fonte de amor, evidenciando, entretanto, que a energia para curar pode ser ministrada através dele próprio e de outrem: "O que eu faço - disse ele aos homens de sua época e de todas as épocas – podeis fazer e melhor!".
Os Evangelhos registram 26 curas individuais e 27 em grupo, por Jesus, e 9 curas múltiplas por seus apóstolos. Os métodos empregados eram, realmente, notáveis. O toque, as exortações, as preces, a desobsessão, a fé íntima ou da família e dos amigos, o estranhíssimo emprego da saliva misturada à poeira do chão etc.
Em seu livro "Faith Healing and Cristian Faith", o Dr. Wade Boggs afirma que a Medicina negligenciou o extraordinário trabalho de cura levado a efeito por Jesus, em meios, diga-se de passagem, os mais diversos possíveis, e isentos de quaisquer procedimentos antis-sépticos.
"Sem o seu espírito – escreve Dr. Boggs – a Medicina degenera em uma metodologia despersonalizada e o seu código de ética num simples sistema legal. Jesus induz a correção do amor, sem a qual a verdadeira cura raramente é possível na realidade. O pai espiritual da Medicina não foi Hipócrates, da ilha de Cos, porém, Jesus!"
O certo é que, com advento da chamada Idade da Razão e o avanço da ciência, a Medicina ortodoxa, cada vez mais familiarizada com o universo físico, investiu, com ênfase sempre crescente, contra a provável eficácia da magia.
"A medicina empreendeu – esclarece a Dra. Rindge – uma função cuidadosa baseada em fatos científicos adequados ao mecanismo Newtoniano, às observações cada vez mais fisicistas, hipóteses agora reivindicadas pelos pensadores evoluídos, como descrições incompletas da Realidade." Entre esses pensadores evoluídos apontados pela editora da revista "Human Dimensions", permitimo-nos destacar aqueles que, em 1882, iniciaram uma séria e pioneira investigação dos fenômenos paranormais, incluindo a telepatia, a clarividência, o contato com desencarnados, as curas espirituais, fundando-se, então, a célebre "Society for Psychical Research – SPR". O trabalho notável desses pesquisadores teria sua continuação, nas primeiras décadas do século XX, pelo Dr. Joseph Banks Rhine e sua esposa Louise, da Universidade de Duke (USA), e por outros atuais destemidos investigadores da fenomenologia supranormal, que ainda abrem caminho, nas florestas densas dos preconceitos e da ortodoxia, para a consolidação, em futuro ignoto, da Medicina Espiritual de que Jesus, de fato e de direito, é o grande Pai.

(Jornal Mundo Espírita de Dezembro de 1998)

Carlos Bernardo Loureiro

(Jornal Mundo Espírita de Dezembro de 1998)

19 dezembro 2009

PERSEGUIÇÕES

Revista Espírita, setembro de 1862

Tendo a zombaria se enfraquecido contra a couraça do Espiritismo, e servindo mais para
propagá-lo do que para desacreditá-lo, seus inimigos tentam um outro meio que, nós o
dizemos antecipadamente, não triunfará melhor e, provavelmente, fará ainda mais
prosélitos; esse meio é a perseguição. Dizemos que lhe fará mais, por uma razão muito
simples, é que tomando o Espiritismo a sério, com isto ele cresce enormemente de
importância; e depois, liga-se tanto mais a uma causa quanto ela mais fez sofrer. Sem
dúvida, lembra-se das belas comunicações que foram dadas sobre os mártires do
Espiritismo, e que publicamos na Revista Espírita do mês de abril último. Esta fase estava
anunciada há muito tempo pelos Espíritos: "Quando ver-se-á, disseram, a arma do ridículo impotente, tentar-se-á a da perseguição; não haverá mais mártires sangrentos, mas muitos terão de sofrer em seus interesses e em suas aflições; procurar-se-á desunir as famílias, reduzir os adeptos pela fome, aborrecê-los a golpes de alfinetes, às vezes, mais pungentes do que a morte; mas ali ainda encontrarão almas sólidas e fervorosas que saberão desafiar as misérias deste mundo, em vista do futuro melhor que as espera. Lembrai-vos das palavras do divino Salvador: "Bemaventurados os aflitos, porque serão consolados." Tranqüilizai-vos, no entanto; a era da perseguição, na qual logo entrareis, será de curta duração, e vossos inimigos dela não
retirarão senão a vergonha, porque as armas que apontarão para vós se voltarão contra
eles." A era predita começou; assinalam-nos de diferentes lados atos que se lamenta serem feitos
pelos ministros de um Deus de paz e de caridade. Não falaremos das violências feitas à
consciência expulsando da Igreja aqueles que ali conduz o Espiritismo; tendo esse meio tido
resultados quase negativos, procuraram outros mais eficazes; poderíamos citar localidades
onde as pessoas que vivem de seu trabalho foram ameaçadas de se ver arrebatar seus
recursos; outras onde os adeptos foram assinalados à animosidade pública fazendo correr
contra eles os moleques da rua; outras em que despedem da escola as crianças cujos pais
se ocupam do Espiritismo; uma outra em que um pobre professor, primário foi destituído e
reduzido à miséria, porque tinha em sua casa O Livro dos Espíritos. Temos deste último
uma tocante prece em versos, onde respiram os mais nobres sentimentos, a piedade mais
sincera; acrescentamos que um Espírita benfazejo estendeu-lhe mão segura;
acrescentamos ainda que foi nessa circunstância vítima de uma infame traição por parte de
um homem em quem tinha confiado, e que pareceu entusiasmado com esse livro.
Em pequena cidade onde o Espiritismo conta com um número bastante grande de
partidários, um missionário disse do púlpito, nesta última quaresma: "Espero muito que no
auditório não haja senão fiéis, e que não haja nem judeus, nem protestantes, nem
Espíritas." Parece que ele contava muito pouco com sua palavra para converter aqueles que
tivessem vindo ouvi-lo com o objetivo de se esclarecer. Em um município, perto de
Bordeaux, quiseram impedir os Espíritas de se reunirem em mais de cinco, sob o pretexto
de que a lei a isso se opunha; mas uma autoridade superior levou a autoridade local à
legalidade. Resultou desse pequeno vexame que hoje os três quartos deste município são
Espíritas. No departamento de Tarn-et-Garonne, os Espíritas de várias localidades querendo
se reunir, foram assinalados como conspirando contra o governo. Esta acusação ridícula
caiu bem depressa, como deveria ser, e dela se riu. Como contra, nos foi citado um magistrado que disse: "Praza a Deus que todo o mundo fosse Espírita! nossos tribunais teriam menos, e a ordem pública não teria nada a temer." Ele disse uma grande e profunda verdade; porque se começa a perceber a influência moralizadora que o Espiritismo exerce sobre as massas. Não é um resultado maravilhoso ver homens, sob o império desta crença, renunciarem à embriaguez, aos seus hábitos de deboche, aos excessos degradantes e ao suicídio; homens violentos se tornarem
organizados, dóceis, pacíficos e bons pais de família; homens que blasfemavam o nome de
Deus, orar com fervor, e se aproximar piedosamente dos altares? E são esses homens que
expulsais da Igreja! Ah! pedi a Deus que, se reserva ainda à Humanidade dias de prova,
haja muitos Espíritas; porque estes aprenderam a perdoar a seus inimigos, considerando
como primeiro dever do cristão lhes estender a mão no momento do perigo, em lugar de
lhes meter o pé sobre a garganta.
Um livreiro de Charente nos escreveu o que se segue:
"Não tenho medo de ostentar abertamente minhas opiniões espíritas; deixei de lado
mesquinharias mundanas, sem me preocupar se, o que faço, não prejudicaria o meu
comércio. Estava, entretanto, longe de esperar o que me ocorreu. Se o mal tivesse se
detido em pequenos tormentos, ele não foi grande; mas, ah! graças àqueles que
compreendem pouco a religião, tornei-me a ovelha negra da tropa, a peste do lugar; fui
mostrado como precursor do Anticristo. Empregaram-se todas as influências, a calúnia
mesmo, para me fazer cair, para afastar meus clientes, para me arruinar em uma palavra.
Ah! os Espíritos nos falam de perseguições, de mártires do Espiritismo; disso me orgulho,
mas, certamente, sou do número das vítimas; minha família disso sofre, é verdade; mas
tenho para minha consolação de ter uma mulher que partilha minhas idéias espíritas. Tardame
para que meus filhos estejam na idade de compreender essa bela doutrina; prendo-me
em esclarecê-los em nossas queridas crenças. Que Deus me conserve a possibilidade - o
que quer que se faça para me tirá-la - de instruí-los e de prepará-los para lutarem a seu
turno, se for preciso. Os fatos que narrais, em vossa Revista no mês de maio, têm uma
analogia chocante com o que me aconteceu. Como o autor da carta, fui expulso
impiedosamente do tribunal da penitência; meu cura queria, antes de tudo, fazer com que
eu renunciasse às minhas idéias espíritas; resulta de sua imprudência que não me verá
mais em seus ofícios; se fiz mal, deixo disso a responsabilidade ao seu autor."
Extraímos as passagens seguintes de uma carta que nos foi dirigida de uma aldeia do
Vosges. Embora estejamos autorizados a não calar nem o nome do autor, nem o da
localidade, nós não o fazemos por motivos de conveniência, que se apreciará; mas temos a
carta nas mãos para dela fazer uso que creiamos útil. Ocorre o mesmo para todos os fatos
que adiantamos, e que, segundo a sua maior ou menor importância, figurarão, mais tarde,
na história do estabelecimento do Espiritismo.
"Não sou bastante versado na literatura para tratar dignamente o assunto que empreendo;
todavia, tentarei me fazer compreender, na condição de que suprireis a falta de meu estilo
e de minha redação, porque há vários meses queimo pelo desejo de me unir a vós por
correspondência, a estando-o já pelos sentimentos desde que meu filho me enviou os
preciosos livros contendo a instrução da Doutrina Espírita e a dos médiuns. Eu chegava do
campo ao cair da noite; notei esses livros que o correio me trouxera; apressava-me em
jantar e me deitar, tendo a vela acesa junto de meu leito, pensando ler até o momento em
que o sono viesse me fechar os olhos, mas li toda a noite com uma tal avidez que não senti
o menor desejo de dormir." Segue a enumeração das causas que tinham levado nele a incredulidade religiosa absoluta,e que passamos por respeito humano.
'Todas essas considerações me passam diariamente no espírito; o desgosto se apoderou de
mim; tinha caído num estado de ceticismo o mais endurecido; depois em minha triste
solidão de tédio e de desespero, cria-me inútil à sociedade, tinha decidido pôr fim em meus
dias tão infelizes pelo suicídio. "Ah! senhor, não sei se alguém poderá jamais se fazer uma idéia do efeito que produziu sobre mim a leitura de O Livro dos Espíritos; a confiança renasceu, o amor de Deus se apoderou de meu coração e eu sentia como um bálsamo divino se derramando sobre todo o meu ser. Ah! dizia-me, toda a minha vida procurei a verdade e a justiça de Deus e não
encontrei senão o abuso e a mentira; e agora, sobre os meus velhos dias, tenho, pois, a
felicidade de encontrar essa verdade tão desejada. Que mudança em minha situação que,
de tão triste, tornou-se tão doce! Agora me encontro continuamente em presença de Deus
e de seus Espíritos bem-aventurados, meu criador, protetores amigos fiéis; creio que as
mais belas expressões dos poetas seriam insuficientes para pintar uma situação tão
agradável; quando meu fraco peito pode permiti-lo, encontro minha distração no canto dos
hinos e dos cânticos que creio ser-lhe o mais agradável; enfim, sou feliz graças ao
Espiritismo. Recentemente escrevi ao meu filho que me enviando esses livros, me havia
tornado mais feliz do que se me tivesse posto na cabeça a fortuna mais brilhante."
Segue o relato detalhado de tentativas de mediunidade feitas na aldeia entre vários adeptos
e os resultados obtidos; entre eles se encontravam vários médiuns, dos quais um parecia
bastante notável. Chamaram parentes e amigos, que vieram lhes dar provas incontestáveis
de identidade, e Espíritos superiores que lhes deram excelentes conselhos.
'Todas essas evocações foram narradas aos ouvidos do Sr, cura, por compadres e
comadres, que as desnaturaram em grande parte. A dezoito de maio último, o Sr. cura,
dando o catecismo aos seus alunos da primeira comunhão, vomitou mil injúrias contra a
casa C... (um dos principais adeptos) e contra mim; depois ele dizia ao filho C...: "Tu, eu
não te quero mais, mas em dois anos serás bastante forte para ganhar tua vida; aconselhote
a deixar teus pais, eles não são capazes de te dar bons conselhos." Eis um bom
catecismo! Na véspera, ele subiu propositadamente ao púlpito para recomeçar o discurso
que tivera com seus alunos um instante antes, dizendo com uma grande volubilidade que
nada conhecemos do inferno, que não arriscamos nada para nos entregar ao roubo e à
rapina para nos enriquecer às custas de outrem; que era nos dar aos sortilégios e às
superstições da Idade Média, e mil outras invectivas.
"A esse propósito, escrevi uma carta ao Sr. procurador imperial de M...; mas antes de enviála
quis consultar o Espírito de São Vicente de Paulo na nossa próxima reunião. Esse bom
Espírito fez o médium escrever o que se segue: "Lembrai-vos destas palavras do Cristo:
"Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem." Depois do que, queimei minha carta.
A fama dessa doutrina se difunde em todas as aldeias vizinhas; várias me pediram e fazem
pedir meus livros, mas não me restam mais; todos aqueles que compreendem um pouco a
leitura querem lê-los e os passam de mão em mão."
"Depois de ter lido O Livro dos Espíritos e o dos Médiuns, meu primeiro cuidado foi tentar se
podia ser médium. Durante oito dias nada tendo obtido, escrevi ao meu filho minha falta de
sucesso. Como morava em sua casa um magnetizador, este lhe propôs me escrever uma
carta que ele magnetizaria, e que com isso eu podia fazer infalivelmente a evocação de
minha defunta. O pobre magnetizador não pensava que me proporcionava as varas para
fazer chicotear. Com isso tornei-me médium auditivo; coloquei-me de novo em posição de
escrever e logo me foi dito ao ouvido: "Procuram enganar teu filho." Durante três dias
consecutivos, com uma força progressiva, essa advertência vinha-me ao ouvido e tirava-me
a atenção que devia pôr naquilo que fazia. Disso escrevi a meu filho para adverti-lo de
desconfiar desse homem. Pelo retorno do correio, respondeu-me para me censurar as
dúvidas que tinha contra esse homem, a quem dava toda a sua confiança. Poucos dias
depois recebi dele uma nova carta, que mudava de linguagem, dizendo que tinha colocado
à porta esse infeliz tratante que, vestindo-se por fora de um homem honesto, servia-se
dessa pretensa qualidade para melhor prender suas vítimas. Colocando-o à porta, mostroulhe
minha carta, que, a cem léguas de distância, o tinha pintado tão bem."
Esta carta não tem necessidade de comentários; vê-se que o discurso do Sr. cura produziu
seu efeito no meio desses camponeses, como alhures. Se foi o diabo que tomou, nessa
circunstância, o nome de São Vicente de Paulo, o Sr. cura deve com isso estar satisfeito!
Temos razão em dizer que os próprios adversários fazem a propaganda e servem à nossa
causa sem o querer? Dizemos, no entanto, que fato semelhante são antes exceções do que
a regra; pelo menos gostamos de assim pensar; conhecemos muitos honrados eclesiásticos
que deploram essas coisas como impolíticas e imprudentes. Se nos assinalam alguns atos
lamentáveis, nos assinalam também um bom número deles de um caráter verdadeiramente
evangélico. Um sacerdote dizia a uma de suas penitentes que o consultava sobre o
Espiritismo: "Nada chega sem a permissão de Deus; portanto, uma vez que essas coisas
ocorrem, é que não podem ser senão por sua vontade." - Um moribundo fez chamar um
sacerdote e lhe disse: "Meu pai, há cinqüenta anos que não freqüentava mais as igrejas e
que já havia esquecido Deus; foi o Espiritismo que me conduziu de novo a ele e que é a
causa que me fez vos chamar antes de morrer; dar-me-eis a absolvição? -- Meu filho,
responde o sacerdote, os objetivos de Deus são impenetráveis; rendei-lhe graça por vos ter
enviado essa tábua de salvação: morrei em paz." - Poderíamos citar cem exemplos
semelhantes.

17 dezembro 2009

A PAZ VEM DE DEUS

Documento remetido pelo tribuno e médium Divaldo Pereira Franco ao Sr. Bawa Jain, Secretário Geral do Encontro de Cúpula Mundial de Líderes Religiosos e Espirituais pela Paz Mundial.
Herança do primarismo, que ainda predomina em a natureza humana, a guerra é vestígio de barbárie que necessita ser extirpada da Terra. Quando acossado, esfaimado ou atormentado pelo cio, que lhe faculta a procriação, o animal ataca e mata. O ser humano, no entanto, preservando essa herança ancestral, também se faz agressor do seu irmão, vitimado por fatores de profunda perturbação emocional, mental, social, econômica, religiosa, étnica, cultural, demonstrando que ainda não se identificou com Deus, ou se O conhece, o seu relacionamento é superficial ou fanático, não lhe havendo permitido uma perfeita sintonia com a paz que dEle se irradia, e que deve estender-se por todo o mundo. A paz é resultado da Lei natural - o amor - que vige em toda parte do Universo. Quando o sentimento de amor, que se encontra na base e na estrutura de todas as Doutrinas religiosas, se apossa dos sentimentos humanos, espalha-se e dirige todas as formas de comportamento, gerando saudável intercâmbio entre as criaturas, que se ajudam reciprocamente, contribuindo para a felicidade uma das outras, evitando qualquer tipo de relacionamento agressivo ou belicoso.
No entanto, porque o desenvolvimento intelectual do ser humano não se fez acompanhado daquele de ordem moral, homens e mulheres, grupos sociais e Nações ainda não conseguiram libertar-se da constrição do ego, que se lhes torna verdadeiro algoz, propelindo-os para a alucinação preconceituosa de falsa superioridade, que se destaca na conduta social, religiosa, econômica, racial, patriótica e espiritual, impulsionando essas suas vítimas - do egotismo - na direção das calamidades destrutivas, quais as perseguições inclementes que culminam nas guerras hediondas. Esse egoísmo avassalador é responsável pelo nascimento e crescimento do poder impiedoso que se apresenta na economia pessoal, nacional e internacional, fomentando a miséria de outros indivíduos e povos que lhe jazem sob o domínio insensato e perverso. Enquanto acumula fortunas incalculáveis, que somente podem ser mensuradas através de equipamentos de tecnologia avançada, centenas de milhões de outros indivíduos estorcegam na miséria, sem a menor dignidade humana, experimentando a fome, a desolação, as doenças pandêmicas e dilaceradoras variadas e a promiscuidade de toda natureza, havendo perdido, inclusive, o direito de existir...
Esses bolsões de miséria econômica, que proliferam mesmo nos países supercivilizados, constituem cânceres em desenvolvimento no organismo social, que terminam por degenerar, mais cedo ou mais tarde, a sociedade como um todo, ameaçando a própria vida inteligente na terra. Isto porque, os seus gritos de dor e de angústia, mesmo que abafados pelo estardalhaço das paixões desgovernadas naqueles que os oprimem, terminam por alcançar-lhes os ouvidos da alma, atormentando-os e produzindo neles a consciência de culpa, pela responsabilidade que lhes diz respeito nesse clamor resultante do desespero que envolve o planeta em que habitamos. Ninguém pode ser feliz a sós, ou apenas no seu grupo de fantasia e prazer, porquanto, embora a fortuna em que se refestela, não se pode evadir da presença interna de Deus, exteriorizando-se como libertação da anestesia do desinteresse pelo próximo; das enfermidades, que fazem parte do programa existencial do ser biológico e se encontram ínsitas na fragilidade orgânica; dos conflitos de natureza psicológica; dos desvios do comportamento mental; da solidão; da frustração e da falta de objetivo existencial, que se faz reconhecido como um vazio interior.
O ser humano foi criado por Deus para a glória estelar. Transitando pelas paisagens terrestres, onde desenvolve as potencialidades interiores que são herança divina nele insculpidas, tem por missão melhorar o mundo, que lhe serve de escola, promovê-lo, intercambiar valores morais, culturais, artísticos, tecnológicos e espirituais, trabalhando para a aquisição da paz interna e da plenitude, que deverá espalhar em volta dos passos, propiciando-as a todos os que o seguem na retaguarda.
A Humanidade cresce, etapa a etapa, em razão das conquistas ancestrais, que passam de uma a outra geração, sempre enriquecidas pelas experiências de engrandecimento e de sabedoria. Nesse ministério incessante, muitos homens e mulheres, se permitem sacrificar: uns na abnegação, outros na pesquisa incessante, outros mais em holocaustos pelos ideais que esposam e são prematuros, portanto, inaceitáveis nos seus dias, abrindo espaços para a sua implantação no futuro... De Sócrates, incompreendido e sacrificado, a Jesus Cristo, perseguido e assassinado, a Ghandi, a Martin Luther King Júnior, vitimados pela loucura da perversidade, disfarçada de preconceitos e hediondez, o fenômeno criminoso se repete, ameaçando as estruturas sociais e culturais, em vãs tentativas de impedirem que sejam eliminados o sofrimento e a desgraça social e econômica na Terra. Assim mesmo, lentamente embora, as criaturas vêm crescendo espiritualmente e aprendendo a respeitar o pensamento e a ação dos missionários do Bem e do Amor, que se convertem em vexilários da paz e fraternidade entre os povos, promovendo as criaturas humanas individualmente e a sociedade como um todo. Dessa forma, quando todos os religiosos se unirem nos fundamentos essenciais das suas diversas Doutrinas - Deus, imortalidade da alma, justiça divina, amor, fraternidade, perdão e caridade em relação ao seu próximo - esquecendo as pequenas diferenças, que decorrem das interpretações e exegeses, haverá o desarmamento interior dos indivíduos e, conseqüentemente, o entrosamento de todos, dando surgimento a um só bloco de seres humanos, harmônico e compacto, materializando o ensinamento de Jesus. Um só rebanho e um só Pastor, que será Deus, não importando o nome que se Lhe atribua, ou a forma sob a qual seja venerado.
Para que esse desiderato se faça alcançado, torna-se urgente a erradicação da miséria moral e as suas conseqüências imediatas: a social, a econômica, que vitimam e enlouquecem quase três quartas partes da Humanidade. Os governos compreenderão, por fim, que se torna uma necessidade de emergência a elaboração de programas de salvação, como a educação, a saúde, o saneamento de regiões infestadas, o trabalho digno, sem a utilização de mão-de-obra escrava, a recreação e os cuidados especiais com a criança, trabalhando-a moralmente, como medida preventiva, para que se evite o surgimento no futuro de cidadãos perversos e vingadores. Porquanto, tudo aquilo que a sociedade no momento negar aos seus coevos, eles o tomarão logo possam pela violência, quando as circunstâncias lhes permitirem. Educar, portanto, as novas gerações, dignificando-as, é terapia moral que prevenirá o porvir das calamidades que hoje assolam as ruas das pequenas e grandes cidades do mundo, das aldeias ou das megalópoles que se tornam, a cada dia, mais vítimas de insuportáveis agressividades e violências, transformadas como se encontram em palcos de guerras urbanas, embora vicejando a paz...
Por outro lado, o trabalho de conscientização política dignificadora, que os religiosos do mundo poderão empreender, evitará que personalidades psicopatas e extravagantes, portadoras de programas de extermínio e de crueldade, se apossem do poder e repitam as tragédias de canibalismo, de genocídio, de vandalismo, de guerras cruéis e ininterruptas, conforme vêm acontecendo.
O indivíduo religioso e espiritual tem o dever de descobrir que a sua vida somente tem um sentido: servir à Humanidade. E nesse mister, é convidado a empenhar-se para alterar o contexto da sociedade em que vive, mesmo que lhe seja necessário o sacrifício como forma de extirpar do mundo o crime, as agressões, o fanatismo de qualquer expressão, fomentadores das pequenas e grandes guerras que espocam diariamente em toda parte.
As tensões sociais e humanas, conseqüentemente, desaparecerão quando as criaturas se desarmarem e se amarem, se derem as mãos e intercambiarem os sentimentos de solidariedade e de amor, porquanto essa é a recomendação de Krishna, de Moisés, de Buda, de Lao-Tseu, de Jesus-Cristo, de Mahomé, de Lutero, de Allan Kardec, de Baha-ú-la e de todos aqueles que trouxeram para a Humanidade a Mensagem libertadora do PAI CRIADOR, em favor de todos os Seus filhos, portanto, irmãos entre si. Com esse propósito no imo dos sentimentos e da mente racional e lúcida, desaparecerão os focos de atritos, de paixões religiosas, de dominações políticas arbitrárias, de perseguições de todo jaez, e a paz lentamente estenderá o seu psiquismo de harmonia nos indivíduos, nos grupos sociais, nos povos e em todas as Nações da Terra.
(Jornal Mundo Espírita de Abril de 2001)

16 dezembro 2009

UMA ÉTICA PARA A GENÉTICA

Todo um universo de insuspeitadas dimensões está surgindo da penetração da pesquisa pelos domínios da Biologia.
Tamanha é a massa de informações que está sendo colhida e tão extraordinário o seu conteúdo que muitos cientistas, fascinados pela excitação intelectual do êxito, imaginam-se novos deuses capazes de criar a vida à sua imagem e semelhança. Não sabem que longe disso, estão apenas começando a descobrir os maravilhosos segredos que Deus coloca nas coisas que faz.
O nosso futuro está sendo jogado em partidas pesadas nos laboratórios do presente, por homens e mulheres de ciência que têm o seu próprio código de ética, que talvez não seja o que melhor convém à sociedade humana. É que nesse verdadeiro exército de cientistas são percentagem desprezível aqueles que têm consciência da grandeza de Deus e do sentido espiritual da vida. Vendo-os trabalharem nos seus magníficos laboratórios, concentrados no estudo do homem, ocorre a nós, que estamos voltados para a realidade espiritual, a nítida expressão de que estão estudando os componentes materiais de marionetes, mas ignorando totalmente a consciência e as motivações que fazem os bonecos se moverem. Ah! Que falta nos fazem cientistas espíritas que se dediquem, com reverência e amor, ao estudo das forças que impulsionam a vida e que lhe dão forma e sentido, não apenas dos componentes materiais em que ela se apóia!
Surgem, por isso, dilemas atrozes que envolvem milhões de seres. "Se permitirmos que os fracos e os deformados vivam - diz o doutor Theodosius Dobzhansky - e propaguem a sua espécie, teremos que enfrentar um crepúsculo genético. Mas, se os deixarmos morrerem ou sofrerem quando podemos salvá-los, enfrentaremos a certeza de um crepúsculo moral".
A equação não está bem armada porque a pesquisa ainda não recebeu o impulso certo na direção correta. O pensamento deve ser reformulado. Que processos espirituais ou psicossomáticos desencadeiam deficiências físicas? Podem ser revertidos? Podem ser evitados? Podemos impedir que se propaguem? Certamente que essas possibilidades poderão ser exploradas com segurança, a partir do instante em que o cientista se convencer de que o homem não é meramente um mecanismo biológico, mas um ser espiritual. O problema é realmente difícil para aquele que não aceita nem como hipótese de trabalho, a realidade espiritual. É que, para atuar no mundo material, o espírito precisa ter na matéria os contatos e as "tomadas" necessárias, junto aos quais atua através do seu perispírito.
Até que assuma tal posição, no entanto, muita desorientação ainda há de provocar danos imprevisíveis aos processos da vida e, por conseguinte, ao homem das futuras gerações. É que, sem o saber, a ciência está interferindo em alguns dos dispositivos da própria reencarnação, ao manipular genes, na tentativa de acelerar ou provocar desvios no sistema evolucionista da vida. O homem moderno tem pressa; não quer esperar pela sabedoria das leis divinas. Está, assim, tentando obrigar a natureza a dar saltos, coisa que ele nunca fez. Os planos são muitos e cada qual mais mirabolante. Ainda na infância espiritual, os homens de ciência descobriram no universo do ser um imenso e imprevisto quarto de brinquedos, os brinquedos da vida. Os projetos são inúmeros e o limite é a imaginação de cada um. Um deles é aumentar a caixa craniana para ter homens mais inteligentes. E fazer o que com a inteligência? - perguntamos nós. Os astronautas não precisam de pernas, portanto, vamos mexer nos genes para criar homens sem pernas. A mulher deseja filhos? Ë fácil: faça-se nela a inseminação com material genético devidamente estudado e preparado. Quer filhos, mas não deseja a gravidez? Implante-se seu óvulo em mãe mercenária. Quer filhos homens, de olhos azuis e cabelos louros? Basta alterar os genes, no ponto certo, tirando partículas e acrescentando outras. Se homens e mulheres desejarem conservar do sexo apenas o prazer momentâneo, então os seres poderão ser criados em úteros artificiais, em série, fabricados em incubadeiras coletivas, às quais qualquer um poderá encomendar seus filhos pelo crediário, com rígidas especificações, com se fosse um novo automóvel. Se o país precisa de um novo exército, "gera-se" um, clonizando células de grandes militares. Para transmitir conhecimentos, basta injetar as "células da memória" de um ser que sabe noutro que não sabe. Para preservar a vida física indefinidamente, pensam os biologistas em clonizar seres humanos de reserva, que ficariam cuidadosamente depositados em congeladores para fornecerem "sobressalentes", tais como coração, pulmões, rins, braços ou pernas, e até cabeças novas para aqueles desgastados pelo uso ou abuso.
Há planos para criar um monstro meio homem meio máquina, chamado "cyborg", que seria um cérebro vivo, ligado a um mecanismo que apenas servisse às suas limitadíssimas necessidades. Já se pratica a técnica da criogenia, segundo a qual se congelam as pessoas doentes ou desgostosas da vida para no futuro, quando for possível resolver os seus problemas biológicos ou psicológicos , sejam trazidas de volta à vida ativa. E o Espírito? Disso ninguém cuida, dele ninguém sabe, por ele ninguém se interessa.
Os centros das sensações estão sendo identificados e "mapeados" nas ignotas regiões do cérebro. A introdução de eletrodos em determinados pontos provoca sensações novas e extraordinárias. Experiências feitas em ratos levaram os pobres animais a uma completa alucinação na busca desesperada do prazer, até a morte por exaustão, completamente desinteressados de tudo o mais, inclusive alimentação e atividade sexual. Descobertas como estas criam problemas imprevisíveis de comportamento futuro. Já há quem preveja "centros de experimentação" em substituição às drogas aos bares e aos cafés, onde as criaturas se reuniriam para viver horas de prazeres nunca dantes experimentados, ligados a uma aparelhagem verdadeiramente diabólica.(...)
Acham outros cientistas que, retirando de um indivíduo alguns componentes genéticos, podem reproduzi-lo à vontade, com todas as suas características físicas - cor de pele, dos olhos e dos cabelos - e, ainda, com absoluta identidade mental e espiritual. Seria, assim, fácil criar um milhão ou dois de novos Lincolns ou Esteins. é claro que, se isso fosse possível, não faltaria quem desejasse criar uma quadrilha inteira de Al Capones ou nação de Hitlers. Nesse ponto, o embriologista Robert T. Francoeur, diz um basta! - que é um brado de alerta: "Xerox de gente? Não deveria ser praticada em laboratório, nem mesmo uma só vez, com seres humanos".
A questão é que os cientistas escolhem seus métodos e decidem sua própria ética. E é por isso que já se pensa nos Estados Unidos, a sério, na proposição de leis que instituam um código ético básico para traçar limites ao que pode ou não pode ou não deve ser realizado, em laboratórios com o ser humano. O problema é, no entanto, muitíssimo mais complexo, porque a tais atitudes respondem muitos cientistas declarando a impossibilidade de pesquisar dentro de faixas rigidamente estabelecidas por legisladores que não estão preparados para decidir questões de âmbito científico.
Por outro lado, mesmo que seja possível estabelecerem, os próprios cientistas um código voluntário de ética, quem poderá assegurar a aplicação ética das descobertas que forem realizadas? Isso porque a ciência pura não se interessa - em princípio - pela utilização de seus "achados". Os homens que começaram a desvendar os segredos do átomo talvez não permitissem que se atirassem bombas sobre populações indefesas, se para isso tivessem autoridade política e militar, mas os que jogam bombas não são os mesmos que descobrem os processos de liberação da energia nuclear.
Não é minha intenção, neste brevíssimo e incompleto sumário, inquietar ou assustar o leitor, mas creio que é útil a todos nós dar essa espiada ligeira em alguns dos problemas que estão ocupando os melhores intelectuais do mundo moderno. Não podemos, no entanto, livrar-nos de uma pesada e opressiva sensação de melancolia, ao vermos que tanto esforço, tempo, dinheiro e talento, são colocados na tentativa infantil de "corrigir" a obra de Deus. Nesta atmosfera de ficção, onde tudo é possível para o cientista, onde está o espírito? Onde está Deus? Vemos, desalentados, que essas entidades não são tomadas em consideração nem mesmo como hipóteses de trabalho, para ajudar o raciocínio ou testar experimentações incompreensíveis, quando deveriam ser a base, o princípio dominante de toda a especulação em torno dos fenômenos da vida, manifestação legítima da grandeza de infinita de Deus.
Ao contrário, o que vemos nessas pesquisas e nesses estudos, são homens brilhantíssimos, donos das mais respeitáveis técnicas, trabalhando nos mais avançados laboratórios, mas de cabeça baixa, voltados para a matéria, só matéria, matéria sempre, sem saberem que o átomo é apenas o suporte transitório da vida, muleta de que o ser precisa por algum tempo, no início da sua carreira evolutiva na sua escalda para o infinito, na direção de Deus.
Para tomar um só exemplo, vejamos o que está sendo pesquisado em torno da memória. A história começa com a sensacional descoberta do RNA (ácido ribonucleico) e do DNA (ácido desoxirribonucleico), ingredientes básicos do gene existente nas células de todos os organismos vivos. Esse achado científico foi considerado tão importante quanto a desintegração atômica, porque foi surpreender fenômenos da vida nas suas bases de sustentação e propagação. Na realidade, as pesquisas vão de tal forma adiantadas que Arthur Kornberg, da Universidade de Stanford, conseguiu produzir uma fieira de moléculas de DNA capaz de reproduzir-se, tal como um vírus.
Experiências posteriores, partindo do conhecimento obtido acerca do conhecimento obtido acerca do comportamento do RNA, sugerem a possibilidade de transferir informações armazenadas na memória de um ser para a memória de outro, mas os próprios cientistas ainda têm muitas dúvidas sobre a validade dos dois testes feitos, que não acham bastante conclusivo. No entanto, já se partiu para a especulação das possibilidades e perspectivas resultantes da experimentação. Alguém imaginou as "pílulas do conhecimento" que, compradas na drogaria ali na esquina, poderiam proporcionar àquele que as ingerisse conhecimento de línguas, de arte ou de matemática. A coisa, porém, não é tão simples assim, porque então, como diz James Mac Connell, psicólogo da Universidade de Michigan, para que desperdiçar todo o vasto conhecimento adquirido por um eminente professor? Em lugar de aposentá-lo ao cabo de uma vida de trabalho, a solução melhor seria os alunos comerem o mestre...
Brincadeira, ou não, o certo é que as aventuras no domínio da genética e da biologia prosseguem na ignorância total da condição espiritual do homem.
Wilder Penfield, um cirurgião canadense, ao realizar uma operação cerebral com anestesia local descobriu que certos pontos do cérebro, eletricamente estimulados, levavam o paciente a ouvir uma canção antiga, ou a reviver, com todos os seus vívidos pormenores, uma esquecida cena da infância, ou uma senhora a experimentar, novamente as sensações de uma antiga gravidez. Daí, concluíram alguns cientistas que o cérebro tem capacidade para registrar e conservar com precisão incrível todas as sensações que recebe, por menos importantes que sejam. O ESPIRITISMO sabe disso há muito tempo, ensinando que esse registro se faz no perispírito, mesmo porque as memórias que guardamos não são apenas as desta vida, mas as das anteriores também, até onde alcançar a nossa consciência. A demonstração disso está no fenômeno da regressão da memória. (...)
Abismado pelas complexidades e grandezas da biologia molecular, o homem ainda não aprendeu a ser humilde diante da obra de Deus e perguntar, como George W. Carver, o que desejou o Criador dizer com as maravilhosas coisas que fez. Em lugar disso, o homem quer criar e corrigir a obra da natureza, uma obra da qual ele ainda não entendeu sequer os princípios fundamentais.
Todas essas descobertas e debates estão preocupando os pensadores, teólogos e filósofos dos tempos modernos. Que vai sair desses laboratórios ameaçadores? Um ser artificial? Um "cyborg" a ditar ordens implacáveis? Multidões clonizadas por cópias, como xerox? Seres sem alma? Nada disso! Se forem criadas artificialmente as condições existentes na mais profunda e sagrada intimidade do organismo materno, o espírito aí se encarnará, mas o homem não poderá criar a vida, isto é, um ser humano pensante, mesmo que tente copiá-lo de um já existente! (...)
Esse é o quadro que a biologia molecular e a genética estão compondo neste exato momento em que o leitor lê estas linhas. O homem está brincando é de aprendiz de feiticeiro e se os poderes espirituais não tomassem as medidas necessárias, no tempo oportuno, a civilização moderna se suicidaria em poucos decênios. Muitas dores por certo ainda hão de vir enquanto brilhar a inteligência divorciada da moral, mas não está muito longe o dia em que Deus vai mostrar, mais uma vez, que o Universo que Ele criou não anda à matroca, nem precisa de correções, a não ser aquelas que forem necessárias para corrigir os desvios provocados pela vaidade humana.
Há, pois, uma urgente necessidade, neste ponto de civilização: uma ética para a genética.
O nosso futuro está sendo jogado em partidas pesadas nos laboratórios do presente, por homens e mulheres de ciência que têm o seu próprio código de ética.

Hermínio C. Miranda
Da Revista Reformador jun/1971

14 dezembro 2009

O PERISPÍRITO E A FORÇA DIRETORA

A revelação espírita do perispírito causou uma verdadeira revolução entre os espiritualistas que acreditavam ser a alma integralmente imaterial, bem como entre os fisiologistas, que não contavam com sua existência. "É preciso admitir" - acrescenta Gabriel Delanne - "que, persistindo o perispírito depois da morte, se torna demonstrável que preexista ao nascimento".
Essa interpretação dos fatos explica, logicamente, como a ordem e a harmonia se mantém na formidável confusão de fenômenos que constitui um ser vivo. Diria, ainda, Delanne:
"Se realmente existe no homem um segundo corpo, que é o modelo indefectível pelo qual se ordena a matéria carnal, compreende-se que, apesar do turbilhão de matéria que passa em nós, se mantenha o tipo individual, em meio às incessantes mutações, resultante da desagregação e da reconstituição de todas as partes do corpo".
De fato. O perispírito é o regulador das funções, o artífice que vela pela manutenção do edifício biológico, porque essa tarefa não pode, absolutamente, depender das atividades cegas da matéria.
E acrescenta Delanne:
"Existe, evidentemente, um plano que se conserva, e exige uma força plástica diretora, a qual não pode ter por causa acidentes fortuitos. Como supor uma continuidade de esforços, seguindo a mesma direção, num conjunto cujas partes mudam perfeitamente? Se nesse turbilhão, algo resta estável, esse algo é o Perispírito. Quando melhor conhecermos, noções novas, preciosíssimas, resultarão para a Fisiologia e para a Medicina".
Claude Bernard, na "Introdução ao Estudo da Medicina Experimental", afirma: "se fosse preciso definir a vida, eu diria: a vida é criação!... O que caracteriza a máquina viva não é a natureza de suas propriedades físico-químicas, é a criação dessa máquina junto de uma idéia definida..."
"Esse agrupamento se faz em virtude de leis que regem as propriedades físico-químicas da matéria; mas o que é essencialmente do domínio da vida, o que não pertence nem à Física, nem à Química, é a idéia geratriz dessa evolução vital".
"Há um como desenho vital que traça o plano de cada ser, de cada órgão, de sorte que, considerado isoladamente, cada fenômeno do organismo é tributário das forças gerais da Natureza; tomadas em sua sucessão e em seu conjunto, parecem revelar um liame especial; dir-se-iam dirigidos por alguma condição invisível, na rota que seguem, na ordem que os encadeia".
Afirma, a propósito, Leon Denis em "No Invisível":
"Tudo na Natureza é alternativa e ritmo. Do mesmo modo que o dia sucede à noite e o verão ao inverno, a vida livre da alma sucede à estância na posição corpórea. Mas a alma se desprende também durante o sono; reintegra-se em sua consciência amplificada, nessa consciência por ela edificada lentamente através da sucessão dos tempos; entra na posse de si mesma, examina-a, torna-se objeto de admiração para ela própria. Seu olhar mergulha nos recessos obscuros de seu passado, e aí vai surpreender todas as aquisições mentais, todas as riquezas acumuladas no curso de sua evolução, e que a reencarnação havia amortalhado. E que o cérebro concreto era impotente para exprimir, seu cérebro fluídico o patenteia, o irradia com tanto mais intensidade quão mais completo é o desprendimento".
Em seguida, o filósofo de Tours oferece à reflexão uma série de casos que provam a evasão da alma da prisão carnal, da qual se liberta, definitivamente, pela morte...
Alfred Erny, contemporâneo e companheiro de pesquisas de Eugênio Nus, William Crookes e Alfred Russel Wallace, em seu filho "O Psiquismo Experimental", dedica o Capítulo I, da Segunda Parte, ao estudo do Corpo Psíquico, "que é indispensável para que se compreendam os fenômenos psíquicos de caráter mais elevado e mais raro".
"Os espíritos" - acrescenta Alfred Erny - "Chamam a esse corpo, Perispírito". O ilustre pesquisador, embora não refute o vocábulo Kardequiano, considera a expressão "corpo psíquico" mais apropriada.
Afirma, ainda, linhas a seguir, que os sábios e os cépticos duvidam da existência desse corpo, porque não o vêem.
Por sua vez, J. Herculano Pires, em "Curso Dinâmico de Espiritismo", elucida:
"O Perispírito, corpo espiritual ou corpo bioplasmático possui, em sua estrutura extremamente dinâmica, os centros da força que organizam o corpo material (2). É o modelo energético previsto com grande antecedência por Claude Bernard. Os pesquisadores russos compararam esse corpo, visto através das Câmaras Kirlian de fotografia paranormal em conjugação com telescópio eletrônico de alta potência, a um pedaço do céu intensamente estrelado. Esse é o corpo da ressurreição espiritual do homem, dotado de todos os recursos necessários para a vida após a morte. Esse corpo de plasma físico e plasma espiritual vai perdendo seus elementos materiais na vida espiritual, na proporção exata da evolução do Espírito".
O Prof. Henrique Rodrigues em "A Ciência do espírito", cita o livro de Sheyla Ostande e Lyn Schroeder - "Psychic Discoveries in the Iron Curtain", sobre o qual se escreveu interessante artigo estampado na revista "Reformador" (FEB). Eis um dos seus trechos:
"As pesquisas começaram num grupo de cientistas localizados perto do centro espacial soviético no Cazaquistão, em Alma-Atá. Reuniram-se alguns biologistas, bioquímicos e biofísicos para estudar a espetacular descoberta do casal Kirlian: uma câmara de alta freqüência que, ultrapassando a barreira da matéria densa, vai mostrar a contraparte imaterial dos seres. Com equipamentos óticos conjugados à câmara Kirlian, os cientistas soviéticos tiveram, um dia, uma visão maravilhosa que até então era reservada aos videntes - O CORPO ESPIRITUAL DE UM SER VIVO!
Uma comissão de alto nível foi designada em 1968 para estudar o fenômeno e emitir parecer conclusivo. Compunha-se o grupo dos Doutores Inyushin Grischichenko, Vorohev, Shouiski e Gilbalduin. A conclusão que apresentaram não poderia ser mais objetiva e corajosa:
A descoberta de um corpo energético pelos biofísicos russos proporcionara uma confirmação independente da extensa pesquisa sobre a existência de um corpo equivalente, feita nos laboratórios Delawarr, em Oxford, Inglaterra. A pesquisa pioneira do professor George de la Warr, no campo do biomagnetismo tem sido ignorada no Ocidente, mas os russos demonstraram considerável interesse por ela e até mandaram um cientista visitar o Laboratório Delawarr há vários anos. A obra de George e Marjorie de la Warr tem vastas implicações para a compreensão da "força misteriosa que permite a percepção à distância por qualquer célula viva. (vide: "Using Sound Waves to Probe Matter", de George de la Warr, e "Biomagnetism", de G. de la Warr e Douglas Zaher, 1967.)

Carlos Bernardo Loureiro

SUBJUGAÇÃO

Etapa grave no curso das obsessões, caracterizada pela perda do discernimento e da emoção, o estágio da subjugação representa o clímax do processo ultriz que o adversário desencarnado impõe à sua vítima, em torpe tentativa de aniquilar-lhe a existência física.
A perfeita afinidade moral entre aqueles que experimentam a pugna infeliz, traduz o primarismo evolutivo em que desenvolvem os sentimentos, razão pela qual acoplam-se, perispírito a perispírito, impondo o algoz a vontade dominadora sobre quem lhe padece a ferocidade, por cujo doloroso meio lapida as arestas remanescentes dos crimes perpetrados anteriormente.
A subjugação é o predomínio da vontade do desencarnado sobre aquele que se lhe torna vítima, exaurindo-lhe as energias e destrambelhando-lhe os equipamentos da aparelhagem mental.
Noutras vezes, a irradiação mental perniciosa que lhe é descarregada com pertinácia, alcança-lhe a sede dos movimentos ou o núcleo perispiritual das células, provocando desconsertos que se transformam em paralisias, paresias e distúrbios degenerativos outros de variada etiopatogenia.
O perseguidor enceguecido pelo ódio ou vitimado pelas paixões inferiores longamente acalentadas, irradia forças morbíficas que o psiquismo daquele que lhe infligiu a amargura assimila por identidade vibratória e se torna decodificada no organismo, produzindo os objetivos anelados pelo obsessor.
Em ordem inversa, a onda de amor e de prece, de envolvimento caridoso e fraternal, termina por encontrar receptividade tão logo o paciente se deixe sensibilizar, transformando-a em harmonia e saúde, bem estar e paz.
Todos os fenômenos ocorrem no campo das equivalentes sintonias, sem as quais são irrealizáveis.
Desse modo, a violência registrada nas agressões para a subjugação, somente encontra ressonância por causa da afinidade entre aqueles que se encontram incursos no embate.
Normalmente o processo é lento e persuasivo, provocando danos que se prolongam no tempo, enquanto são minadas as forças defensivas para o tombo irrefragável nas malhas da pertinaz enfermidade espiritual.
O processo cruel da obsessão de qualquer matiz tem suas raízes sempre na conduta moral infeliz das criaturas pelo cultivar da sua inferioridade em contraposição aos apelos elevados da vida, que ruma para a Suprema Vida.
Enquanto permaneçam os Espíritos afeiçoados às heranças do estágio primitivo, mantendo o egotismo exacerbado, graças ao qual humilha e persegue, trai e escraviza, explora e infunde pavor ao seu irmão, permanecerá aberto o campo psíquico para as vinculações obsessivas.
Somente uma radical transformação de conceito ético entre os homens terrestres é que os mesmos disporão de recursos seguros para se prevenirem obsessões.
No entanto, porque vicejem os propósitos inferiores em predomínio em a natureza humana, sucedem-se as complexas parasitoses obsessivas.
Agravada pela alucinação do perseguidor, a subjugação encarcera na mesma jaula aquele que a fomenta.
Emaranhando-se nos fulcros perispirituais do encarnado, termina por fixar-se-lhe emocionalmente, permanecendo presa da armadilha que urdiu.
A subjugação é perversa maquinação do ódio, da necessidade de desforço a que se escravizam os Espíritos dementados pela falta de paz.
Cultivando os sentimentos primários e encerrando a mente nos objetivos da vingança cerram-se na sombra da ignorância, perdendo o contato com a razão e a Divindade, enquanto não se permitem a felicidade que acusam de havê-los abandonado.
Ambos desditosos – o subjugado e o subjugador – engalfinhando-se na peleja sem quartel, não se dão conta que somente o amor consegue interrompê-la.
De tratamento muito delicado e complexo, o resultado ditoso depende da renovação espiritual do paciente, na razão em que desperte para a seriedade da conjuntura aflitiva em que se encontra. Simultaneamente, a solidariedade fraternal, envolvendo ambos enfermos em orações e compaixão, esclarecimentos e estímulos para o futuro saudável, conseguem romper o círculo vigoroso de energias destrutivas, abrindo espaço para a ação benéfica, o intercâmbio de esperança e de libertação.
A subjugação desaparecerá da Terra quando o verdadeiro sentimento da palavra amor for vivido e espraiado em todas as direções, conforme Jesus apresentou e vivenciou até o momento da morte, e prosseguindo desde a ressurreição gloriosa até aos nossos dias.

Mamoel Philomeno de Miranda (espírito)
(Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, em 28/07/99, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador-BA)

09 dezembro 2009

A ESCOLHA DE DIRIGENTES ESPÍRITAS

Após socorrer-se da imagem do corpo humano como modelo integrado e funcional de uma instituição, Paulo propõe aos discípulos de Corinto a seguinte distribuição de tarefas: apóstolos, médiuns psicofônicos (profetas), expositores (mestres), médiuns de cura para doenças orgânicas (milagres), médiuns de cura para distúrbios mentais e emocionais (dom de cura), trabalhos de assistência social, trabalhos administrativos, médiuns xenoglóssicos (dom de línguas). Destaca-se que a função, digamos, gerencial da instituição ficou posta em sétimo lugar, numa hierarquia de oito atividades específicas, nas quais avulta o exercício de bem definidas faculdades mediúnicas. É claro o recado: Paulo deseja as tarefas administrativas reduzidas a um mínimo indispensável e que não se sobreponham às demais, que considera prioritárias, embora ele insista na importância de cada uma para o conjunto, cabendo aos apóstolos, como trabalhadores diretos da palavra do Cristo, a indiscutível liderança do grupo, sempre que presentes. Lamentavelmente, contudo, os administradores das comunidades – núcleo central da futura classe sacerdotal – não se conformavam com esse posicionamento que, praticamente, nenhum poder lhes conferia, e trataram de manobrar para subverter a escala de valores do Apóstolo dos Gentios. Para encurtar uma longa história: decorrido não mais que um século, eles estavam no topo da estrutura, uma vez que os ocupantes iniciais dessa posição – os apóstolos – já haviam partido, e os médiuns haviam sido, pouco a pouco, silenciados. Por outro lado, a partir de certo momento, a Igreja Primitiva optou pelo critério quantitativo, que produzia massas maiores de manobrar. Acontece que os núcleos de poder atraem precisamente aqueles que buscam o exercício do poder e não os que desejam contribuir com a sua modesta parcela de trabalho, mas não se sentem fascinados pelo mando. O resultado foi o que se viu e ainda se vê: uma instituição rigidamente hierarquizada, volumosa pirâmide de poder civil, econômico, social e político, na qual pouco espaço resta – se é que resta – para implementação do ideário do Cristo, que teria de ser, necessariamente, a prioridade absoluta do sistema. Essas reflexões ocorrem a propósito de situações semelhantes ou muito parecidas, que estamos testemunhando no movimento espírita contemporâneo, com disputas entre os que desejam entrar e os que não querem sair, mesmo após 20 ou 30 anos de comando. Em alguns desses casos, segundo sabemos, a regra é uma espécie de vitalidade que vai aos extremos da intenção dinástica. Esboçam-se, em tais casos, verdadeiras campanhas, segundo modelos político-partidários, nos quais figura, com destaque, intensa atividade promocional desta ou daquela chapa. Confesso, contudo, certo desconforto, quando percebo um açodamento maior e uma paixão mais intensa nas campanhas que se travam, às claras e nos bastidores, em torno de certos postos de comando administrativo. E, principalmente, de um travo meio estranho de azedume e hostilidade entre as diversas facções. Se eu tivesse de votar, gostaria de conhecer, com antecedência, a verdadeira motivação dessas pessoas, o que de fato pretendem fazer uma vez assumidas as funções para as quais forem eventualmente escolhidas, e que tipo de contribuição se comprometem a dar, não apenas no trato da Doutrina. Isto se pode aferir com a possível aproximação, ainda que não com a precisão desejável, pelo que as pessoas empenhadas na disputa tenham dito, escrito ou realizado, no passado, e as posturas que hajam assumido como espíritas, dentro e fora do movimento. É claro que, uma vez que os eleitores as escolhem e elas assumem os cargos, é o consenso resultante de cada um que vai determinar os rumos da ação administrativa, mas não apenas isso, e, principalmente, de que maneira será tratada a Doutrina dos Espíritos, da qual o movimento é apenas o corpo físico? Se me concedem, pois, o modesto direito de sugerir ou opinar sobre algo, deixem-me pedir aos companheiros que escolhem dirigentes no movimento espírita um momento de silêncio interior, de serena meditação, de lúcida avaliação, uma cuidadosa preparação, a fim de que possam exercer com plena consciência de suas responsabilidades o direito de decidir a quem serão entregues as tarefas administrativas e representativas do movimento espírita. O voto de cada um pode acarretar inesperadas conseqüências, a curto, médio ou a longíssimo tempo, tanto na sustentação do Espiritismo enquanto Doutrina, que traz em si as matrizes ideológicas do futuro, como tentativa frustrada (mais uma!) de implementar um modelo racional e inteligente a promover as reformas éticas de que tanto necessita a civilização moderna.
Hermínio C. Miranda
(Jornal Mundo Espírita de Outubro de 98)

08 dezembro 2009

PSICOPICTOGRAFIA


"(...) Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis recebido".Jesus. (Mt., 10:8.)
É absolutamente imprescindível que os Espíritas busquemos afeiçoar o movimento espírita aos seguros e coerentes parâmetros oferecidos por Jesus e ratificados por Kardec.
Segundo o ensinamento1 do Mestre Lionês, entre as criaturas que se convenceram das verdades espíritas através de um estudo direto, existem as que podemos chamar de espíritas experimentadores, isto é, os que crêem pura e simplesmente nas manifestações, sem que isso os torne criaturas melhores ou os sensibilize para a necessidade do aperfeiçoamento constante. Para esses o Espiritismo é apenas uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos...
Evidentemente essas pessoas não podem ser arroladas como verdadeiros espíritas ou espíritas cristãos, conforme o entende Kardec.
A Doutrina Espírita nasceu dos fenômenos, mas já se emancipou deles. O fenômeno é apenas a "casca", e agora devemos nos ocupar _ exaustivamente _ da "polpa". Daí não se justificar o que temos observado em terras brasileiras e estrangeiras, ou seja: um exacerbamento da feição fenomênica do Espiritismo em detrimento do essencial que é o estudo doutrinário.
Nessa avassaladora onda fenomênica, a pintura mediúnica tem se destacado, para alegria e perda de tempo dos curiosos de superfície...
As conseqüências disso são danosas para o movimento espírita com suas Instituições sempre às voltas com parcos orçamentos para atender à demanda da área social e às vezes até mesmo gastos administrativos comuns, vez que o arrocho financeiro faz com que muitos se inclinem para a venda das pinturas mediúnicas para ocorrer às despesas sempre crescentes. E as noitadas de "Renoir" e outros vão acontecendo aqui e acolá...
Em matéria de mediunidade ainda está valendo a regra áurea sancionada por Jesus há dois milênios: (Mt., 10:8.)
"Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis recebido".
Alguns Espíritas menos avisados e ingênuos, doutrinariamente inseguros, tendem a transformar suas Casas Espíritas em "atelier" de pintores famosos, no que são até mesmo aconselhados e estimulados pelos médiuns do "métier".
Alguns desses médiuns pintores têm uma superlotada agenda no Brasil e exterior, e com esse efeito multiplicador, lá vem mais loucuras para o nosso movimento espírita.
Já ouvimos de um confrade muito crédulo e místico que uma pintura mediúnica "irradia" vibrações terapêuticas no ambiente onde a dependuram, e pasmem! Não são poucas as pessoas que acreditam nisso!...
Não é sem motivo que muitas vezes Jesus dizia:
"Até quando vos suportarei?"
Perguntaram a Vianna de Carvalho como é vista no Mundo Espiritual a comercialização no terreno da arte. Eis a resposta do Mentor2:
"Desde que não se trate de uma realização eminentemente mediúnica, caracterizando-se pelo esforço pessoal daquele que produz a obra de Arte, é justo que a possa dispor conforme lhe aprouver. Face ao encontro de compradores, alguns dos quais se tornam mais investidores financeiros do que admiradores do Belo é válido que venda o seu trabalho, a fim de viver com dignidade. Entanto, todo excesso é prejudicial, e na Arte, em razão das ambições que entram em jogo comercializando-a, e impedindo que os menos aquinhoados financeiramente possam também desfrutá-la, torna-se uma conquista lamentável para aqueles que a possuem para deleite exclusivo do seu orgulho e egoísmo.
No passado, geralmente, com poucas exceções, os artistas viveram e desencarnaram faltos de recursos, especialmente quando sua expressão de Arte não correspondia aos padrões convencionais estabelecidos, inspirando-se, ainda mais no próprio sofrimento e produzindo incomparáveis obras que vêm sensibilizando a cultura da Humanidade séculos em fora".
Falando da pintura mediúnica propriamente dita, perguntaram ainda ao Nobre Mentor3:
"Pintura mediúnica é arte? Traria ela alguma importância real para o Movimento Espírita, para a Doutrina Espírita?"
Resposta: "Da mesma forma que a psicografia e a psicofonia, nas expressões da mediunidade intelectual, contribuem valiosamente para a comprovação da imortalidade, ao lado de outras manifestações positivas do fenômeno mediúnico, a psicopictografia é recurso nobre de arte para a confirmação da sobrevivência do Espírito à disjunção molecular do corpo. O estilo do pintor, suas características, sua mensagem oferecem expressivo contributo para a afirmação da Vida após o túmulo, como também pelo ensejo que oferece de trazer beleza e harmonia para encanto das criaturas humanas.
À Doutrina Espírita não oferece maior contribuição, tendo-se em vista que a Codificação encontra-se estruturada e completa, não sendo a mediunidade psicopictográfica que irá aumentar a sua excelente proposta de sabedoria.
O fenômeno necessita da Doutrina a fim de se explicar, porém a Doutrina dispensa o fenômeno, por ser ela um conjunto de lições profundas e ricas de iluminação e beleza, de que o insigne Allan Kardec se fez o incomparável intermediário.
Assim, o fenômeno confirma a Doutrina e essa elucida-o".
Faz-se mister maior vigilância a fim de que não tenha o próprio Cristo que voltar aos arraiais espiritistas para - outra vez - expulsar os vendilhões do Templo. Aliás, essa vigilância deve estar sempre ativa e redobrada porque em Doutrina Espírita os fins não justificam os meios.
Há que se ter sempre em conta que o Espiritismo não possui qualquer similar, e temos que pagar o preço pela coerência doutrinária, jamais permitindo a infiltração dos modismos e loucuras do mundo em nossas Casas Espíritas.
1 - Kardec, A. "O Livro dos Médiuns" - 1ª parte - Capítulo III, item 28, § 1º.2 - Vianna de Carvalho/Franco, D.P. "Atualidade do Pensamento Espírita" - Questão 153 - LEAL3 - Vianna de Carvalho/Franco, D.P. "Atualidade do Pensamento Espírita" - Questão 139 - LEAL

Rogério Coelho

(Jornal Mundo Espírita de Novembro de 2000)

07 dezembro 2009

A REENCARNAÇÃO NA AMÉRICA

Revista Espírita, fevereiro de 1862

Admira-se, freqüentemente, que a doutrina da reencarnação não haja sido ensinada na
América, e os incrédulos não deixaram de nisso se apoiar para acusar os Espíritos de
contradição. Não repetiremos aqui as explicações que demos, e que publicamos, sobre esse assunto, nos limitaremos a lembrar que nisso os Espíritos mostraram a sua prudência habitual; quiseram que o Espiritismo nascesse num país de liberdade absoluta quanto à emissão das opiniões; o ponto essencial era a adoção do princípio, e para isso não quiseram estar embaraçados em nada; não ocorria o mesmo em todas as suas conseqüências, e sobretudo da reencarnação, que se chocaria contra os preconceitos da escravidão e da cor. A idéia de que o negro poderia tornar-se um branco; que um branco poderia ter sido negro; que um senhor pudera ser escravo; pareceu de tal modo monstruosa que bastou para fazer rejeitar o todo; os Espíritos, pois, preferiram sacrificar, momentaneamente, o acessório ao principal, e sempre dissemos que, mais tarde, a unidade se faria sobre este ponto como sobre todos os outros. Foi, com efeito, o que começou a ocorrer: várias pessoas do país nos
disseram que essa doutrina encontra ali, agora, numerosos partidários; que certos
Espíritos, depois de tê-la feito pressentir, vêm confirmá-la. Eis o que nos escreveu, a este respeito, de Montreal (Canadá), o Sr. Henry Lacroix, natural dos Estados Unidos: "... A questão da reencarnação, da qual fostes o primeiro promotor visível, nos pegou de surpresa aqui; mas hoje estamos reconciliados com ela, com essa filha de vosso pensamento. Tudo se tornou compreensível oor essa nova claridade, e vemos agora, diante de nós, bem longe no caminho eterno. Isso nos parecia, todavia, bem absurdo, como dizíamos no começo; mas hoje negamos, amanhã cremos, eis a Humanidade. Felizes são aqueles que querem saber, por que a luz se faz para eles; infelizes são os outros; porque permanecem nas trevas".
Assim foi a lógica, a força do raciocínio, que os conduziu a essa doutrina, e porque nela encontraram a única chave que podia resolver os problemas até então insolúveis. No entanto, nosso honroso correspondente se engana sobre um fato importante, nos atribuindo a iniciativa desta doutrina, que chama a filha de nosso pensamento. É uma honra que não nos ocorre: a reencarnação foi ensinada pelos Espíritos a outros senão a nós, antes da publicação de O Livro dos Espíritos; além disso, o princípio foi claramente colocado em várias obras anteriores, não somente as nossas, mas ao aparecimento das mesas girantes, entre outras, em Céu e Terra, de Jean Raynaud, e num encantador livrinho de Louis Jourdan, intitulado Preces de Ludowic, publicado em 1849, sem contar que esse dogma era professado pelos Druidas, aos quais, certamente, não ensinamos (1-(1) Ver a Revista Espírita, abril de 1858, página 95: O Espiritismo entro os Druidas. artigo contendo as Tríades.). Quando nos foi revelado, ficamos surpresos, e o acolhemos com hesitação, com desconfiança: nós o combatemos durante algum tempo, até que a evidência nos foi demonstrada. Assim, esse dogma, nós o ACEITAMOS e não INVENTAMOS, o que é muito diferente. Isto responde à objeção de um de nossos assinantes, Sr. Salgues (de Angers), que é um dos antagonistas confessos da reencarnação, e que pretende que os Espíritos, e os médiuns que o ensinam, sofrem a nossa influência, tendo em vista que, aqueles que se comunicam com ele, dizem o contrário. De resto, o Sr. Salgues alega contra a reencarnação objeções
especiais, das quais faremos, num destes dias, o objeto de um exame particular. À espera disso, constatamos um fato, é que o número de seus partidários cresce sem cessar, e que o de seus adversários diminui; se esse resultado for devido à nossa influência, é nos atribuir uma muito grande, uma vez que se estende da Europa à América, da Ásia à África e até à Oceania. Se a opinião contrária é a verdade, como ocorre que não haja preponderado? O erro seria, pois, mais poderoso do que a verdade?

29 novembro 2009

O PADEIRO DESUMANO - SUICÍDIO

Revista Espírita, maio de 1862
Uma correspondência de Crefled (Prússia Rhenana), de 25 de janeiro de 1862, e inserto no Constitutionnel de 4 de fevereiro, contém o fato seguinte:
"Uma pobre viúva, mãe de três filhos, entra na padaria e pede, insistentemente, dar-lhe crédito de um pão. O padeiro recusa. A viúva reduziu seu pedido a meio pão, e por fim, a um pedaço de pão, somente para seus filhos famintos. O padeiro ainda recusa, deixa o lugar e entra atrás da padaria; a mulher, crendo não ser vista, se apodera de um pão e se vai dali. Mas o furto, imediatamente descoberto, é denunciado à polícia. " Um agente vai à casa da viúva e a surpreende quando cortava pedaços de pão para seus filhos. Ela não nega o furto, mas se escusa sobre a necessidade. O agente da polícia, censurando a dureza do padeiro, insiste para que ela o siga ao escritório do comissário. "A viúva pede somente alguns instantes para mudar de roupa. Ela entra no quarto de dormir, mas ali permanece por tanto tempo para que o agente, perdendo a paciência, se decida a abrir a porta: a infeliz estava por terra inundada de sangue. Com a mesma faca que acabara de cortar o pão para seus filhos ela havia posto fim aos seus dias." Esta notícia, tendo sido lida na sessão da Sociedade, de 14 de fevereiro de 1862, foi proposta fazer a evocação dessa infeliz mulher, quando ela mesma veio se manifestar, espontaneamente, pela comunicação simples. Ocorre, freqüentemente, que Espíritos que estão em questão se revelem desta maneira; é incontestável que são atraídos pelo
pensamento, que é uma espécie de evocação tácita. Sabem que se ocupa deles, e vêm; se comunicam, então, se a ocasião lhes parece oportuna, ou se encontram um médium de sua conveniência. Compreender-se-á, segundo isso, que não é necessário nem ter um médium, nem mesmo ser Espírita para atrair os Espíritos com os quais alguém se preocupa. "Deus foi bom para a pobre desviada, e vem vos agradecer pela simpatia que consentistes
me testemunhar. Pois bem! diante da miséria de meus pobres e pequenos filhos, me esqueci e falhei. Então me disse: Uma vez que és impotente para alimentar teus filhos e que o padeiro recusa o pão àqueles que não podem pagá-lo; uma vez que não tem nem dinheiro, nem trabalho, morra! Porque quando não estiverdes mais ali virão em sua ajuda. Com efeito, hoje a caridade pública adotou esses pobres órfãos. Deus nos perdoou, porque viu minha razão vacilar e meu desespero horrível. Fui a vítima inocente de uma sociedade mal, muito mal regulada. Ah! agradecei a Deus por vos ter feito nascer neste belo país da França, onde a caridade vai procurar e aliviar todas as misérias. "Orai por mim, a fim de que possa logo reparar a falta que cometi, não por covardia, mas
por amor maternal. Quanto vossos Espíritos protetores são bons! Eles me consolam, me fortalecem, me encorajam, dizendo que o meu sacrifício não foi desagradável ao grande Espírito, e que, sob o olhar e a mão de Deus, preside aos destinos humanos."
A POBRE MARY (Méd. Sr d'Ambel).

26 novembro 2009

O PLANETA VÊNUS

Revista Espírita, agosto de 1862
(Ditado espontâneo. - Médium, Sr. Costel.)

O planeta Vênus é o ponto intermediário entre Mercúrio e Júpiter; seus habitantes têm a mesma conformação física que a vossa; o mais ou menos de beleza e de idealidade nas formas é a única diferença delineada entre os seres criados. A sutileza do ar, em Vênus, comparável à das altas montanhas, torna-o impróprio aos vossos pulmões; as doenças ali são ignoradas. Seus habitantes não se nutrem senão de frutas e de laticínios; ignoram o bárbaro costume de se nutrirem de cadáveres de animais, ferocidade que não existe senão nos planetas inferiores; em conseqüência, as grosseiras necessidades do corpo são destruídas, e o amor se enfeita de todas as paixões e de todas as perfeições apenas sonhadas sobre a Terra. Como na madrugada onde as formas se revestem indecisas e alagadas nos vapores da manhã, a perfeição da alma, perto de ser completa, tem as ignorâncias e os desejos da infância feliz. A própria natureza reveste a graça da felicidade velada; suas formas flácidas e arredondadas não têm as violências e as asperezas dos panoramas terrestres; o mar, profundo e calmo, ignora a tempestade; as árvores não se curvam jamais sob o esforço da tempestade e o inverno não as despoja de sua verdura; nada é estridente; tudo ri, tudo é
doce. Os costumes, cheios de quietude e de ternura, não têm necessidade de nenhuma repressão para ficarem puros e fortes.
A forma política reveste a expressão da família; cada tribo, ou aglomeração de indivíduos, tem seu chefe pela classe de idade. Ali a velhice é o apogeu da dignidade humana, porque ela aproxima do objetivo desejado; isenta de enfermidades e de fealdade, ela é calma e irradiante como uma bela tarde de outono. A indústria terrestre, aplicada à pesquisa inquieta do bem-estar material, é simplificada e quase desaparece nas regiões superiores, onde não tem nenhuma razão de ser; as artes sublimes a substituem e adquirem um desenvolvimento e uma perfeição que os vossos sentidos espessos não podem imaginar. As vestes são uniformes; grandes túnicas brancas envolvem com suas pregas harmoniosas o corpo, que não desnaturam. Tudo é fácil para esses seres que não desejam senão Deus e que, despojados dos interesses grosseiros, vivem simples e quase luminosos. GEORGES.
(Perguntas sobre o ditado precedente; Sociedade de Paris; 27 de junho de 1862. Médium, Sr. Costel.)
1. Destes ao vosso médium predileto uma descrição do planeta Vênus, e estamos
encantados de vê-la concordar com o que já nos foi dito, todavia, com menos de precisão. Pedimos consentir em completá-la, respondendo a algumas perguntas.
Quereis nos dizer, primeiro, como tendes conhecimento desse mundo? - R. Eu sou errante, mas inspirado por Espíritos superiores. Fui enviado em missão a Vênus.
2. Os habitantes da Terra podem ali estar encarnados diretamente saindo daqui? - R. Deixando a Terra, os seres mais avançados sofrem a erraticidade durante um tempo mais ou menos prolongado, que despoja inteiramente dos laços carnais, rompidos imperfeitamente pela morte.
Nota. -A questão não era saber se os habitantes da Terra podem ali estar encarnados imediatamente depois da morte, mais diretamente, quer dizer, sem passar por mundos intermediários. Ele respondeu que isso é possível para os mais avançados.
3. O estado de adiantamento dos habitantes de Vênus lhes permite lembrarem de sua estada nos mundos inferiores, e de estabelecerem uma comparação entre as duas situações? - R. Os homens olham para trás pelos olhos do pensamento, que reconstrói num único impulso ao passado desvanecido. Assim o Espírito avançado vê com a mesma rapidez que se move, rapidez mais fulminante que a da eletricidade, bela descoberta que se liga estreitamente à revelação do Espiritismo; ambos levam neles o progresso material e intelectual.
Nota. - Para estabelecer uma comparação, não é necessário saber que posição se ocupou pessoalmente; basta conhecer o estado material e moral dos mundos inferiores, pelos quais se teve que passar para apreciar-lhes a diferença. Segundo o que nos foi dito do planeta Marte, devemos nos felicitar por ali não estar mais; e, sem sair da Terra, basta considerar os povos bárbaros e ferozes e sabermos que tivemos que passar por esse estado, para nos sentir mais felizes. Não temos sobre os outros mundos senão notícias hipotéticas; mas pode
que, naqueles que estão mais avançados do que nós, esse Conhecimento tenha um grau de certeza que não nos é dado.
4. A duração da vida ali é proporcionalmente mais longa ou mais curta do que sobre a Terra? - R. A encarnação, em Vênus, é infinitamente mais longa do que não o é a prova terrestre; despojada das violências humanas, detida e impregnada pela vivificante influência que a penetra, ensaia as asas que a levarão nos planetas gloriosos de Júpiter, ou outros semelhantes.
Nota. - Assim como já fizemos observar, a duração da vida corpórea parece ser
proporcional ao adiantamento dos mundos. Deus, em sua bondade, quis abreviar a prova nos mundos inferiores. Por essa razão se junta uma causa física, é que, quanto mais os mundos são avançados, menos os corpos são usados para a devastação das paixões e das doenças que lhes são as conseqüências. O caráter sob o qual pintais os habitantes de Vênus deve nos fazer supor que não há entre eles nem guerras, nem querelas, nem ódios, nem ciúmes? - R. Os homens não se tornam senão o que as palavras podem exprimir, e seu pensamento limitado está privado do infinito; assim atribuis sempre, mesmo aos planetas superiores, as vossas paixões e os vossos motivos inferiores, vírus depositado em vossos seres pela grosseria do ponto de partida, e do qual não vos curais senão lentamente. As divisões, as querelas, as guerras,
são desconhecidas em Vênus, tão desconhecidas quanto é entre vós a antropofagia.
Nota. - A Terra, com efeito, nos apresenta, pela inumerável variedade dos graus sociais, uma infinidade de tipos que pode nos dar uma idéia dos mundos onde cada um desses tipos é o estado normal.
6. Qual é o estado da religião nesse planeta? - R. A religião é a adoração constante e ativa do Ser supremo; adoração despojada de todo erro, quer dizer, de todo culto idolatra.
7. Todos os habitantes estão no mesmo grau, ou bem os há, como sobre a Terra, os mais ou menos avançados? Neste caso, a que habitantes da Terra correspondem os menos avançados? - R. A mesma desigualdade proporcional existe entre os habitantes de Vênus quanto entre os seres terrestres. Os menos avançados são as estrelas do mundo terrestre, quer dizer, os gênios e os homens virtuosos.
8. Há senhores e servidores? - R. A servidão é o primeiro grau da iniciação. Os escravos daantigüidade, como os da América moderna, são seres destinados a progredir num meio superior àquele que habitaram em sua última encarnação. Por toda a parte os seres inferiores estão subordinados aos seres superiores; mas em Vênus essa subordinação moral não pode ser comparada à subordinação corpórea, tal qual existe sobre a Terra. Os superiores não são os senhores, mas os pais dos inferiores; em lugar de explorá-los, ajudam o seu adiantamento.
9. Vênus chegou gradualmente ao estado em que está? Passou anteriormente pelo estado em que está a Terra e mesmo Marte? - R. Reina uma admirável unidade no conjunto da obra divina. Os planetas, como os indivíduos, como tudo o que é criado, animais e plantas, progridem inevitavelmente. A vida, em suas expressões variadas, é uma ascensão perpétua para o Criador; ela desenrola, numa imensa espiral, os graus de sua eternidade.
10. Tivemos comunicações concordantes sobre Júpiter, Marte e Vênus; porque não tivemos sobre a lua senão coisas contraditórias e que não puderam fixar a opinião? - R. Essa lacuna será preenchida, e logo tereis sobre a lua revelações tão nítidas, tão precisas quanto às que obtivestes sobre outros planetas. Se elas não vos foram ainda dadas, disso compreendereis mais tarde a razão.
Nota. Essa descrição de Vênus, sem dúvida, não tem nenhum dos caracteres de uma autenticidade absoluta, e também não a damos senão a título condicional. No entanto, o que já foi dito desse mundo, lhe dá, pelo menos, um grau de probabilidade, e, seja como for, o que não é menos o quadro de um mundo que deve, necessariamente, existir para todo homem que não tenha a orgulhosa pretensão de crer que a Terra é o apogeu da perfeição humana; é um anel na escala dos mundos, é um grau necessário àqueles que não sentem a força de ir sem dificuldade a Júpiter.

23 novembro 2009

A PRECE E A OBSESSÃO

Na obra "Religião", no derradeiro Capítulo, registra-se um substancial estudo sobre a prece, estudo magnífico que o Dr. Carlos Imbassahy apóia na evidência dos fatos por ele mesmo observados e trazidos ao conhecimento do público.
Um desses fatos é o que nos permitimos reproduzir, sem omissão de uma vírgula. Ouçamos o beletrista baiano:
"Numa sessão, aliás teórica, falávamos sobre pontos evangélicos, quando uma jovem presente toma o aspecto de louca furiosa e quer rasgar-se.
Depois, investe contra os assistentes. Houve pânico, que aumentou quando a vimos querer atirar-se de uma janela.
Uns a seguravam; outros davam-lhe passes; outros traziam-lhe coisas para cheirar; cada qual alvitrava um meio, todos inteiramente inúteis, todos lamentavelmente ineficazes.
Fizemos que se retirassem os curiosos; e nós, cercado de um grupo de médiuns, procuramos dar passes na possessa. Estes contribuíram para enfurecê-la ainda mais; ela se lançava a nós, dizendo-nos impropérios, arranhava-nos, esbofeteava-nos.
Já estávamos exaustos.
Os amigos entreolhavam-se pasmados, desanimados. Era preciso chamar uma ambulância.
Mas seria o escândalo. Seria a confissão completa da falência de todos os nossos processos.
As lágrimas vieram-nos aos olhos. Compreendemos, então, a extensão imensa de nossas fraquezas. E apelamos para o Pai. E oramos.
E orávamos e chorávamos. Por que negar a nossa fragilidade? Éramos o responsável pela reunião. Chorávamos e orávamos.
E quando um dos médiuns já ia descer as escadas em busca de socorro psiquiátrico, diz a jovem, com voz mudada, com timbre masculino:
- Ah! Puderam mais do que eu, desta vez!
E se acalmou. Acordou. E perguntou-nos, sorridente, ingênua, ignorante de tudo que se passara:
- Que foi? Que houve? ...
Estava curada. Estava curada pela prece".
O caso que acabamos de transcrever faz-nos lembrar o que se conta nos Evangelhos, acerca de um moço possesso de um Espírito perverso, cujo genitor suplicara a Jesus que o curasse, depois de o terem tentado, sem nenhum sucesso, os próprios discípulos do Mestre de Nazaré.
Vendo estes que, a uma ordem de Jesus, o terrível obsessor deixara imediatamente o jovem, que dantes vivia metido em correntes, como louco indomável, aproximaram-se do Senhor, em particular, e indagaram:
"- Por que não pudemos nós expulsá-lo?"
"- Esta casta de Espíritos", respondeu Jesus, "só se consegue expelir à força da oração..."(Marcos, 9;14-29; Mateus, 17;14-21).

Carlos Bernardo Loureiro
(Jornal Mundo Espírita de Agosto de 1998)

21 novembro 2009

EMANCIPAÇÃO ESPIRITUAL DO HOMEM

IMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA - Colocando o problema da evolução humana em termos de imanência e transcendência, segundo a acepção moderna desses vocábulos, podemos compreender melhor a natureza transcendente do horizonte espiritual. Os quatro horizontes que o antecedem: o tribal, o agrícola, o civilizado e o profético, representam o período de imanência do processo evolutivo. Nesse período, de acordo com o "princípio da imanência", de Le Roy, toda a potencialidade espiritual do homem encontra-se em desenvolvimento, tudo o que nele é implícito transita para o explícito. A experiência da magia, dos mitos agrários e da mitologia civilizada, das religiões organizadas e da eclosão profética, nada mais é do que uma seqüência de fases do período imanente, em que o homem acorda em si mesmo as forças latentes da alma, preparando-se para a fase de transcendência que virá com o horizonte espiritual.
Esse é um dos motivos por que a Revelação Cristã se mostra mais poderosa e atuante que as anteriores. Já vimos que o horizonte espiritual aparece com Jesus, com ele se define. Vimos também que Israel representou, mais do que os outros países, o momento em que as forças desenvolvidas no período da imanência atingiram a sua culminância. Assim, o próprio desenvolvimento histórico explica e justifica as afirmações místicas, aparentemente dogmáticas, da supremacia espiritual de Israel e do seu papel de povo eleito. Para a mentalidade mística dos horizontes anteriores, a posição de Israel não poderia ser interpretada senão como uma determinação celeste. A própria alegoria da Aliança confirma isto. O pacto firmado entre Deus e seu povo é a simples divinização de um sistema agrário de compromissos humanos. Mas era através dessa alegoria que os antigos conseguiam entender e explicar uma realidade inexplicável, qual fosse a supremacia espiritual do povo hebraico e o seu dever indeclinável de liderança mundial.
A incompreensão do fato permanece ainda hoje, tanto no seio das religiões cristãos quanto no próprio judaísmo. A expectativa milenária do Messias, e a ambição do domínio universal e absoluto, das seitas cristãs provindas do judaísmo, nada mais são do que resíduos do período de imanência. A destinação messiânica de Israel não foi e não é encarada no seu sentido histórico, mas no seu antigo aspecto teológico. Daí a razão do povo eleito esperar ainda o cumprimento da promessa divina, e das seitas cristãs modernas, que se julgam herdeiras da mesma promessa, insistirem tão firmemente nos seus direitos de dominação e orientação exclusiva das consciências, para a salvação das almas.
O Espiritismo, doutrina livre, dinâmica, sem dogmas de fé, sem intenções exclusivas ou pretensões salvacionistas, corresponde precisamente à fase de esclarecimento do horizonte espiritual. Por isso é que ele se apresenta como desenvolvimento natural do Cristianismo, seqüência inevitável do processo histórico, enfrentando o problema da salvação em termos de evolução, e procurando explicar as alegorias do passado à luz da compreensão racional. Curioso notar-se que, nesse ponto, os adversários do Espiritismo o acusam de racionalismo sustentando a tese imanente, ou seja, a tese provinda do período de imanência, segundo a qual existem mistérios que a razão não alcança. Entre esses mistérios, figura o da destinação messiânica de Israel, que, como vimos, não era explicável no período anterior, mas hoje é perfeitamente compreensível.
No período de imanência, o homem não havia atingido a emancipação espiritual que lhe permitiria encarar os grandes problemas da sua própria destinação. Possuindo, entretanto, o sentimento intuitivo desses problemas, procurava racionalizá-los através de símbolos, de alegorias. No período de transcendência, o homem, já espiritualmente desenvolvido, possui os elementos necessários para enfrentar esses problemas e resolvê-los. Isso não quer dizer, entretanto, que o Espiritismo se considere, ou que os espíritas se considerem como novos detentores da verdade absoluta. Pelo contrário: O Espiritismo proclama a existência de problemas que são ainda insolúveis, como o da própria natureza de Deus. Insolúveis, porém, no momento presente, uma vez que o processo evolutivo levará o homem, progressivamente, a desvendar os novos mistérios que lhe forem sendo propostos pela própria evolução.
As reservas modernas quanto ao racionalismo são explicáveis, diante da experiência que conduziu os homens ao ceticismo, à descrença, ao materialismo, e consequentemente a uma posição incômoda, de negativismo explícito ou implícito dos valores da vida. Mas o racionalismo espirita representa precisamente o reajuste da posição racionalista. Porque a razão aplicada ao julgamento do passado, em função das conquistas ainda recentes do presente, provoca desequilíbrio do espirito, quando se pretende estabelecer o absolutismo racional. No Espiritismo, a razão é apresentada como uma função do espirito, um dos seus instrumentos de ação, e não como o próprio espirito. O absolutismo da razão não existe, embora a razão se apresente como instrumento indispensável para o esclarecimento espiritual.
Por outro lado, é necessário considerar que a razão foi a escada de que o homem se serviu, para superar os horizontes anteriores, libertando-se do domínio das forças naturais ou instintivas. A razão é, por assim dizer, a alavanca espiritual que elevou o homem do período de imanência para o de transcendência, permitindo-lhe julgar-se a si mesmo e delinear as perspectivas da sua própria libertação. O Espiritismo, como doutrina que corresponde exatamente às aspirações e as exigências do horizonte espiritual, não pode abrir mão da razão, nem mesmo em favor da intuição, que pertence a um período futuro do desenvolvimento humano.
DESENVOLVIMENTO DA RAZÃO - O horizonte profético assinalou a fase culminante de desenvolvimento da razão. Já tivemos ocasião de estudar os motivos dessa ocorrência, no vasto período histórico que vai do IX ao III século antes de Cristo, segundo a teoria de John Murphy, Resta-nos apreciar a maneira por que a razão vai progressivamente impondo os seus direitos, até conquistar a supremacia necessária, para libertar o espírito humano dos liames terríveis do passado.
Podemos observar com segurança o vigoroso surto da razão no horizonte profético, a começar da própria agitação profética na Palestina. Os conquistadores de Canaã carregavam no espirito a herança das civilizações mesopotâmica e egípcia. Os germes da razão estavam bem desenvolvidos naquelas mentes inquietas, que procuravam construir um novo mundo para si mesmas e anunciar aos demais povos o advento de uma nova ordem. Mas foram os profetas de Israel os corifeus desse movimento renovador, quer levantando sua voz contra o apego aos velhos hábitos, quer anunciando com insistência a aproximação dos novos tempos.
Os debates teológicos de Israel aparecem como uma preparação da efervescência medieval. Os profetas agitam a pasmaceira teológica do povo eleito, propondo questões que perturbam a própria ordem social. Ao mesmo tempo, na Grécia, a filosofia se desprende da sua matriz órfica, supera o pensamento místico do orfismo tradicional, e ensaia os primeiros passos da perquirição racional. Na própria China estagnada surge a inquietação provocada pela introdução do Budismo e pelo aparecimento do Confucionismo. Na Índia védica, submetida ao jugo das tradições, a renovação budista mistura-se às influências procedentes do pensamento grego, cujo poder de irradiação não conhece barreiras, no Ocidente ou no Oriente. No mundo romano, a infiltração grega submetia as tradições do Império e o politeísmo dominante ao julgamento progressivo, que a contribuição judeu-cristã iria acelerar de maneira decisiva.
O Cristianismo aparece como verdadeiro remate desse vasto processo. Jesus não se limita a condenar o apego ao ritualismo religioso no mundo judaico. Ele proclama a natureza espiritual de Deus, e consequentemente a do homem, filho de Deus. Ensina a universalidade do espírito, rompendo assim as barreiras de todos os preconceitos tribais, que dividiam a humanidade em grupos raciais ou religiosos. Mostra que o samaritano podia ser melhor que um príncipe da igreja judaica, e adverte à mulher samaritana que Deus devia ser adorado, não através de fórmulas exteriores em locais considerados sagrados, mas "em espirito e verdade".
Quando observamos o fenômeno do aparecimento e da propagação do Cristianismo, primeiramente na Palestina, e depois no mundo, verificamos que se tratava de uma verdadeira revolução. Mas a característica dessa revolução é precisamente o apelo à razão. O Cristianismo exigia das criaturas o uso desse poder misterioso do raciocínio, que as fazia senhoras de si mesmas, responsáveis pelos seus atos. Contra a autoridade das Escrituras e dos Rabinos, bem como da própria tradição, Jesus proclamava a soberania da consciência. Limpar o vaso por dentro, e não apenas por fora; servir-se do Sábado, em vez de escravizar-se a ele; orar conscientemente, sabendo que Deus, sendo Pai, não dá pedra a quem lhe pede pão, nem cobra a quem lhe pede peixe.
Os homens ainda não estão preparados para compreender todos os princípios dessa revolução. Continuarão apegados, por muito tempo, aos velhos moldes autoritários, subjugados pelos antigos preceitos. Mas o fermento está lançado na medida de farinha, e inevitavelmente a fará levedar. Os próprios apóstolos não assimilarão suficientemente as lições do Mestre. Procurarão ajustar o Cristianismo aos velhos moldes judaicos, retê-lo nas sinagogas, prendê-la ao templo de Jerusalém. Pedro, o velho pescador, não admitirá cristão que não se submeta a ser circuncidado. Mas Jesus conhece um homem que amadureceu o suficiente para fazer prevalecer a razão sobre o costume, o uso, a tradição. Esse homem é Paulo de Tarso, que promoverá no Cristianismo nascente o movimento vivo de repulsa ao predomínio do passado.
A reforma grega do Orfismo pelo Pitagorismo, a reforma indiana do Hinduísmo pelo Budismo, a reforma chinesa do Taoísmo pelo Confucionismo, e a reforma síria do Judaísmo pelo Cristianismo, eis os grandes eventos históricos que assinalam o advento mundial, no horizonte profético, da era da razão. Pitágoras é o primeiro a ensaiar, na Grécia do século sexto, e no mundo inteiro, a união do pensamento místico ao racional. E a partir dos pitagóricos, o grande drama da evolução humana, durante milênios, se desenvolverá nesse plano: a luta pela racionalização da fé.
A crença pela crença, a fé pela fé, a obrigação e a necessidade de aceitar a tradição, como verdade absoluta, acabada e perfeita, são característicos dos horizontes primitivos, das fases de predomínio do instinto e do sentimento. Na proporção em que a razão se desenvolve, em que o homem aprende a pensar e a julgar, a fé cega, tradicional. Já não pode satisfazê-lo. A fórmula comodista: "Creio porque creio", exigirá um substituto dinâmico e fecundo: "Creio porque sei".
O horizonte profético se encerra com o predomínio da razão.
Ao contrário do que se costuma dizer, a razão não aparece como exclusivamente grega, não obstante a contribuição da Grécia seja a mais decisiva para o seu desenvolvimento. Encontramos, como já vimos acima, o florescimento da razão ao longo de todo o horizonte profético, prenunciando a supremacia mundial que ela deverá assumir, com o advento do horizonte espiritual. Mas haverá ainda uma grande fase histórica de reação, de luta profunda e morosa, entre a razão e a fé, embora aquela tenha de sair triunfante.
O DRAMA MEDIEVAL - A Idade Média é a fase dramática do desenvolvimento da razão. A tentativa pitagórica renova-se nessse vasto e sombrio período da história européia, mas em condições completamente diversas. O Cristianismo nascente recebera, desde a Palestina, um duplo impulso de racionalização: de um lado, a insistência do Cristo em libertar os homens do dogmatismo fideísta dos judeus; de outro, a influência do pensamento grego, bem patente nos próprios evangelhos. "Religião do livro", como mais tarde a chamariam os muçulmanos, penetrou essa nova religião no Império Romano em meio à efervescência da decadência, incentivando e acalorando os debates em torno dos problemas da fé. Mas no próprio Cristianismo a contradição dialética se acentua de maneira ameaçadora. Com o correr do tempo, a fé conseguiu superar sua antagonista, a razão, e submetê-la ao seu império. Nada exprime melhor esse fato do que a fórmula medieval: "A filosofia é serva da teologia.".
Os que ainda hoje acusam o Cristianismo de religião reacionária e obscurantista, em virtude do medievalismo e suas conseqüências, esquecem-se de que foi ele a única religião capaz de incentivar o desenvolvimento da razão, e até mesmo de preservar a herança cultural greco-romana através do período bárbaro. Esquecem-se de que próximo a Nazaré existia a Decápolis grega, e que o próprio nome da nova religião derivou de uma palavra grega. Esquecem-se ainda dos fatos históricos fundamentais do desenvolvimento do Cristianismo na Europa, entre os quais devemos assinalar a aproximação constante com o pensamento grego, o interesse pelas suas contribuições filosóficas, a tentativa de "pensar o evangelho através da lógica grega", e até mesmo a de platonizar e aristotelizar os fundamentos da nova religião.
A reação do fideísmo, entretanto, quase fez recuar o ímpeto da razão. O passado mítico e místico da humanidade pesou fundamente na balança. O próprio Cristo foi transformado em novo mito, e suas expressões alegóricas, empregadas sempre num sentido racional, esclarecedor, converteram-se em dogmas de fé. "O cordeiro que tira o pecado do mundo", imagem explicativa, referente à crença judaica na eficácia mágica do sacrifício de animais; "o resgate dos pecados pelo sangue", alegoria ligada à antiga superstição da era agrária, de purificação pela efusão de sangue; "a transubstanciação do pão e do vinho em corpo e sangue do Cristo", idéia mágica, de sentido alegórico, proveniente dos antigos "Mistérios" das religiões orientais; e assim tantas outras, adquiriram a força de preceitos literais, de ordenações divinas. Ao mesmo tempo, as formas do culto exterior, das religiões pagãs e judaicas, e as próprias festas do paganismo, foram adaptadas à nova religião. O processo de sincretismo religiosos, hoje tão bem conhecido e estudado pelos sociólogos, transformou o Cristianismo em novo domínio do mito e da mística.Apesar de todo esse gigantesco esforço de asfixia da razão, esta, entretanto, continuou a se desenvolver. Submetida ao império da fé, constrangida a servir aos dogmas, em vez de criticá-los, transformada em "serva da teologia", nem por isso a razão pôde ser esmagada. Porque, mesmo para servir ao dogmatismo, ela conseguia agitar e inquietar os espíritos. As heresias surgiram do chão "como cogumelos", segundo a expressão de Tertuliano, e mesmo depois que o principio de usucapião, do direito romano, foi empregado raciionalmente contra a razão, em defesa do fideísmo asfixiante, a razão, continuou a abrir as suas brechas na muralha dogmática. O próprio Tertuliano acabou como herege, e foram muitos os padres e doutores que, embriagados pelo vinho grego da dialética, resvalaram para o abismo das condenações.
A famosa Querela dos Universais, provocada pelo desafio de Porfírio, discípulo de Plotino, marcará a fase decisiva do desenvolvimento da razão, no mais agudo período da consolidação da dogmática medieval. Figuras brilhantes de pensadores cristãos como estrelas perdidas no céu escuro do medievalismo, assinalarão o roteiro da razão, como um traço de giz no quadro negro da época. A partir dos hereges dos quatro primeiros séculos, sufocados pela violência ortodoxa dos que se julgavam herdeiros exclusivos da era apostólica, podemos gizar no quadro uma linha que passa por Agostinho, no século V: por Erígena e Alcuíno, no século VIII; pelo dialético Beranger de Tours, do século IX, que negava a Eucaristia; por Abelardo, com seu "Sic et Non"; pelo trabalho dos "mestre de sentença", entre os quais se destaca Pedro Lombardo; para, afinal chegamos a Tomás de Aquino, que representa a codificação das contradições medievais, com sua "Suma Teológica."
O drama da razão na Idade Média empolga pelos seus lances heróicos, mas ao mesmo tempo assusta, pelo trágico de seus episódios cruéis. Abelardo é uma das figura mais representativas, senão a própria encarnação desse drama. Em pleno século XI, aceitava a supremacia da fé, mas chegou a tentar uma explicação racional do dogma da Trindade, caindo na condenação de heresia. Duas vezes foi condenado pelos Concílios. E para que não faltasse, no simbolismo da sua vida, o colorido das paixões humanas da época, temos o seu romance com Heloísa e o desfecho cruel a que é levado. Dilthey considerou a Idade Média como um caldeirão, em que ferviam as idéias, misturando, num gigantesco processo de fusão, as contribuições do pensamento grego-romano com os princípios judeu-cristãos.
Esse imenso "cozido", que teve de ser preparado através de um milênio, só estaria completo nos albores do século XIV, logo após a codificação da "Suma Teológica".
A luta entre a razão e a fé encontra, portanto, o seu epílogo, na Renascença. Embora tenhamos de reconhecer a sua continuidade, mesmo em nossos dias, a verdade é que ela agora se processa em plano secundário, como simples resíduo natural de épocas superadas. Descartes foi o espadachim que deu o golpe final nesse duelo de milênios. Inspirado pelo Espírito da Verdade, segundo a sua própria expressão, o filósofo do "cógito" libertou a filosofia da servidão medieval e preparou o terreno para o advento do Espiritismo. Mais tarde, Kardec poderia exclamar como vemos no pórtico de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que "Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as etapas da humanidade".
O que hoje se condena como racionalismo não é propriamente a razão, mas o absolutismo racional. A luta filosófica que se travou e ainda se trava no nosso tempo já não se refere mais ao problema antigo e medieval de razão e fé, mas às questões modernas, tipicamente metodológicas, de razão e intuição. É uma batalha que se trava no campo da teoria do conhecimento, e não mais no campo da superstição e do dogmatismo fideísta. Para o Espiritismo, essa batalha está superada.
A razão é apenas o instrumento de que o Espírito, o Ser, em sua manifestação temporal se serve para dominar o mundo. A intuição é o processo direto de conhecimento, de que o Espírito dispõe em seu plano próprio de ação - o espiritual - e que desenvolverá no plano material, na proporção em que o dominar pela razão. Mas a importância da razão, no processo evolutivo do homem, como forma de libertação espiritual, jamais poderá ser negada. Ao estudar o Renascimento, compreendemos o papel do racionalismo, na emancipação espiritual do homem, e o motivo por que o Espiritismo não pode abdicar de suas características racionalistas, para realizar a sua missão emancipadora total.
A MATURIDADE ESPIRITUAL - O Renascimento assinala o momento histórico de emancipação espiritual do homem. O processo de desenvolvimento da razão aparece completo, nesse homem novo que, com Descartes, refuta o dogmatismo medieval e proclama os direitos do pensamento. Não importa que o fenômeno cartesiano pertença ao século dezessete quando os albores da nova era já haviam surgido no catorze, no Quatrocento italiano. O processo, como vimos anteriormente vinha de muito antes. Mas assim como Abelardo encarna o drama medieval em todas as suas cores, Descartes é quem encarna a epopéia do Renascimento, a vitória da razão sobre o fideísmo medieval. Nele e através dele é que a razão triunfa para sempre, marcando os rumos de um novo mundo, para a humanidade renovada.
Mas o episódio histórico que assinalará, como verdadeiro marco no tempo, e momento de emancipação espiritual do homem, somente ocorrerá em fins do século dezoito, na efervescência da revolução Francesa. O estabelecimento do Culto da Razão, por Pierre Gaspar Chaumette, com a entronização da bailarina Candeille, da Ópera de Paris, na presença de Robespierre, em 1793, na Catedral de Notre Dame, é um episódio que representa verdadeira invasão do processo histórico pelo mito. Aliás, toda a Revolução Francesa apresenta esse curioso aspecto de uma revivescência mítica em pleno domínio da história. Foi um movimento histórico que se desenrolou no plano da alegoria. Cada uma das suas fases, e ela inteira, no seu conjunto, aparecem como símbolos. Nesse vasto enredo alegórico, o Culto a Razão é a simbologia específica, o episódio lendário, que marca a vitória do homem sobre a lenda e o mito.
Chaumette foi guilhotinado em 1794. Pagou caro e sem demora a ofensa cometida contra os poderes celestes, ao substituir em Notre Dame o culto da Mater Divina pelo da Razão Humana. Assim entenderam, e ainda hoje o entendem, os supersticiosos adversários do progresso espiritual do homem. Mas o sentido do episódio não estava na heresia. Chaumette não era um iconoclasta, nem um profanador de templos. Era apenas um intérprete do momento histórico em que a Razão Humana proclamava a sua libertação da Mater Divina, ou seja, em que o homem se libertava da Fé Dogmática, para usar o raciocínio, duramente conquistado através dos milênios.
Fácil compreender-se o horror que a audácia revolucionária provocou no mundo. A bailarina Candeille foi conduzida à Catedral de Notre Dame sobre um andor, vestida de azul, com barrete frígio na fronte, precedida de um cortejo de moças vestidas de branco, ostentando faixas tricolores. A convenção decidira substituir a religião tradicional por essa religião racionalista, e Robespierre presidiu a cerimônia. Uma estátua do Ateísmo foi queimada durante a festa que se seguiu. A religião de Chaumette era espiritualista, rejeitava o ateísmo e o materialismo. Mas quem poderia entender esse espiritualismo que não se submetia aos dogmas e aos sacramentos? Até hoje, o episódio do Culto da Razão causa arrepios aos próprios historiadores, que passam rapidamente sobre ele. É qualquer coisa de monstruuoso, que deve ser esquecido.
Durante dois meses, Novembro e Dezembro de 1793, o Culto da razão se estendeu pela França. As igrejas foram desprovidas de seus aparatos tradicionais e a Deusa Razão foi entronizada em cerimônias festivas. Carlyle, referindo-se a cerimônia de Notre Dame, exclama indignado que a bailarina Candeille era levada em procissão, e acrescenta: "escoltada por música de sopro, barretes frígios, e pela loucura do mundo". Realmente tudo parecia loucura, naquele momento irreal. A tradição se esboroava. Os ídolos caíam. Bispos e padres renunciavam. Carlyle acentua que surgiram de todos os lados: "curas com suas recém-desposadas freiras". E uma bailarina da Ópera era transformada em deusa, embora apenas de maneira simbólica.
Mas toda essa loucura nada mais era que a reação do espírito contra a asfixia das tradições. Qual o momento de libertação que não traz consigo esses arroubos? Passada, porém, as emoções do início, o coração se acalma e a razão restabelece as suas leis. Por outro lado, a "loucura do mundo", a que Carlyle se refere, pode ser historicamente identificada com a própria razão, pois vemo-la sempre denunciada pelos tradicionalistas, pelos conservadores renitentes, nos momentos cruciais da evolução humana. Os homens velhos, como as castas e os povos envelhecidos - ensina Ingenieros - vivem esclerosados em suas armaduras ideológicas e não podem compreender, senão como loucura, as verdadeiras revoluções sociais, que afetam os interesses estabelecidos e transformam as idéias dominantes.
A vitória da razão, na sua luta milenar contra o obscurantismo fideísta, não podia deixar de parecer um momento de loucura. Porque, desenvolvida através de um laborioso processo de acúmulo de experiências, de geração a geração, de civilização a civilização, o seu crescimento se assemelha ao das plantas que rompem o calçamento das ruas, para afirmar o poder da vida sobre as construções artificiais. Sabemos hoje, pelo aprofundamento que o relativismo crítico realizou na doutrina das categorias, de Kant, que a razão é o sistema dessas categorias vitais, forjadas no processo da experiência sempre renovada. Assim como a planta, rompendo o calçamento, afirma as exigências vitais da natureza, em toda a parte, assim também a razão, violentando as estruturas das velhas convenções, afirma as exigências vitais da consciência humana. A primeira dessas exigências é a liberdade, fundamento e essência do homem, que asfixiada durante um milênio no caldeirão medieval, explodiu com o fragar de uma detonação atômica, no período da Revolução Francesa.
Devemos ainda lembrar que o episódio do Culto da Razão tem o seu lugar no centro de uma linha de acontecimentos históricos. Não foi um caso isolado. Mesmo porque, na história, não existem casos dessa espécie. Já tivemos ocasião de lembrar o antecedente pitagórico da luta medieval entre a razão e a fé. Jérome Carcopino estabeleceu as ligações entre o pitagorismo e o cristianismo primitivo, nos seus estudos sobre a conversão do mundo romano. No período medieval já traçamos a linha que assinala o desenvolvimento dessa luta. Basta que a retomemos agora em Descartes, para vermos a continuidade no mundo moderno. Mas o mais curioso é vermos como essa luta sugeriu, no pensamento francês, tão afeito à síntese, a idéia de uma religião racional, que teve também o seu lento desenvolvimento.
Sem procurarmos entrar em maiores indagações, acentuamos que Descartes fundava o seu racionalismo na inspiração do Espírito da Verdade. Aparente contradição, que mais tarde se esclarecerá. Logo a seguir temos o caso de Espinosa, que estabelece ao mesmo tempo a forma racional de uma interpretação panteísta do cosmos e lança as bases, segundo Huby, "do mais radical racionalismo escriturístico". Dessas tentativas, surgem muitas derivações e paralelismos, que parecem desembocar na Convenção. Clootz propõe que o Deus Único seja o povo, e a Deusa Razão, de Chaumette, levará na mão o cetro de Júpiter-Povo.
Fracassada a tentativa, revolucionária, e retomadas as igrejas, não tardará muito a aparecer a tentativa de Auguste Comte, de fundação da Religião da Humanidade. Nessa linha milenar se insere o racionalismo espírita, que surge com Kardec, em meados do século dezenove, como síntese definitiva de um grande processo histórico. O Espiritismo representa o triunfo decisivo da razão. Não sobre a fé, com a qual se estabelece o equilíbrio, mas sobre o dogmatismo fideísta, que em nome da última asfixiava a primeira.
J. Herculano Pires